quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

“Teorias do Comportamento e Subjetividade na Psicologia”, de José Antônio Damásio Abib

O livro que será apresentado foi escrito em 1997 por José Antônio Damásio Abib, e tem por objetivo analisar como a questão dos eventos privados (pensamentos, sensações, sentimentos, emoções, etc.) são apresentados, descritos e explicados por várias teorias. Tal objetivo é importante para Abib poder dar seu segundo passo, que é investigar essa questão à luz da teoria operacional de Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Abib é graduado em Psicologia pela Universidade de Brasília. Possui mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Epistemologia da Psicologia pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca. É atualmente professor do Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da Universidade Federal de São Carlos (SP) e professor orientador do Programa de Mestrado e Doutorado em Filosofia na Área de Concentração em Epistemologia da Psicologia e da Psicanálise também na Universidade Federal de São Carlos (SP). Suas linhas de pesquisa são (1) Epistemologia e História da Psicologia, (2) Pós-modernismo e Psicologia e (3) Ética e Psicologia.


Para fim didáticos, dividirei o resumo desse texto em seis partes. Isso ocorrerá por que o livro traz um desenvolvimento bastante abrangente sobre várias questões cruciais da Filosofia da Ciência e das próprias teorias que se propõem descrever e/ou explicar o comportamento e a subjetividade. Portanto, ressalto que essa divisão foi uma escolha minha, e que o livro não apresenta tais questões em divisões idênticas. Esclarecido isso, podemos iniciar a leitura desse texto com a seguinte pergunta: como a subjetividade é vista pela Análise do Comportamento?

Parte 1 – O Modelo Reflexo de explicação do comportamento
O texto se inicia dizendo que a ciência se debruça sobre eventos que são repetíveis. Portanto, a ciência não se debruçaria sobre aquilo que é episódico. “[...] os fenômenos não se resumem nos exemplos particulares de sua expressão. Se fosse assim, conceitos gerais seriam impossíveis e, a fortiori, também a ciência” (ABIB, 1997, p. 25). No que tange à psicologia, busca-se encontrar elementos comuns naquilo que é aparentemente episódico (o comportamento). O objetivo torna-se, então, conceituar, predizer e explicar o comportamento.
Um dos modelos desenvolvidos para explicar o comportamento é o Modelo Reflexo. “Define-se brevemente o conceito de reflexo como uma relação entre um estímulo e uma resposta cuja operação fundamental consiste na apresentação de um estímulo que, sob certas condições, provoca ou elicia uma resposta” (ABIB, 1997, p. 26). Skinner aponta, no entanto, que Estímulos e Respostas não são propriedades em si, mas sim, eventos. São únicos entre si, mas há propriedades em si que podem classificá-los como classes de estímulos e classes de respostas. Dessa forma, definimos Estímulo como a energia, a parte do ambiente, podendo ser externo ou interno a um organismo; e Resposta como o movimento, parte do organismo, que pode ser pública ou privada. Além disso, são as propriedades dos estímulos e das respostas que podem ser manipuladas ou medidas.
Entretanto, esses conceitos de estímulo e resposta são inadequados para definir o conceito de reflexo. Com efeito, o que é uma mesma resposta em duas ocorrências de um certo movimento? Como variam as propriedades desse movimento? São algumas variações importantes ou algumas são mais do que outras e, portanto, devem ser observadas, medidas e controladas? O que determina a eventual importância de certas variações em vez de outras? Em suma, o que é estímulo e resposta? Conclui-se, com Skinner, que esses conceitos não podem ser definidos por suas propriedades. A definição de estímulo, resposta e reflexo deve ser feito em outras bases (ABIB, 1997, p. 27).
Para buscar explicar tais questões, Abib (1997) parte para uma linha de raciocínio que visa explicar os estímulos e as respostas como eventos. Mas o que isso quer dizer, e qual a sua importância?  “O estímulo é a variável independente e pode ser manipulada e medida. A resposta é a variável dependente e pode apenas ser medida” (ABIB, 1997, p. 28). Precisamos ter essas definições em mente antes de partir para as explicações.
Durante uma investigação experimental, podem surgir variáveis relevantes ou irrelevantes. As variáveis irrelevantes não influenciam a relação investigada. Já as variáveis relevantes precisam ser controladas, pois exercem influencia sobre as variáveis dependentes. Numa pesquisa experimental onde só temos hipóteses ainda não comprovadas, todas as variáveis precisam ser controladas, pois não sabemos quais são ou não são relevantes. “[...] o investigador manipula e mede a variável independente, mede a variável dependente, mantém sob controle variáveis relevantes conhecidas permite a variabilidade até certo limite de variáveis irrelevantes e, por prudência, controla outras variáveis, mesmo que não saiba se são ou não relevantes” (ABIB, 1997, p. 29). Assim, na investigação experimental, o pesquisador quer descobrir uma propriedade do estímulo que pode gerar modificações numa propriedade da resposta. Abib (1997) diz, em certo momento do texto, que é melhor conceituar as propriedades do estímulo e da resposta como variáveis definidoras.
