terça-feira, 10 de dezembro de 2013

“O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder – o resultado da mistura entre literatura e filosofia

O livro “O Mundo de Sofia” era um livro que rondava meus anseios de leitura há um bom tempo. A primeira menção que me lembro de ter escutado sobre esse livro foi no meu Ensino Médio, quando minha professora de Filosofia (que por sinal, não era filósofa, apenas uma professora de História) indicou para minha sala a sua leitura, como uma leitura complementar. Porém, na época, minhas vontades em entrar no mundo da Filosofia ainda inexistiam. Tudo mudou, entretanto, quando uma amiga minha prometeu, há um ano atrás, emprestar o livro a mim. Tal promessa nunca foi cumprida, o que me fez tomar a decisão de pegá-lo emprestado na biblioteca da minha faculdade (UFGD). E não me arrependo.
O livro foi publicado em 1991 pelo norueguês Jostein Gaarder, e desde então, já foi traduzido para mais de 50 idiomas. Misturando literatura e filosofia, o livro em questão nos dá um apanhado geral sobre a história da filosofia e seus principais representantes de forma clara e objetiva, utilizando para isso exemplos fáceis de ser assimilados pelo leitor. Tudo isso dentro de um cenário de ficção e mistério muito instigante. A história se inicia com a jovem Sofia Amundsen, próxima de completar seus 15 anos, e que de forma misteriosa, passa a receber cartas de um professor de Filosofia chamado Alberto Knox. Assumindo a missão de ensinar à jovem Sofia os caminhos percorridos pela Filosofia, Alberto nos mostra desde a pré-história da Filosofia , onde o misticismo imperava, até o existencialismo de Sartre e as correntes filosóficas mais atuais.  Devido ao grande aprendizado filosófico que o livro traz, resolvi mostrar os assuntos desenvolvidos em cada capítulo, como os filósofos e sistemas filosóficos apresentados, bem como as perguntas fundamentais que cada era filosófica trouxe consigo. No entanto, o romance que se desenvolveu e deu um plano de fundo às aulas de Filosofia serão resguardados nas minhas considerações.
No capítulo primeiro, O Jardim do Éden: afinal de contas, algum dia alguma coisa tinha de ter surgido do nada..., temos o início da história, quando Sofia recebe dois cartões postais (além de um que era direcionado a uma jovem chamada Hilde Knag), onde duas perguntas eram feitas: “De onde vem o mundo” e “Quem é você”. Tais perguntas deixam Sofia perplexa. Na escola, ela aprendera que o mundo foi criado em sete dias por Deus, mas agora... tudo ficou confuso. Refletir sobre a vida e a origem do mundo mostrou ser algo complicado a Sofia.
Em A Cartola: a única coisa que precisamos para nos tornarmos bons filósofos é a capacidade de nos admirarmos com as coisas..., onde Alberto (por meio de cartas) demonstra a Sofia que, de todos os hobbies, as questões que dizem respeito a quem somos e de onde viemos deveriam interessar a todos. Outros dois ponto de destaque no capítulo é a comparação do mundo com um coelho na cartola e a comparação do Filósofo com um bebê. No primeiro caso, o mundo seria um coelho, e nós os moradores que vivem na pelagem desse coelho. O Filósofo seria sempre o ser que estaria nas partes mais externas da pelagem, enquanto as pessoas comuns se reconfortariam no interior dessa pelagem. Já a comparação do Filósofo a um bebê diz respeito à eterna capacidade de se admirar com o mundo. Para um bebê, tudo é novo e estranho, ao contrário do adulto, para quem o mundo é o que é: um dado sem mistério algum.
No capítulo Os mitos: um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal..., temos um vislumbre da importância dos mitos na história da Filosofia. De maneira geral, os mitos foram uma forma do homem conseguir explicar o mundo a sua volta. A natureza parecia ser incontrolável, e vários acontecimentos colocavam em cheque a vida humana. Enchentes, epidemias, doenças, secas e outros eventos naturais eram explicados a partir daquilo que se imaginava ocorrer no mundo dos deuses. A partir de 700 a.C., tivemos com Homero e Hesíodo um registro de grande parte da mitologia grega, o que nos permitiu conhecê-los e criticá-los.
“Dizemos que naquela época ocorreu a evolução de uma forma de pensar atrelada ao mito para um pensamento construído sobre a experiência e a razão. O objetivo dos primeiros filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os processos da natureza” (GAARDER, 1995, p. 40).
