Será possível sentir saudades de
um tempo não vivido? Não sei se é possível, mas é apenas assim que eu consigo
expressar o que sinto quando assisto um bom filme em preto e branco. Desde
jovem, eu era apaixonado por imagens em preto e branco. O cinza é uma cor que
desde muito cedo me agrada. Mas partindo para o que interessa, fiz todo esse
comentário para iniciar meus elogios (que não são poucos) ao filme O que terá acontecido com Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?).
Dirigido por Robert Aldrich, o filme foi levado a público pela primeira vez em
1962, e trouxe de volta às telas estrelas de cinema já há muito tempo
reconhecidas no meio: as atrizes Bette Davis e Joan Clawford.
O filme conta a história de Jane
Hudson, outrora conhecida como Baby Jane, uma menina que ganhou destaque nos
palcos. No entanto, após a velhice ter chegado, ela vive enclausurada, sem fama
e nenhuma glória, em uma mansão junto com sua irmã Blanche Hudson. Blanche foi,
quando criança, uma menina muito desprezada pelos pais, mas que conquistou
muita fama na juventude, ao contrário de sua irmã Jane, que não conseguiu
manter o sucesso que atingiu quando criança. Após um acidente de carro (fato
esse muito relevante para toda a história), Blanche perde os movimentos das
pernas, e se vê aos cuidados de sua irmã Jane. Agora, Jane é apenas um reflexo
distorcido da grande estrela que foi quando criança, e isso é um fato que trás
grandes consequências à sanidade de Jane.
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| O diretor, Robert Aldrich |
O destaque é, logicamente, de
Bette Davis como Baby Jane. É incrível como a personagem se desenvolveu tanto
em um filme que não chega a 2 horas de duração. Jane é, para todos os efeitos,
uma criança que não cresceu, e quando digo criança, esqueça as concepções
angelicais que a nossa sociedade dita sobre o que é ser criança. Jane é
impulsiva, cruel, capaz de sentir ódio, culpa e amor em um curto espaço de
tempo. Célebre ficou para mim a cena em que ela coloca uma ratazana no jantar
de Blanche, demonstrando bem o espírito infantil que Jane possui. Mas no
decorrer da história, paramos de achar graça desse jeito de Jane, e passamos a
temê-la. Jane fica sinistra, e o momento que abre definitivamente o lado mais
sombrio de Jane é quando ela canta I've
written a letter to daddy com o acompanhamento musical de Edwin Flagg
(Victor Buono). Essa música foi o sucesso de Baby Jane quando criança, mas
ganha ares sinistros e assustadores quando interpretado por Jane depois de
velha.
Joan Crawford não fica para trás
em sua atuação ao interpretar Blanche Hudson. Na verdade, Joan só não se
destaque porque Blanche é uma personagem que deve representar a sanidade dentro
do filme, e por isso, não é quem mais fica sob os holofotes. No entanto, não
posso deixar de dizer que Joan foi muito além do que seu personagem exigia de
si. A cena em que ela fica desesperada, andando em círculos dentro de seu
quarto com sua cadeira de rodas, foi um momento tão sublime que fica impossível
não se identificar com o desespero de Blanche, que se vê cada vez mais
prisioneira dos maus tratos psicológicos e, consequentemente, físicos que sua
irmã é capaz de fazer. Mas para além disso, Joan consegue deixar no ar a
dúvida: será capaz alguém ser tão bonzinho assim com alguém que só lhe causa
sofrimento? Essa dúvida me deixou intrigado durante o filme inteiro, e só o
desfecho (que foi o desfecho mais surpreendente que já vi em minha vida) é que
foi capaz de sanar minha dúvida. E não, não era a bondade pura e simples que
oferecia a base ao tratamento que Blanche dava à sua irmã.
E ao contrário da maioria das
resenhas que li, nas quais o destaque de ator coadjuvante foi dado à Victor
Buono, eu prefiro elogiar a atuação de Maidie Norman como a empregada Elvira.
Seu personagem foi fundamental no início da história (já em 1963), pois é a ela
que Blanche confere suas palavras de pena e solidariedade a Jane. E além disso,
é Elvira que faz o papel do público ao também não entender como Blanche pode
suportar conviver com a irmã Jane.
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| Blanche (Joan Clawford) e Elvira (Maidie Norman) |
O que terá acontecido com Baby
Jane? é um filme que vale a pena assistir, pois demonstra uma fase muito promissora
dos filmes americanos. Mesmo não seguindo a forma como os filmes de terror são
feitos atualmente, o filme dirigido por Robert Aldrich consegue nos assustar
muito. Não é um terror que nos pega de surpresa, mas um suspense que nos
instiga a continuar assistindo o filme, mesmo que nossos corações batam mais rápidos,
tanto por pena de Blanche quanto por medo de Jane. Uma história ótima para quem
é fã de um terror psicológico.
Por fim, deixo a dica a quem se
interessar pelo filme a assisti-lo até o final, pois é um desfecho muito
revelador e que marca bem a que ponto a loucura de Jane (agora como Baby Jane
definitivamente) chegou. Um belo retrato de quem se recusa a crescer.
Obs: Adorei pesquisar sobre esse filme, pois além de
conhecer as atrizes Bette Davis e Joan Clawford, tive conhecimento do desgosto
que uma tinha sobre a outra. Sentimento esse que, na minha opinião, ajudou
muito no realismo com que a relação das irmãs Jane e Blanche foi retratado na
tela.





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