Com efeito, o estímulo e a resposta são eventos. É o conceito de evento que tem a função de agrupar, tanto do lado do estímulo como do da resposta, as variáveis relevantes para a definição da relação reflexa, bem como os valores das variáveis relevantes não enfocados diretamente na pesquisa e ainda os valores das variações irrelevantes (ABIB, 1997, p. 30).
O reflexo passa a ser, portanto, a correlação de dois eventos: o evento estímulo e o evento resposta. Uma questão interessante é colocada a partir daqui: com variáveis irrelevantes e relevantes fora do controle, duas apresentações do mesmo estímulo ou da mesma resposta não produzem estímulos e respostas idênticos. No entanto, a regularidade que existe entre a apresentação de um estímulo e a ocorrência de uma resposta são regularidades suficientes para determinar o que é reflexo.
Diante disso, temos duas possibilidades de interpretação dessas correlações: uma definição de reflexo como correlação de classes e outra definição de reflexo como classes de correlações.
Numa definição de reflexo como correlação de classes, “os elementos que pertencem a determinada classe podem diferir em vários aspectos. Entretanto, devem conter alguns aspectos, características e propriedades comuns, com a função de agrupá-los em certa classe, não em outra” (ABIB, 1997, p. 32). Além disso, o reflexo só pode ser definido como classe quando se descobre uma relação reflexa. Dessa forma, o reflexo passa a ser, além de evento (já que é uma correlação de eventos), uma classe de eventos, pois os eventos que a definem não surgem uma única vez.  A construção de um conceito de reflexo exige a construção de hipóteses universais (portanto, repetíveis e generalizáveis). “Como uma correlação de classes, o conceito de reflexo não se refere a esse, aquele ou alguns reflexos, mas sim a todos eles, aos observados e aos que ainda não o foram” (ABIB, 1997, p. 33). Essa definição é, acima de tudo, uma hipótese, cuja refutação ou confirmação só pode ser decidida a partir da metodologia da investigação experimental.
Esquema ilustrativo do reflexo como correlação de classes. O estímulo e a resposta são conjuntos de eventos (classes de eventos), enquanto o reflexo é a seta dupla, representando assim o que ela seria nesse esquema: uma correlação. 
Já a definição de reflexo como classe de correlações “[...] apresenta o conceito de reflexo como evento único, acontecimento, episódio – em lugar de um conceito geral, um conceito específico [como ocorre, por exemplo, ao se definir reflexo como uma correlação de classes]” (ABIB, 1997, p. 33, grifo nosso). A variável que os agrupa não é descoberta experimentalmente [como é o caso da definição de reflexo como uma correlação de classes]. A variável é apenas descritiva, nomeia e descreve um grupo de reflexos.  “E, nesse sentido, é como classe de correlações (onde é possível atingir reprodutibilidade total) e não como correlação de classes (onde a reprodutibilidade é apenas parcial), que o reflexo parece ser mais apropriado para a descoberta de uma unidade de análise do comportamento” (ABIB, 1997, p. 35). Vale ressaltar ainda que o conceito de reflexo como correlação de classes respeita as linhas naturais de fratura do ambiente, do comportamento e das relações que são estabelecidas entre essas duas partes. Isso não ocorre, no entanto, com o conceito de reflexo como classe de correlações.
Esquema ilustrativo do reflexo como classe de correlações. O estímulo e a resposta são eventos (classes de eventos) que se correlacionam, e o reflexo é o conjunto (classe) dessas correlações que, devido a algumas propriedades, as colocam numa mesma classe.
Mas quer dizer essas linhas naturais de fratura? Para isso, precisamos recorrer às leis do reflexo, que podem ser primárias ou secundárias. As leis primárias (estáticas) do reflexo são (1) a lei do limiar, (2) a lei da latência, (3) a lei da magnitude da resposta, (4) a lei da pós-descarga e (5) a lei da somação temporal. Já as leis secundárias (dinâmicas) do reflexo são (1) a lei da fadiga, (2) a lei da facilitação, (3) a lei da inibição, (4) a lei da fase refratária, (5) a lei do condicionamento e (6) a lei da extinção.