Filósofos da natureza: nada pode surgir do nada... nos traz os primeiros homens considerados filósofos. De origem grega, eles são chamados de Filósofos da Natureza por que se debruçaram a entender os processos naturais. Como era entendimento geral de que nada veio do nada, alguma coisa deveria ser a matéria ou a essência básica de todas as coisas. Assim, para Tales de Mileto (624 - 546 a.C.), a água era o princípio fundamental. Para Anaximandro, tudo veio do infinito, e tudo se dissolve nele. Para Anaxímenes (585 - 525 a.C.), o ar seria a substância básica de todas as coisas. Parmênides (530-515 a.C.) não confiava em seus sentidos. Heráclito (aprox. 535 - 475 a.C.) acreditava nas constantes transformações da natureza, um espaço impregnado de eternos opostos (bem e mal, saúde e doença). Empédocles (495/490 - 435/430 a.C.), por sua vez, acreditava que no mundo havia quatro elementos primordiais: terra, água, fogo e ar. O amor e a disputa seriam responsáveis, respectivamente, pela união e separação de todas as coisas.
Em Demócrito: o brinquedo mais genial do mundo..., temos a introdução de um pensamento extremamente materialista. Demócrito (460 -370 a.C.) acreditava que tudo que existe no mundo era composto por partículas indivisíveis e maciças. Tais partículas existiriam no mundo em diversas formas, e participariam dos processos de transformação de todas as coisas existentes. Sensação e percepção também fariam parte dos processos existentes a partir dos átomos. Vale ressaltar o descrédito que Demócrito dava a qualquer teoria da existência de uma alma imortal. Ele não acreditava que forças ou inteligências sobrenaturais poderiam intervir em processos naturais. Tudo o que existia era átomos e vácuo.
O capítulo Destino: o adivinho tenta adivinhar algo que na verdade não dá para adivinhar... retoma a questão mitológica dos antigos gregos, mas sob um viés fatalista. Para os gregos, tudo era predeterminado pelos deuses, restando aos seres humanos se adequarem a essa norma, ou tentar agradar os deuses por meio de sacrifícios. Apesar de ser um capítulo com a intenção de fazer considerações muito mais históricas do que filosóficas, ele foi importante para o próximo capítulo, denominado Sócrates: mais inteligente é aquele que sabe que não sabe... Nesse capítulo somos apresentados a Sócrates (469 - 399 a.C.), um pensador muito importante para a construção de nosso pensamento atual e que se diferenciou bastante do tipo de filosofia em voga na sua época: a filosofia dos sofistas. Os sofistas discutiam muito sobre a sociedade (o que era natural ou era social), e priorizavam bastante o discurso. Sócrates diferenciava-se dos sofistas na medida em que acreditava não saber de nada. Ele levava as pessoas a refletirem e encontrar respostas por si mesmas, até que elas mesmas chegassem à conclusão de que não sabiam de nada. Em 399 a.C. foi acusado de corromper a juventude e de não reconhecer a existência dos deuses. Foi julgado, considerado culpado e condenado à morte.
No capítulo Atenas: das ruínas cresceram construções monumentais..., Alberto teve a ideia de apresentar um vídeo onde a antiga cidade de Atenas e seus mais famosos moradores (Sócrates e Platão). O Platão (427 - 347 a.C.) do vídeo resolve dar enigmas cujas respostas (ou dúvidas) encontradas são essenciais para o próximo capítulo. Assim, Platão questiona Sofia (por meio do vídeo) as seguintes questões:
Primeiro, gostaria que você refletisse sobre como um padeiro consegue assar cinquenta bolos exatamente iguais. Depois, você pode se perguntar por que todos os cavalos são iguais. Em seguida, pense se acredita que o homem possui uma alma imortal. Por último, tente responder à pergunta se homens e mulheres são igualmente racionais (GAARDER, 1995, p. 40).
