segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O que terá acontecido com Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?) - I've written a letter to daddy...

Será possível sentir saudades de um tempo não vivido? Não sei se é possível, mas é apenas assim que eu consigo expressar o que sinto quando assisto um bom filme em preto e branco. Desde jovem, eu era apaixonado por imagens em preto e branco. O cinza é uma cor que desde muito cedo me agrada. Mas partindo para o que interessa, fiz todo esse comentário para iniciar meus elogios (que não são poucos) ao filme O que terá acontecido com Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?). Dirigido por Robert Aldrich, o filme foi levado a público pela primeira vez em 1962, e trouxe de volta às telas estrelas de cinema já há muito tempo reconhecidas no meio: as atrizes Bette Davis e Joan Clawford.


O filme conta a história de Jane Hudson, outrora conhecida como Baby Jane, uma menina que ganhou destaque nos palcos. No entanto, após a velhice ter chegado, ela vive enclausurada, sem fama e nenhuma glória, em uma mansão junto com sua irmã Blanche Hudson. Blanche foi, quando criança, uma menina muito desprezada pelos pais, mas que conquistou muita fama na juventude, ao contrário de sua irmã Jane, que não conseguiu manter o sucesso que atingiu quando criança. Após um acidente de carro (fato esse muito relevante para toda a história), Blanche perde os movimentos das pernas, e se vê aos cuidados de sua irmã Jane. Agora, Jane é apenas um reflexo distorcido da grande estrela que foi quando criança, e isso é um fato que trás grandes consequências à sanidade de Jane.

O diretor, Robert Aldrich
O destaque é, logicamente, de Bette Davis como Baby Jane. É incrível como a personagem se desenvolveu tanto em um filme que não chega a 2 horas de duração. Jane é, para todos os efeitos, uma criança que não cresceu, e quando digo criança, esqueça as concepções angelicais que a nossa sociedade dita sobre o que é ser criança. Jane é impulsiva, cruel, capaz de sentir ódio, culpa e amor em um curto espaço de tempo. Célebre ficou para mim a cena em que ela coloca uma ratazana no jantar de Blanche, demonstrando bem o espírito infantil que Jane possui. Mas no decorrer da história, paramos de achar graça desse jeito de Jane, e passamos a temê-la. Jane fica sinistra, e o momento que abre definitivamente o lado mais sombrio de Jane é quando ela canta I've written a letter to daddy com o acompanhamento musical de Edwin Flagg (Victor Buono). Essa música foi o sucesso de Baby Jane quando criança, mas ganha ares sinistros e assustadores quando interpretado por Jane depois de velha.
Joan Crawford não fica para trás em sua atuação ao interpretar Blanche Hudson. Na verdade, Joan só não se destaque porque Blanche é uma personagem que deve representar a sanidade dentro do filme, e por isso, não é quem mais fica sob os holofotes. No entanto, não posso deixar de dizer que Joan foi muito além do que seu personagem exigia de si. A cena em que ela fica desesperada, andando em círculos dentro de seu quarto com sua cadeira de rodas, foi um momento tão sublime que fica impossível não se identificar com o desespero de Blanche, que se vê cada vez mais prisioneira dos maus tratos psicológicos e, consequentemente, físicos que sua irmã é capaz de fazer. Mas para além disso, Joan consegue deixar no ar a dúvida: será capaz alguém ser tão bonzinho assim com alguém que só lhe causa sofrimento? Essa dúvida me deixou intrigado durante o filme inteiro, e só o desfecho (que foi o desfecho mais surpreendente que já vi em minha vida) é que foi capaz de sanar minha dúvida. E não, não era a bondade pura e simples que oferecia a base ao tratamento que Blanche dava à sua irmã.


E ao contrário da maioria das resenhas que li, nas quais o destaque de ator coadjuvante foi dado à Victor Buono, eu prefiro elogiar a atuação de Maidie Norman como a empregada Elvira. Seu personagem foi fundamental no início da história (já em 1963), pois é a ela que Blanche confere suas palavras de pena e solidariedade a Jane. E além disso, é Elvira que faz o papel do público ao também não entender como Blanche pode suportar conviver com a irmã Jane.

Blanche (Joan Clawford) e Elvira (Maidie Norman)
O que terá acontecido com Baby Jane? é um filme que vale a pena assistir, pois demonstra uma fase muito promissora dos filmes americanos. Mesmo não seguindo a forma como os filmes de terror são feitos atualmente, o filme dirigido por Robert Aldrich consegue nos assustar muito. Não é um terror que nos pega de surpresa, mas um suspense que nos instiga a continuar assistindo o filme, mesmo que nossos corações batam mais rápidos, tanto por pena de Blanche quanto por medo de Jane. Uma história ótima para quem é fã de um terror psicológico.
Por fim, deixo a dica a quem se interessar pelo filme a assisti-lo até o final, pois é um desfecho muito revelador e que marca bem a que ponto a loucura de Jane (agora como Baby Jane definitivamente) chegou. Um belo retrato de quem se recusa a crescer.




Obs: Adorei pesquisar sobre esse filme, pois além de conhecer as atrizes Bette Davis e Joan Clawford, tive conhecimento do desgosto que uma tinha sobre a outra. Sentimento esse que, na minha opinião, ajudou muito no realismo com que a relação das irmãs Jane e Blanche foi retratado na tela.

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