quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O que queremos da arte?

Assistir novelas é um dos prazeres que desfruto com minha família quando estou em minha cidade natal. Se não fossem essas circunstâncias, eu raramente assistiria novelas. E não, não é por questões de gosto. Não assisto por que me falta tempo e uma televisão que passe de vez em quando o canal da Rede Globo. Mas verdade seja dita: de todas as artes, o teatro (a televisão e o cinema se incluem aqui) são as manifestações artísticas que menos me chamam atenção.
No entanto, os poucos episódios que assisto da novela que consagrou o personagem Félix me causam sérias reflexões sobre o estado da arte em nosso país, principalmente, quando ouço e leio os comentários geralmente críticos e ácidos de uma elite intelectual que vem tomando força nos últimos dias. E para expressar como a arte teatral televisiva é incompreendida, usarei justamente esse personagem que citei.
Félix é um personagem homossexual interpretado por Mateus Solano na novela Amor à Vida. Seu personagem assume o papel de vilão e já fez crueldades inesquecíveis na referida novela, como por exemplo, jogar a filha recém-nascida da irmã num lixão. Tal personagem representa um total progresso (no meu ponto de vista) sobre a representação coletiva sobre o homossexual. Minha compreensão sobre o assunto me diz que criar um vilão gay é um progresso na luta LGBT por que, em vez de criar um personagem divinizado que possa ser aceito pelo público, gera uma figura despojada de caracteres divinizados e demonizados, demonstrando o lado mais humano dessa classe.
Um exemplo contrário que posso citar é o uso marcante de personagem estereotipados do “bom pobre”[1] para que essas categorias caíssem na graça das classes A e B. O resultado é curioso: conquistando um estereótipo do que é ser pobre (trabalhador, honesto, crente, virtuoso), cega-se o telespectador sobre a realidade. Quando este telespectador entra em contato com a realidade pobre, não a reconhece, pois nas suas representações, o pobre será sempre a “Maria do Bairro”, a “Paulina”, ou qualquer outro personagem com poucas condições, mas que praticamente coloca as vestes de um santo. Não aceita-se mais aquela realidade pobre, pois ela não condiz com aquilo que vimos na TV.
No caso dos homossexuais, o personagem Félix possibilita uma maior aceitação da classe do que os personagens como a Paulina o fizeram em relação aos pobres. Temos dois lados da moeda, sabemos que existem gays bons, assim como existem os maus (e os mais ou menos). Criamos uma representação mais humana e menos divinizada (ou demonizada) sobre o que é ser gay. É aqui que vejo a contribuição decisiva de Walcyr Carrasco (autor da novela).
No entanto, as críticas a esse personagem[2] são ferrenhas, e ora podem ser resumidas na frase “Félix não está interpretando um gay autêntico” até as frases do tipo “Félix reforça estereótipos”. São frases visivelmente antagônicas, mas que sempre aparecem quando o assunto é Félix. Vale a pergunta: qual é o papel da arte então? O teatro tem qual função social? A arte deve demonstrar a verdade tão qual ela é (descritiva, portanto)? Ou pelo contrário, deve demonstrar formas de se relacionar “melhores”?
É uma questão difícil e incisiva. De qualquer forma, as duas concepções de arte são exigidas da televisão. No fim, a arte tem sempre uma escolha difícil a fazer: criar uma utopia, relatar uma realidade ou imaginar uma distopia. De um jeito ou de outro, ela sempre irá desagradar.
Nas utopias, a arte será considerada uma ingênua alienada; nas representações realistas, ela será considerada uma idiota que perpetua um status quo; e por fim, nas distopias, ela será considerada uma pessimista sem imaginação e esperança. Afinal, eu pergunto portanto: o que queremos da arte? Julgo essa pergunta de extrema importância. Mas me alegro em saber que a arte pode caminhar feliz e contente, seja o seu caminho repleto de louvores ou reprovações de sua platéia.



[1] Uma analogia ao “bom selvagem”, ou ao “homem bom”, tão empregado por Rosseau.
[2] Vale dizer que dentro dessa novela, outros personagens também são duramente criticados. Além disso, esse é um exemplo que visa explicitar uma situação mais geral.

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