Platão volta a ser citado em Platão: o anseio de voltar à verdadeira morada da alma... Aqui, somos apresentados ao seu projeto filosófico, que se caracterizava pelo dualismo corpo e alma. Assim, para além do mundo dos sentidos, Platão acreditava ter um mundo das ideias onde a razão imperava, e todas as imagens existentes em nosso mundo já existiriam, anteriormente, nesse mundo da razão. Por nossa alma ser imortal, ela existiria antes do nosso corpo, sendo sua morada anterior o mundo das ideias. Ao habitar nosso corpo, a alma se esqueceria de todas as ideias perfeitas e passaria a nutrir o desejo de libertar-se desse mundo. Além dessas ideias, Platão também acreditava num modelo de governo perfeito. Ao conceber o corpo humano dividido em três partes primordiais (cabeça – razão, peito – coragem, ventre – desejo), Platão imaginou um Estado ideal governado por filósofos (a cabeça racional), defendido pelos sentinelas (o peito corajoso) e sustentado por trabalhadores (ventre com desejos) tanto por meio da força bruta como também por meio das artes.
No capítulo A Cabana do Major: a garota no espelho piscava os dois olhos ao mesmo tempo, Sofia recebe um envelope com perguntas (“O que veio antes, a galinha ou a ‘ideia’ galinha?”/ “O homem possui ideias inatas?”/ “Qual a diferença entre uma planta, um animal e um homem?”/ “Por que chove?”/ “Do que o homem precisa para viver uma boa vida?”). Tais perguntas servem de plano de fundo para adentrarmos nas ideias de Aristóteles, apresentadas no capítulo Aristóteles: um organizador, um homem extremamente meticuloso que queria pôr ordem nos conceitos dos homens. Considerado como o último grande filósofo grego e o primeiro biólogo (devido ao seu método baseado na apreensão do real por meio dos sentidos), Aristóteles (384 - 322 a.C.) discordava de Platão sobre a existência de um mundo das ideias a parte do nosso. Para ele, o homem possuía uma razão inata, mas as ideias que possuía eram apreendidas no contato com o mundo através dos sentidos. Outro ponto de destaque é a sua ideia de que tudo no mundo pode evoluir, se concretizar, desde que aquilo seja inerente à sua natureza. Assim, um ovo de galinha nunca se “transformará” num ganso. Buscava, dessa forma, não apenas a razão das coisas, mas a sua intenção e sua finalidade. Aristóteles dividiu tudo que existe no mundo em coisas inanimadas, por dependerem de agentes externos para se concretizarem, e em criaturas vivas (animadas), pois possuíam em si todas as sãs potencialidades de transformação. No que diz respeito ao lugar e à natureza do homem, Aristóteles acreditava que éramos melhores do que as plantas e os animais (estávamos acima), pois possuímos capacidade de locomoção, sentimentos e razão. Seriamos também seres políticos, pois sem a sociedade, não seríamos pessoas no real sentido da palavra. Um ponto muito criticado atualmente é a visão que Aristóteles tinha a mulher: considerada um homem incompleto, a mulher serviria apenas como “o solo fértil” para que o homem depositasse sua semente (sêmen).
No capítulo Helenismo: uma centelha de fogo..., somos apresentados a quatro correntes filosóficas: Cínicos, Estóicos, Epicureus e Neoplatônicos. O período em que surgiram essas correntes é chamado de Helenismo devido à grande influência grega nas regiões colonizadas pelo Império Romano. Devido ao fato da própria Roma ter sido demasiadamente influenciada pela cultura (e filosofia) grega, quando a Grécia perdeu seu poder, ainda teve um papel importante na formação do pensamento de outros povos. A filosofia cínica foi fundada por Antístene (445 - 365 a.C.) e teve como principal representante Diógenes (412 - 323 a.C). Como ideia principal, os cínicos defendiam que a felicidade consistia em se libertar de tudo o que o homem mais busca (poder, luxúria, boa saúde), não precisando se preocupar com sofrimento algum. Os filosofia estóica foi fundada por Zenão de Eleia (490 - 430 a.C.), era amante da vida política em sociedade e defendia a ideia de que todas as pessoas são frutos da mesma razão e, portanto, com a garantia dos mesmos direitos universalmente válidos. A filosofia epicurista foi fundada por Aristipo de Cirene (435 - 356 a.C.) e desenvolvida por Epicuro (341 - 270 a.C.). Desinteressados pela vida política e levando consigo o lema “Viva o momento”, os epicuristas defendiam uma vida com o máximo de satisfação e o mínimo de sofrimento. Epicuro, por exemplo, acreditava que apenas os prazeres obtidos a longo prazo propiciavam a verdadeira satisfação ao homem.  Por fim, o helenismo trouxe em si o Neoplatonismo de Plotino (205 - 270), a corrente que mais influenciou a teologia cristã.  Defendendo a divisão do mundo entre luz e trevas, os neoplatonistas acreditavam que a luz iluminava a alma humana, enquanto seu corpo era provindo das trevas.
