"Nunca
amei um povo. [...] Só amo meus amigos. É o único tipo de amor de que sou
capaz."
O que torna um homem impedido de
pensar? De fazer julgamentos e escolhas morais? De sentir? Vários filmes já
tentaram demonstrar essa pergunta e dar possíveis respostas. Mas
definitivamente, é o filme de Margarethe von Trotta que demonstra de forma
paradoxalmente arrogante e sutil a resposta para essa pergunta instigante.
Trata-se do filme Hannah Arendt (2012), onde uma parte importante da vida dessa
importante filósofa e pensadora política nos é contada.
O evento escolhido a ser
mostrado as telas de cinema por Margarethe von Trotta é o julgamento de Adolf
Eichmann, importante chefe nazista capturado em Buenos Aires e levado a julgamento
até Jerusalém. Hannah Arendt (Barbara Sukowa), vendo aí uma oportunidade de
compreender toda a barbárie que ela sofreu na pele, acompanha esse julgamento para
o Jornal New Yorker. Hannah esperava ficar frente a frente com um monstro, mas
o que viu foi muito diferente do esperado. O que ela viu foi, na verdade, um
homem que não demonstrava perigo algum, seguia ordens cegamente, agia de maneira
técnica e desconhecia (ou desprezava) qualquer pensamento ético (por isso o
termo “banalidade do mal”, ideia desenvolvida pela filósofa por todo o resto de
sua vida). Ao concluir se artigo, dividido posteriormente em cinco partes pelo
New Yorker, os pensamentos de Hannah não foram bem recebidos pelo público.
Acusada de defender “um monstro” e acusar os judeus, Hannah foi atacada
inclusive por amigos próximos seus.
Há, no filme, imagens que se
identificam com um possível arquétipo ou representação social do que é ser um
filósofo: um pensador, olhando para o nada, sempre refletindo e sempre
solitário. E essa imagem é vista não apenas no começo e no fim do filme, mas em
todo o seu decorrer, com a intenção clara de mostrar uma Hannah reflexiva,
pensativa, filósofa. Tal representação se identifica com algo típico do cinema
americano em criar heróis solitários que lutam contra tudo e contra todos. E a
história de Hannah Arendt cai como uma luva nesse ideal.
Mas, se tal filme traz essa
grande semelhança com outros filmes produzidos nas terras d’O Grande Irmão, ele
também traz uma diferença fundamental, que é sobre quem é realmente a(o) protagonista
da história. Somos levados, inicialmente, a pensar que Hannah é a protagonista,
mas logo notamos que o papel principal fica ao pensamento, essa entidade
abstrata capaz de grandes mudanças. Recorrendo ao que foi dito anteriormente
sobre a representação do herói e pensador solitário, notamos que a ênfase
nessas cenas tem por motivo colocar em destaque é o pensamento, e não Hannah. E
é a luta de pensamentos que encena nesse palco que tem como pano de fundo a
história de Hannah e de um sistema totalitarista caído (o nazismo).
Entendemos com o passar do
filme, que Hannah Arendt não defendia Adolf Eichmann. Ela, ao contrário,
tentava mostrar que o problema era mais complexo, e não se resumia a um único
homem torturador, mas sim, em todo um sistema. E digno de nota merecem também
as reações histéricas de judeus pelo fato de Hannah não considerar Eichmann um
monstro demoníaco. Hannah estava privando as massas do imenso prazer
compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado, ao
tirar do algoz a característica de monstro.
Um último ponto, mas não menos
importante, são os diálogos da jovem Hannah (Freiderike Becht) com o seu antigo
professor Martin Heidegger (Klaus Pohl), em cenas de flashback, são também
memoráveis. Subentende-se que o amor que a jovem Hannah teve por seu professor
no passado não está totalmente inexistente em sua vida madura. Hannah Arendt é
um filme recomendado a quem ama ou se sente atraído pela filosofia e/ou pela
história. Mas é um grito silencioso para quem não está disposto a reconhecer a
humanidade dentro da monstruosidade.
.jpg)


Nenhum comentário:
Postar um comentário