[...] as leis secundárias do reflexo são formuladas com base na quantidade de vezes que a resposta é eliciada – que é produzida várias vezes porque o estímulo que realiza essa função é apresentado várias vezes. Como o estímulo e a resposta são eventos, as instâncias que ocorrem nos instantes sucessivos apresentam aspectos, propriedades e valores diferentes. Se as leis secundárias manifestam-se nessas circunstâncias, então as variáveis que estão fora de controle – cuja relevância ou não é ignorada no início da investigação – são de fato irrelevantes, não são definidoras. Seu controle não representa qualquer utilidade, porque se a investigação demonstrar que é possível obter uma regularidade, mesmo quando variáveis fora de controle não são capazes de perturbá-la, então qual é a utilidade de controlá-las? Nesse caso, o controle não é útil, uma vez que não acrescenta nada ao conhecimento das leis da natureza (ABIB, 1997, p. 37).
O argumento maior a favor do reflexo como classes de correlações é o de que a reprodutibilidade total, que põe fora as influências das leis secundárias, não interessa quando ele coloca em cheque as leis da natureza. Dessa forma, por ser a Psicologia uma ciência que estuda o comportamento que ocorre em situações naturais (situações essas que apresentam linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento), ou seja, cuja reprodutibilidade total é praticamente inexistente, o conceito de reflexo como correlação de classes é mais útil do que o conceito de reflexo como classe de correlações.
No entanto, a visão de Skinner diz que “[...] é possível partir de classe de correlações, atingir a correlação de classes, e vice-versa. Os dois casos definem limites ideais e a realidade encontra-se entre esses limites” (ABIB, 1997, p. 39). Para ele, há certos fatos que definem o conceito de reflexo. O primeiro fato é o estabelecimento de classes grosseiras de estímulo e resposta devido ao fato de que descrições rigorosas da relação entre variáveis independentes e dependentes são exaustivas. O segundo é a possibilidade de definir subclasses e controlar relações reflexas. O terceiro fato nos lembra que, com o princípio da indução, uma alteração que ocorre em uma das instâncias é transferida para outra caso tenham variáveis relevantes comuns. E por fim, o quarto fato é que o controle de variáveis irrelevantes é inútil no que diz respeito ao reflexo.
Mas então, qual é a definição de reflexo? “[...] Skinner define: ‘um reflexo, então, é uma correlação de um estímulo e uma resposta em um nível de restrição marcado pela ordenação de alterações na correlação’” (SKINNER, 1972b apud ABIB, 1997, p. 40). Tal definição de reflexo que inclui o princípio da relação não decide entre as duas definições de reflexo e, de acordo com Abib (1997), é apenas uma hipótese científica pautada em definições universais.

Parte 2 – O Modelo Operante de explicação do comportamento
Inicio essa parte do resumo enfatizando que há, de acordo com Abib (1997), dois tipos de reflexo: o operante e o respondente. Enquanto o reflexo respondente diz respeito ao tipo de relação descrita na no tópico anterior, o reflexo operante estabelece uma forma diferente de relação. Abib (1997, p. 42) aponta que “[...] os comportamentos operante e respondente são diferentes, por que o operante produz o estímulo e o respondente prepara o organismo para recebê-lo” (ABIB, 1997, p. 42). Tal definição é importante ser guardada, pois ela estabelece uma diferença fundamental no tipo de explicação que se faz do comportamento.
Skinner destaca, de acordo com Abib (1997), a questão da espontaneidade do reflexo operante, que não mantém uma relação invariável com os estímulos, ao contrário do reflexo respondente. “Contudo, afirmar que o operante é espontâneo não significa dizer que não é determinado. Ambos são deterministas. Só que, no caso do operante, a determinação é mais moderada, é probabilística, enquanto no respondente, ela é radical, absoluta” (ABIB, 1997, p. 43, grifo nosso). Dessa forma, a própria denominação conceito de estímulo se modifica nos dois casos. No reflexo respondente, o estímulo antecedente é chamado de eliciador, pois a relação que mantém com a resposta é invariável. Já no reflexo operante, o estímulo antecedente é chamado de discriminativo, pois mantém uma relação probabilística com a resposta.
[...] se o estímulo que precede o comportamento é discriminativo, então não é possível manipular variáveis do estímulo, como intensidade, duração e o número de vezes que é apresentado e o intervalo temporal entre apresentações sucessivas, consequentemente, não é também possível descobrir e formular leis experimentais. E essa interdição coloca, necessariamente, a questão de saber quais são as variáveis a serem manipuladas na investigação do operante que permitam a descoberta e a formulação de suas leis dinâmicas, ou quais são suas linhas naturais de fratura. Em seguida, após a descoberta dessas variáveis, compreender a determinação probabilística do operante por meio do estímulo discriminativo (ABIB, 1997, p. 44).