No capítulo Os cartões postais: estou me impondo uma rigorosa censura..., não temos aprendizados importantes referentes à história da Filosofia, priorizando assim o mistério que tem cercado a vida de Sofia. No capítulo Dois círculos culturais: só assim você não vai ficar flutuando no espaço vazio..., temos a apresentação da cultura semita e sua importância no desenvolvimento do pensamento ocidental. Diferindo dos indo-europeus, de religião politeísta, os semitas eram monoteístas e acreditavam numa passagem linear da história. Foi uma cultura que difundiu as três grandes religiões da atualidade: judaísmo, cristianismo e islamismo. O apóstolo Paulo foi o grande difusor do pensamento cristão, um pensamento que diferia de tudo o que os povos influenciados pelo pensamento grego conheciam e entendiam.
O capítulo A Idade Média: percorrer um pedaço do caminho não é o mesmo que percorrer o caminho errado... nos mostra a primeira aparição de Alberto à Sofia. Nesse capítulo são mostradas as contribuições dos filósofos Santo Agostinho (354 – 430) e Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274)na consolidação do pensamento cristão. Santo Agostinho se utilizou muito das ideias de Platão para postular que o mal era a ausência de Deus. Santo Tomás de Aquino, por sua vez, se utilizou de Aritóteles para defender que o caminho para se chegar a Deus haviam dois caminhos: o primeiro, onde deveríamos nos guiar pela fé e pelas revelações divinas, e o segundo pela razão e pelos sentidos. Para Santo Tomás de Aquino, razão e fé não eram, portanto, irreconciliáveis.
Em O Renascimento: ó linhagem divina vestida com trajes mortais... nos é mostrado o período em que a arte e a cultura da Antiguidade foram buscados. Muitas mudanças ocorreram, como por exemplo o deslocamento de Deus como o centro do Universo (teocentrismo) e a centralização do homem nesse local anteriormente ocupado (antropocentrismo). Outro pensamento novo que surgiu nesse período foi o método empírico, próprio das Ciências. Com isso, temos grandes nomes, como Galileu Galilei (1564 – 1642) e Nicolau Copérnico (1473 – 1543).
No capítulo Barroco: da mesma matéria que compõe os sonhos..., somos apresentados aos pensamentos do século XVII. Alberto destaca o período Barroco como um período de destaques dos opostos e contrates, tanto no âmbito artístico, quanto no político e social. Assim, tivemos a ostentação de formas opulentas na arquitetura e nas artes plásticas. Nomes como William Shakespeare, Calderón de la Barca e Ludvig Holdberg se destacaram nesse período.
Em Descartes: ele queria limpar o terreno dos velhos materiais..., o pensamento de René Descartes (1596 – 1650) é investigado. Descartes tomou como objetivo de sua filosofia desconstruir os conhecimentos outrora produzidos para então partir de um lugar filosoficamente seguro. Acreditando na razão como forma de se chegar à verdade (ignorando os sentidos), Descartes buscou entender também a relação do corpo com a alma, postulando o homem como um ser dual por ser, ao mesmo tempo, um ser pensante e um ser que ocupa um espaço. Aliás, Descartes chegou à conclusão que, de todos os conhecimentos possíveis, o seu pensamento era a única coisa da qual ele podia ter certeza. Acreditava também na existência de Deus, afirmando que é imprescindível a um ser perfeito ter o atributo da existência como uma de suas características.
O pensamento de Baruch Spinoza (1632 – 1677) é mostrado no capítulo Spinoza: Deus não é um manipulador de fantoches... Influenciado por Descartes e crítico da religião cristã e da Bíblia, Spinoza acreditava num Deus presente em todas as coisas da natureza. Num tempo em que a Igreja acreditava que havia um “abismo intransponível” entre Deus e o homem, Spinoza mostrou uma evolução grande de pensamento ao mostrar que Deus estava em todos os lugares. Também era racionalista e pretendeu mostrar que a vida do homem é governada pelas leis da natureza. Achava que o homem tinha que se libertar de seus sentimentos e sensações para só então encontrar a paz e ser feliz. Ele era monista (acreditava somente numa natureza material, física). Spinoza considerava Deus, ou as leis da natureza, a causa interna de tudo o que acontecia. Ele tinha uma visão determinista. Ele defendeu de forma enérgica a liberdade de expressão e a tolerância religiosa.
