segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Azul é a cor mais quente (La Vie d'Adéle) – “[...] mas tenho muito carinho por você, e sempre terei”

O cinema francês é incrível! Não consigo me expressar de outra maneira. Desde que entrei nessa “vibe” de assistir filmes “cults” (ou seja, filmes que fogem da regra imposta pelos filmes hollywodianos, nos quais os efeitos visuais e a adrenalina são mais importantes do que os diálogos), tenho me impressionado bastante com a delicadeza e profundidade com que a França consegue contar suas histórias ao público. Para mim, é como estar abrindo meus olhos a um novo mundo, depois de estar a um longo tempo insatisfeito, mas sem saber o porquê.
Enfim, a resenha de hoje é sobre um filme que se encaixa como uma luva nessas minhas impressões iniciais. Trata-se do filme Azul é a cor mais quente (La Vie d'Adéle), filme de 2012 dirigido por Abdellatif Kechiche e inspirado livremente pela HQ de Julie Maroh, Le Bleu est une Couleur Chaude. A história conta a vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma garota de 15 anos que se vê apaixonada por Emma (Léa Seydoux), uma mulher um pouco mais velha, dona de belos cabelos azuis e cujo oficial principal é a pintura e o desenho.


O interessante é que apesar desse ser o resumo do filme, essa história é antes sobre a descoberta de Adèle (e de certa forma, de Emma também) a respeito de si mesma. Tanto que não é por acaso que Jean Paul Sartre (filósofo que eu estimo muito) é citado em certas passagens do filme através de seu ensinamento mais célebre: a existência precede a essência. E isso fica claro porque Adèle literalmente se descobre homossexual através da paixão singela, porém intensa, por Emma.
A construção das personagens não poderia ocorrer de forma mais sublime. Adèle é a típica adolescente com conflitos da adolescência, e embora esse seja um clichê, o filme se utiliza muito bem disso para dar forma a Adèle. No que começa com um simples conflito sobre “que faculdade fazer” se transforma num conflito muito mais intenso sobre a busca de “quem eu sou’. E nessa busca, Adèle precisou fazer escolhas não tão fáceis, como por exemplo, suas relações de amizades. Numa as cenas que eu mais me revoltei, aqueles que se diziam amigas de Adèle foram as primeiras a julgarem e se desfazerem dela. Um ensinamento muito real sobre quem são nossos amigos realmente, que em minha opinião, são aqueles capazes de aceitar nossas mudanças.
A personagem Emma não fica para trás. Apresentada como a garota mente aberta e pé no chão, ela representa o contraponto de Adèle ao oferecer um personagem com quem o público adulto posso se identificar também. E de fato, Emma faz jus ao título “azul é a cor mais quente”, pois foi ela quem trouxe intensidade à vida monótona de Adèle. Além disso, acho que cabe dizer aqui que eu mesmo me apaixonei por Emma. Ela conseguiu me conquistar. Eis meu destino: cada vez que me apaixono por mulheres, são por lésbicas... Como diz a mãe de Adèle em determinado momento do filme, azul é uma cor que caiu muito bem em Emma.


Na humilde opinião de quem apenas aprecia, mas não entende as variáveis técnicas de um filme, eu diria que a história de Adèle conseguiu um dos seus objetivos principais, que eu acredito que seja o de mostrar uma relação afetiva lésbica de forma bastante delicada e abarcando toda a complexidade psicológica e social que são inerentes à vida de nós, homossexuais.
O diretor, Abdellatif Kechiche 
O filme conquistou em 2013 o prêmio Palmas de Ouro, no Festival de Cannes, mas sua curta história não é isenta de problemas e críticas. Léa Seydoux deu um comentário bastante crítico a respeito da forma como Abdellatif Kechiche dirigiu o filme, principalmente no que diz respeito às cenas de sexo (“Me senti uma prostituta”, disse Léa Seydoux). De fato, para quem como eu foi pego de surpresa em relação às cenas de sexo, tais momentos do filme causam bastante surpresa, ainda mais quando percebemos que essas cenas demoram a acabar. E por isso, imagino que gravar tais cenas deve ter sido bastante desconfortável às atrizes. Acho inquestionável que foram exatamente essas cenas que fecharam com chave de ouro a impressão que temos de como Adéle se jogou de cabeça em sua relação com Emma, e se eu for olhar apenas para o valor artístico, eu não tiraria tais cenas. Mas consigo compreender também o possível desconforto de Léa Seydoux.

Fora isso, percebi o filme como uma verdadeira lição de filosofia existencialista e de filosofia prática. Minha primeira impressão eu justifico devido à descoberta de si mesmo que ocorreu com Adèle, ou melhor, de sua definição. A minha segunda impressão é devido ao final do filme, que me lembrou uma frase que levo comigo até hoje: a vida não é feita de finais felizes. 


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