quinta-feira, 16 de abril de 2015

Verônica

O caso de Verônica me espantou muito, e me trouxe várias dúvidas, pois não imaginava que um caso de violência tão hediondo poderia ter tantos defensores. Como podem julgar esse caso como algo justificável devido aos erros (reais ou ficcionais) que Verônica teria cometido? Será que não notam que o que está em jogo não é a defesa dos erros dela, mas sim a defesa de sua dignidade? Será que não notaram que tanto a idosa quanto o policial, apesar de terem sofrido, não tiveram em momento nenhum sua dignidade humana posta em xeque? E será que não notam que não dá para comparar a violência realizadas por indivíduos com a violência que o Estado (por meio da polícia) fez e faz constantemente? Verônica pode ter errado. Mas nada, absolutamente nada justifica a violência sofrida por ela.
A mídia e a polícia me espantaram profundamente nesse caso sim, embora eu pense que foi mais uma decepção do que uma surpresa. O que realmente me horrorizou foi a resposta das pessoas em relação a esse caso, que se expôs de forma cruel e sanguinária nas redes sociais. Foi extremamente visível a divisão que fizeram entre “pessoas de bem”, que merecem ser defendidas, e as pessoas-não-humanas, que por não serem humanas, perdem qualquer garantia de serem defendidas e terem seus direitos garantidos. Verônica foi, nesse triste episódio, uma não humana, que já causava aversão pelo simples fato de ter escolhido quem realmente era (uma mulher). Mas até então não havia motivos “concretos” para ser ridicularizada e exposta de forma a mostrar aquilo que a maioria via nela: uma aberração. Pois bem, Verônica errou, e seu erro custou caro, pois “aberrações” que ousam errar não recebem o mesmo destino que “pessoas de bem”, ou seja, um julgamento dentro daquilo que a Constituição e a Declaração dos Direitos Humanos garantem e permitem. Ora, Verônica já foi, a priori, considerada uma não-humana, uma aberração. Logo, não havia a garantia de um tratamento humano a ela. Somado a isso, tivemos uma polícia sanguinária unida a uma população autoritária, que selaram o triste fim de Verônica. Sei que sua violência física foi horrivelmente sofrida, e se ela sair viva dessa, levará traumas físicos para o resto da vida. Mas seu pior trauma será saber que ela não pagou apenas pelo crime que cometeu, mas também (e principalmente) pelo crime de ousar ser aquilo que ela realmente é.
Me senti muito mal com esse caso, pois tal qual disse um rapaz num vídeo que assisti sobre esse caso, isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós LGBTT. Somos aberrações, e como aberrações, não temos o direito de ser tratados como seres humanos, pois de acordo com o clichê universal, direitos humanos são apenas para humanos direitos. Mas, nesse caso, ouso me posicionar como ser humano e dizer a todos que defenderam a ação da polícia: vocês são as evidências mais fortes de que a nossa sociedade está profundamente doente.


Obs: Não poderia deixar de citar Eliane Brum, que parafraseou de forma excelente as ideias de Hannah Arendt em seu artigo “A boçalidade do mal”. Aos que finalmente se envergonharem de ser “pessoas de bem”, esse é um texto excelente, embora seja extremamente perturbador. 

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