John Locke (1632 - 1704), por sua vez, nos é apresentado no capítulo Locke: tão vazia quanto uma lousa antes do professor entrar em classe... Para entender a particularidade de Locke, é preciso entender que na sua época imperava na Europa um pensamento racionalista encabeçado por Descartes, Spinoza e Leibniz. Iniciando a tradição do empirismo, Locke acreditava que todo o conhecimento provinha dos sentidos, ou seja, que todos os nossos pensamentos e nossas noções nada mais eram do que um reflexo daquilo que um dia já sentimos ou percebemos através de nossos sentidos. Dessa forma, Locke se assemelhou muito à Aristóteles. Nosso pensamento não seria nada mais do que uma “tábula rasa” onde os conhecimentos sensoriais são dispostos. Locke também estabeleceu a diferença entre aquilo que se chama de qualidades sensoriais primárias e secundárias. Enquanto as qualidades sensoriais primárias se referiam à extensão, ao peso, à forma, ao movimento e aos número das coisas, as qualidades sensoriais secundárias reproduziriam apenas o efeito das coisas sobre os nossos sentidos (cheiro, gosto, etc.).
Seguindo a tradição empírica, temos o filósofo David Hume (1711 - 1776) no capítulo Hume: atira-o ao fogo então... Hume iniciou algo que pode ser considerado como o uso do método científico à análise de ideias. Isso por que ele acreditava que uma ideia, por mais complexa que fosse, poderia ser decomposta em partes menores. Hume queria retornar à forma original pela qual o homem experimentava o mundo. Constatou que o homem possuía impressões de um lado, e idéias, de outro e atentou para o fato de que tanto uma quanto outra poderiam ser ou simples ou complexas. Ele se preocupou com o fato de às vezes formarmos idéias e noções complexas, para as quais não há correspondentes complexos na realidade material. Era dessa forma que surgiam as concepções falsas sobre as coisas.
Como exemplo de um empirismo atrelado às ideias cristãs, temos o bispo irlandês George Berkeley (1685-1753). No capítulo Berkeley: como um planeta atordoado ao redor de um sol fumegante..., Berkeley é apresentado como um filósofo para quem tudo que existia era só o que percebíamos e que aquilo que percebíamos não era matéria ou substância. Acreditava também que todas as idéias tinham uma causa fora da consciência, mas que esta causa não era de natureza material e sim de natureza espiritual. Segundo Berkeley, portanto, a alma podia ser a causa das próprias idéias, mas só outra vontade, só outro espírito podia ser a causa das idéias que formavam o mundo material. Esse espírito onipotente seria Deus.
O capítulo Bjerkely: um antigo espelho mágico, que sua bisavó comprara de uma cigana... mostra pela primeira vez Hilde Knag, a moça misteriosa das cartas que Sofia recebia. Em O Iluminismo: da produção de agulhas à fundição de canhões..., é mostrado o pensamento denominado Iluminista como típico do século XVIII. Poder da razão e do progresso, liberdade de pensamento e emancipação política eram temáticas próprias desse período. Os filósofos desta época diziam que só quando a razão e o conhecimento se difundissem era que a humanidade faria grandes progressos. A natureza para eles era quase a mesma coisa que a razão e por isso enfatizavam um retorno de homem a ela. Falavam também que a religião deveria estar em consonância com a razão natural do homem, o que fez com que se desenvolvessem teorias teológicas interessantes, como o Deísmo.
Kant: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim... é o capítulo que nos traz a história e os pensamentos de Immanuel Kant (1724 - 1804). Para ele, racionalistas e empiristas estavam, em determinados pontos, corretos. Concordava por exemplo, com Hume, quando este diz que os conhecimentos devem-se ás impressões que temos do mundo. No entanto, era a favor dos racionalistas na medida em que acreditava que a razão tinha alguns pressupostos que guiavam a forma como percebemos o mundo. Acreditava, por exemplo, que devido ao fato da razão humano entender tudo dentro do viés causa-e-efeito, esse seria um princípio imutável. Ele atentou para o fato de haver limites bem claros para o que o homem podia saber e achava que o ser humano jamais poderia chegar a um conhecimento seguro a respeito da existência de Deus, de que o universo era ou não infinito, etc. Dessa forma, a razão impunha ao homem, de acordo com Kant, limites bem claros do que ele (o homem) poderia ou não conhecer.
