Assistir novelas é um dos
prazeres que desfruto com minha família quando estou em minha cidade natal. Se
não fossem essas circunstâncias, eu raramente assistiria novelas. E não, não é
por questões de gosto. Não assisto por que me falta tempo e uma televisão que
passe de vez em quando o canal da Rede Globo. Mas verdade seja dita: de todas
as artes, o teatro (a televisão e o cinema se incluem aqui) são as
manifestações artísticas que menos me chamam atenção.
No entanto, os poucos episódios
que assisto da novela que consagrou o personagem Félix me causam sérias
reflexões sobre o estado da arte em nosso país, principalmente, quando ouço e
leio os comentários geralmente críticos e ácidos de uma elite intelectual que
vem tomando força nos últimos dias. E para expressar como a arte teatral
televisiva é incompreendida, usarei justamente esse personagem que citei.
Félix é um personagem
homossexual interpretado por Mateus Solano na novela Amor à Vida. Seu
personagem assume o papel de vilão e já fez crueldades inesquecíveis na
referida novela, como por exemplo, jogar a filha recém-nascida da irmã num lixão. Tal personagem representa um total progresso
(no meu ponto de vista) sobre a representação coletiva sobre o homossexual.
Minha compreensão sobre o assunto me diz que criar um vilão gay é um progresso
na luta LGBT por que, em vez de criar um personagem divinizado que possa ser
aceito pelo público, gera uma figura despojada de caracteres divinizados e
demonizados, demonstrando o lado mais humano dessa classe.
Um exemplo contrário que posso
citar é o uso marcante de personagem estereotipados do “bom pobre”[1]
para que essas categorias caíssem na graça das classes A e B. O resultado é
curioso: conquistando um estereótipo do que é ser pobre (trabalhador, honesto,
crente, virtuoso), cega-se o telespectador sobre a realidade. Quando este
telespectador entra em contato com a realidade pobre, não a reconhece, pois nas
suas representações, o pobre será sempre a “Maria do Bairro”, a “Paulina”, ou
qualquer outro personagem com poucas condições, mas que praticamente coloca as
vestes de um santo. Não aceita-se mais aquela realidade pobre, pois ela não
condiz com aquilo que vimos na TV.
No caso dos homossexuais, o
personagem Félix possibilita uma maior aceitação da classe do que os
personagens como a Paulina o fizeram em relação aos pobres. Temos dois lados da
moeda, sabemos que existem gays bons, assim como existem os maus (e os mais ou
menos). Criamos uma representação mais humana e menos divinizada (ou
demonizada) sobre o que é ser gay. É aqui que vejo a contribuição decisiva de Walcyr
Carrasco (autor da novela).
No entanto, as críticas a esse
personagem[2]
são ferrenhas, e ora podem ser resumidas na frase “Félix não está interpretando
um gay autêntico” até as frases do tipo “Félix reforça estereótipos”. São
frases visivelmente antagônicas, mas que sempre aparecem quando o assunto é
Félix. Vale a pergunta: qual é o papel da arte então? O teatro tem qual função
social? A arte deve demonstrar a verdade tão qual ela é (descritiva, portanto)?
Ou pelo contrário, deve demonstrar formas de se relacionar “melhores”?
É uma questão difícil e
incisiva. De qualquer forma, as duas concepções de arte são exigidas da televisão.
No fim, a arte tem sempre uma escolha difícil a fazer: criar uma utopia,
relatar uma realidade ou imaginar uma distopia. De um jeito ou de outro, ela
sempre irá desagradar.
Nas utopias, a arte será
considerada uma ingênua alienada; nas representações realistas, ela será
considerada uma idiota que perpetua um status
quo; e por fim, nas distopias, ela será considerada uma pessimista sem
imaginação e esperança. Afinal, eu pergunto portanto: o que queremos da arte?
Julgo essa pergunta de extrema importância. Mas me alegro em saber que a arte
pode caminhar feliz e contente, seja o seu caminho repleto de louvores ou reprovações
de sua platéia.
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