terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Hannah Arendt (2012) – o mal é tão banal...

"Nunca amei um povo. [...] Só amo meus amigos. É o único tipo de amor de que sou capaz."

O que torna um homem impedido de pensar? De fazer julgamentos e escolhas morais? De sentir? Vários filmes já tentaram demonstrar essa pergunta e dar possíveis respostas. Mas definitivamente, é o filme de Margarethe von Trotta que demonstra de forma paradoxalmente arrogante e sutil a resposta para essa pergunta instigante. Trata-se do filme Hannah Arendt (2012), onde uma parte importante da vida dessa importante filósofa e pensadora política nos é contada.


O evento escolhido a ser mostrado as telas de cinema por Margarethe von Trotta é o julgamento de Adolf Eichmann, importante chefe nazista capturado em Buenos Aires e levado a julgamento até Jerusalém. Hannah Arendt (Barbara Sukowa), vendo aí uma oportunidade de compreender toda a barbárie que ela sofreu na pele, acompanha esse julgamento para o Jornal New Yorker. Hannah esperava ficar frente a frente com um monstro, mas o que viu foi muito diferente do esperado. O que ela viu foi, na verdade, um homem que não demonstrava perigo algum, seguia ordens cegamente, agia de maneira técnica e desconhecia (ou desprezava) qualquer pensamento ético (por isso o termo “banalidade do mal”, ideia desenvolvida pela filósofa por todo o resto de sua vida). Ao concluir se artigo, dividido posteriormente em cinco partes pelo New Yorker, os pensamentos de Hannah não foram bem recebidos pelo público. Acusada de defender “um monstro” e acusar os judeus, Hannah foi atacada inclusive por amigos próximos seus.


Há, no filme, imagens que se identificam com um possível arquétipo ou representação social do que é ser um filósofo: um pensador, olhando para o nada, sempre refletindo e sempre solitário. E essa imagem é vista não apenas no começo e no fim do filme, mas em todo o seu decorrer, com a intenção clara de mostrar uma Hannah reflexiva, pensativa, filósofa. Tal representação se identifica com algo típico do cinema americano em criar heróis solitários que lutam contra tudo e contra todos. E a história de Hannah Arendt cai como uma luva nesse ideal.
Mas, se tal filme traz essa grande semelhança com outros filmes produzidos nas terras d’O Grande Irmão, ele também traz uma diferença fundamental, que é sobre quem é realmente a(o) protagonista da história. Somos levados, inicialmente, a pensar que Hannah é a protagonista, mas logo notamos que o papel principal fica ao pensamento, essa entidade abstrata capaz de grandes mudanças. Recorrendo ao que foi dito anteriormente sobre a representação do herói e pensador solitário, notamos que a ênfase nessas cenas tem por motivo colocar em destaque é o pensamento, e não Hannah. E é a luta de pensamentos que encena nesse palco que tem como pano de fundo a história de Hannah e de um sistema totalitarista caído (o nazismo).

Entendemos com o passar do filme, que Hannah Arendt não defendia Adolf Eichmann. Ela, ao contrário, tentava mostrar que o problema era mais complexo, e não se resumia a um único homem torturador, mas sim, em todo um sistema. E digno de nota merecem também as reações histéricas de judeus pelo fato de Hannah não considerar Eichmann um monstro demoníaco. Hannah estava privando as massas do imenso prazer compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado, ao tirar do algoz a característica de monstro.

Um último ponto, mas não menos importante, são os diálogos da jovem Hannah (Freiderike Becht) com o seu antigo professor Martin Heidegger (Klaus Pohl), em cenas de flashback, são também memoráveis. Subentende-se que o amor que a jovem Hannah teve por seu professor no passado não está totalmente inexistente em sua vida madura. Hannah Arendt é um filme recomendado a quem ama ou se sente atraído pela filosofia e/ou pela história. Mas é um grito silencioso para quem não está disposto a reconhecer a humanidade dentro da monstruosidade.

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