O capítulo posterior intitula-se Romantismo: o caminho do mistério aponta para dentro... Nesse capítulo, somos apresentados a um pensamento que foi majoritário na Europa do século XVIII, pensamento esse denominado Romantismo. A premissa desse pensamento era simples: os sentimentos são capazes de expressar mais coisas do que a nossa razão. Por isso que nessa época houve uma supervalorização dos artistas. Costumava-se dizer que o artista possuía uma espécie de imaginação criadora do mundo e em seu êxtase artístico seria capaz de experimentar um estado em que as fronteiras entre sonho e realidade desapareceriam. Considerado como uma reação ao pensamento friamente racional e mecanicista do Iluminismo, o Romantismo priorizava os sentimentos, os desejos, a natureza e o misticismo. A glorificação do “eu” nessa época foi intensa.
Em Hegel: só o que é racional é viável..., conhecemos o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 - 1831), um pensador que desenvolveu e modificou várias ideias surgidas no período romântico. Dono de um pensamento visivelmente historicista, Hegel defendia uma verdade subjetiva, diferente da ideia dos filósofos anteriores que acreditavam na verdade como algo além da razão humana. Ou seja, para Hegel, as bases do conhecimento mudavam de geração para geração e, por conseqüência, não existiam verdades eternas. Sem considerar o processo histórico, não é possível discutir sobre verdade. Aliás, discutir sobre a verdade é discutir pensamentos que mudariam constantemente em função da história. Defendia também a ideia de um “espírito do mundo”. Ele falava que não era o indivíduo que encontrava a si mesmo, mas o espírito do mundo e tentou mostrar que este retorna a si em três estágios: em primeiro lugar, o espírito do mundo se conscientiza de si mesmo no indivíduo (chama-se de razão subjetiva); depois, atinge um nível mais elevado de consciência na família, na sociedade e no Estado, (chama-se de razão objetiva); e enfim atinge a forma mais elevada de autoconhecimento na razão absoluta. E esta razão absoluta eram a arte, a religião e a filosofia, sendo esta última a mais elevada da razão. Só na filosofia era que o espírito do mundo se encontraria. Desse ponto de vista, a filosofia podia ser considerada o espelho do espírito do mundo.
O filósofo Søren Aabye Kierkegaard (1813 - 1855) nos é apresentado no capítulo Kierkegaard: a caminho da bancarrota... Em oposição aos pensamentos de Hegel, Kierkegaard defendia que mais importante do que a busca de uma verdade era a busca por verdades que são importantes para a vida de cada indivíduo. Kierkegaard também defendia três possibilidades diferentes de existência humana, e as denominou de (1) estágio estético, (2) estágio ético e (3) estágio religioso. Aqueles que viveriam no estágio estético desfrutariam o momento e visaria sempre o prazer. Os que estariam no estágio ético seriam marcados pela seriedade e por decisões consistentes, tomadas segundo padrões morais. E, finalmente, quem viveria no estágio religioso preferiria a fé ao prazer estético e aos mandamentos da razão. Para Kierkegaard, o estágio religioso era o cristianismo.
Todo o pensamento de Karl Marx (1818 -1883) é exposto no capítulo Marx: um fantasma ronda a Europa... Historiador, filósofo, sociólogo e economista, todo o pensamento de Marx é marcado pelo materialismo. Acreditava que a filosofia, até então, só havia tentado interpretar o mundo, mas não o modificou. E isso era algo que Marx não tolerava. Para ele, as condições materiais de uma sociedade determinavam, em última instância, também as condições espirituais (ideologia, política, etc.). Haveriam, portanto, três camadas de sustentação da sociedade. A primeira camada estaria embaixo de tudo, e seriam as condições naturais de produção que compreendiam os recursos naturais. A segunda camada seria formada pelas forças de produção de uma sociedade, que não era só a força de trabalho do próprio homem, mas também os tipos de equipamentos, ferramentas e máquinas, os chamados meios de produção. Por fim, a terceira camada trataria das relações de posse e da divisão do trabalho, chamada de relações de produção de uma sociedade. Para ele, o modo de produção determinava se relações políticas e ideológicas podiam existir. Um pensamento fundamental de sua teoria é a ideia de que toda a história se caracterizou como uma luta de classes. Como era de se imaginar, a questão do trabalho foi muito discutida nos escritos de Marx. Para ele, o trabalho executado pelo homem deixava suas marcas não apenas na natureza, mas nele mesmo. Crítico ferrenho do capitalismo, via nele apenas uma vantagem: ele seria o estágio fundamental para a vinda do comunismo: sociedade onde o proletariado tomaria o poder da burguesia e criaria um novo sistema social.
