O cinema francês é incrível! Não
consigo me expressar de outra maneira. Desde que entrei nessa “vibe” de
assistir filmes “cults” (ou seja, filmes que fogem da regra imposta pelos
filmes hollywodianos, nos quais os efeitos visuais e a adrenalina são mais
importantes do que os diálogos), tenho me impressionado bastante com a
delicadeza e profundidade com que a França consegue contar suas histórias ao
público. Para mim, é como estar abrindo meus olhos a um novo mundo, depois de
estar a um longo tempo insatisfeito, mas sem saber o porquê.
Enfim, a resenha de hoje é sobre
um filme que se encaixa como uma luva nessas minhas impressões iniciais.
Trata-se do filme Azul é a cor mais
quente (La Vie d'Adéle), filme de
2012 dirigido por Abdellatif Kechiche e inspirado livremente pela HQ de Julie
Maroh, Le Bleu est une Couleur Chaude.
A história conta a vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma garota de 15 anos
que se vê apaixonada por Emma (Léa Seydoux), uma mulher um pouco mais velha,
dona de belos cabelos azuis e cujo oficial principal é a pintura e o desenho.
O interessante é que apesar
desse ser o resumo do filme, essa história é antes sobre a descoberta de Adèle
(e de certa forma, de Emma também) a respeito de si mesma. Tanto que não é por
acaso que Jean Paul Sartre (filósofo que eu estimo muito) é citado em certas
passagens do filme através de seu ensinamento mais célebre: a existência precede
a essência. E isso fica claro porque Adèle literalmente se descobre homossexual
através da paixão singela, porém intensa, por Emma.
A construção das personagens não
poderia ocorrer de forma mais sublime. Adèle é a típica adolescente com
conflitos da adolescência, e embora esse seja um clichê, o filme se utiliza
muito bem disso para dar forma a Adèle. No que começa com um simples conflito
sobre “que faculdade fazer” se transforma num conflito muito mais intenso sobre
a busca de “quem eu sou’. E nessa busca, Adèle precisou fazer escolhas não tão
fáceis, como por exemplo, suas relações de amizades. Numa as cenas que eu mais
me revoltei, aqueles que se diziam amigas de Adèle foram as primeiras a
julgarem e se desfazerem dela. Um ensinamento muito real sobre quem são nossos
amigos realmente, que em minha opinião, são aqueles capazes de aceitar nossas
mudanças.
A personagem Emma não fica para
trás. Apresentada como a garota mente aberta e pé no chão, ela representa o
contraponto de Adèle ao oferecer um personagem com quem o público adulto posso
se identificar também. E de fato, Emma faz jus ao título “azul é a cor mais
quente”, pois foi ela quem trouxe intensidade à vida monótona de Adèle. Além
disso, acho que cabe dizer aqui que eu mesmo me apaixonei por Emma. Ela
conseguiu me conquistar. Eis meu destino: cada vez que me apaixono por
mulheres, são por lésbicas... Como diz a mãe de Adèle em determinado momento do
filme, azul é uma cor que caiu muito bem em Emma.
Na humilde opinião de quem
apenas aprecia, mas não entende as variáveis técnicas de um filme, eu diria que
a história de Adèle conseguiu um dos seus objetivos principais, que eu acredito
que seja o de mostrar uma relação afetiva lésbica de forma bastante delicada e
abarcando toda a complexidade psicológica e social que são inerentes à vida de
nós, homossexuais.
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| O diretor, Abdellatif Kechiche |
O filme conquistou em 2013 o
prêmio Palmas de Ouro, no Festival de Cannes, mas sua curta história não é
isenta de problemas e críticas. Léa Seydoux deu um comentário bastante crítico
a respeito da forma como Abdellatif Kechiche dirigiu o filme, principalmente no
que diz respeito às cenas de sexo (“Me senti uma prostituta”, disse Léa
Seydoux). De fato, para quem como eu foi pego de surpresa em relação às cenas
de sexo, tais momentos do filme causam bastante surpresa, ainda mais quando
percebemos que essas cenas demoram a acabar. E por isso, imagino que gravar
tais cenas deve ter sido bastante desconfortável às atrizes. Acho
inquestionável que foram exatamente essas cenas que fecharam com chave de ouro
a impressão que temos de como Adéle se jogou de cabeça em sua relação com Emma,
e se eu for olhar apenas para o valor artístico, eu não tiraria tais cenas. Mas
consigo compreender também o possível desconforto de Léa Seydoux.
Fora isso, percebi o filme como
uma verdadeira lição de filosofia existencialista e de filosofia prática. Minha
primeira impressão eu justifico devido à descoberta de si mesmo que ocorreu com
Adèle, ou melhor, de sua definição. A minha segunda impressão é devido ao final
do filme, que me lembrou uma frase que levo comigo até hoje: a vida não é feita
de finais felizes.



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