Um pensador que não foi filósofo, mas modificou bastante as ideias ocidentais foi Charles Darwin (1809 - 1882). No capítulo Darwin: um barco carregado de genes navegando pela vida..., descobrimos que Darwin, a partir de sua ciência, questionou e colocou em dúvida a visão bíblica sobre o lugar do homem na criação. Ele achava que precisava se libertar da doutrina cristã sobre o surgimento do homem e dos animais, vigente em sua época. Defendeu durante sua vida, duas teorias principais (e gerais). Sua primeira teoria era a de que todas as espécies vivas de nosso planeta (plantas e animais) descendiam de uma mesma forma primitiva de vida. A outra principal teoria de Darwin era que a evolução no planeta Terra ocorreu por meio da Seleção Natural. Nessa teoria, quem melhor se adaptava ao meio ambiente, sobrevivia e podia garantir a continuidade de sua espécie. "As constantes variações entre indivíduos de uma mesma espécie e as elevadas taxas de nascimento constituem a matéria-prima para a evolução da vida na Terra. A seleção natural na luta pela sobrevivência é o mecanismo, a força propulsora que está por trás desta evolução. A seleção natural é responsável pela sobrevivência dos mais fortes, ou dos que melhor se adaptam ao seu meio".
Outro que não era filósofo, mas mudou completamente nossa visão do ser humano foi Sigmund Freud (1856- 1939). O capítulo Freud: um desejo terrível, egoísta, veio à tona dentro dela... nos mostrou como o ser humano era, antes de ser racional, um ser que era guiado sobretudo por sua irracionalidade, ou seja, por seu inconsciente. Freud descobriu o universo dos impulsos que regiam a vida do ser humano. Dentre as várias novidades de seu pensamento (nem sempre muito bem aceitos), tivemos as ideias sobre a sexualidade infantil, um escândalo para uma época em que as crianças eram consideradas “pequenos anjos”. Após um longo período de experiência com pacientes, Freud concluiu que a consciência seria nada mais do que a “ponta de um iceberg” que se elevava para além da superfície da água. Sob a superfície, ou sob o limiar da consciência, estaria o inconsciente, que para Freud, simbolizaria tudo o que reprimimos desde a infância.
Em Nosso próprio tempo: o homem está condenado à liberdade..., somos apresentados às ideias existencialistas. São citados nesse capítulo os filósofos Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) e Martin Heidegger (1889 - 1976). Mas o foco dado foi ao filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905 - 1980). Representante do existencialismo ateu, Sartre defendia a ideia de que a existência era uma noção fundamental na vida humana. Enquanto coisas e animais simplesmente existem “em si”, os seres humanos teriam consciência dessa existência e se indagavam sobre, sendo, portanto, uma existência “para si”. Para Sartre, o ser humano estaria condenado à liberdade, tendo por obrigação tomar responsabilidades sobre sua existência. Nota-se o quanto esse pensamento tira do homem a noção de ser ele uma espécie que está sob o jugo da história, das contingências de sua vida e de sua própria irracionalidade inconsciente. Por fim, os três últimos capítulos (Festa no jardim: uma grande barca..., Contraponto: duas melodias soando ao mesmo tempo... e A grande explosão: nós também somos poeira estrelar...) trazem o desfecho da história da Sofia, bem como as últimas lições de filosofia como, por exemplo, a questão do Big Bang.
A impressão que temos ao final da leitura é a de que Jostein Gaarder acertou em cheio na receita desse livro. A mistura de uma realidade fantástica com os ensinamentos claros e precisos de filosofia nos dá a impressão de saímos da leitura com várias ideias sobre as pessoas e o mundo. Fora a pergunta fundamental que a história de Sofia nos traz sobre a realidade dela e a de Hilde como, inicialmente, realidades sobrepostas para depois se tornarem realidades paralelas em um mesmo espaço. A sacada do autor desse livro foi, sem dúvida, genial. Uma ótima dica de leitura tanto para os amantes da literatura fantástica quanto para os apreciadores da filosofia.[1]



[1] Referência

GAADER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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