Ou seja, é preciso saber o porquê da resposta ocorrer, quais são os fatores (para além do discriminativo) que causa essa ocorrência. Abib (1997) salienta que Skinner mantém a nomenclatura de “reflexo”, tanto para operantes como para respondentes, para demonstrar a questão da determinação do comportamento.
Há determinadas variáveis no reflexo que precisam ser demonstradas ou revistas para poder entender uma importante ideia de Skinner. Assim, as variáveis do reflexo são:
1.      Variáveis primeiras: (R) são as variáveis dependentes do evento resposta, e diz respeito à magnitude e à latência;
2.      Variáveis segundas: (S) são as variáveis independentes do evento estímulo, e diz respeito à intensidade e duração.
3.      Variáveis terceiras: (A) são outras variáveis do evento estímulo, como número de estímulos apresentados, número de emparelhamentos ou desemparelhamentos e o valor dos intervalos.
Skinner resumiu as relações entre esses conjuntos de variáveis dependentes e independentes com a seguinte equação: R = f (S, A). Nessa equação, a resposta reflexa (R) é uma função (f) de variáveis segundas do evento estímulo (S) e de variáveis terceiras (A), também do evento estímulo.
Equação elaborada por Skinner para definir a relação entre variáveis.
Tal equação se adéqua de maneira perfeita na explicação do reflexo respondente. Mas e o operante? “[...] se o estímulo discriminativo não determina invariavelmente o operante, não é possível investigar as variáveis segundas do evento estímulo, tampouco seus efeitos sobre as variáveis primeiras sobre o evento resposta. [...] não é possível descobrir as leis primeiras do operante” (ABIB, 1997, p. 46).
Dessa forma, o que notamos é que Abib (1997) nos coloca questões importantíssimas que definem não apenas a diferença do operante para o respondente, mas também a impossibilidade de se estudar o operante com base nas leis do respondente. Não ter uma relação invariável entre estímulos e resposta coloca em cheque a equação R = f (S, A), usada para determinar o reflexo. Não saberemos o que determina a resposta se o estímulo não tem uma relação fixa com a resposta. Assim, as leis segundas são irrelevantes, para não dizer que inexistem. Consequentemente, as leis primeiras da resposta também são difíceis de serem analisadas. Por fim, as leis terceiras inexistem, não aparecem, pois suas existências supõem a ocorrência das leis primeiras e segundas. O que seria a incógnita A na equação R = f (S, A)?
É por isso que temos algumas modificações no que diz respeito a como estudar o operante. A primeira modificação é a introdução da variável taxa de respostas, lei primária do operante, que determina sua força e é definida como a frequência em que determinada resposta ocorre dentro de um espaço de tempo. A segunda modificação importante é a inserção da variável contingências de reforço, terceira variável do operante, que se refere às inter-relações estabelecidas entre o estímulo discriminativo, a resposta e as consequências reforçadoras. Portanto, “[...] uma condição importante para que o estímulo resultante exerça efeitos positivos depende do fato de ter sido produzido pela própria resposta que ele fortalece” (ABIB, 1997, p. 48).
O estímulo discriminativo é uma situação ambiental que o organismo discrimina como sendo uma ocasião em que a emissão de determinada resposta produzirá consequências reforçadoras. Abib (1997) salienta que o estímulo discriminativo tem determinantes que se encontram na história passada do organismo. Ou seja, a situação atual só é discriminada como uma situação que traz consequências reforçadoras se ela estiver na história passada do organismo. “[...] um determinante próximo ou remoto inter-relacionado com um determinante presente determinam o comportamento atual” (ABIB, 1997, p. 50). O conceito de história passada é encontra sua fundamentação a partir das seguintes evidências:
1.        A apresentação de parte dos estímulos discriminativos e reforçadores de uma contingência de reforço pode estabelecer a ocasião para a ocorrência de determinada resposta, da mesma maneira como a apresentação total desses estímulos estabeleceu a ocasião para a ocorrência da resposta em uma situação anterior.
2.        Há dois vazios temporais no conceito de operante. Um entre estímulos discriminativos e respostas operantes. Outro entre respostas operantes e estímulos reforçadores.
Portanto, para ficar claro certos pontos apresentados até aqui, precisamos entender que
a relação estímulo-resposta é insuficiente para balizar a definição do conceito de operante. Assim, no operante, a variável primeira ou a variável dependente é a taxa de resposta, não a magnitude ou a latência. E a variável terceira ou independente é a contingência de reforço, não o emparelhamento de estímulos. Além disso, as variáveis segundas do evento estímulo não são relevantes para descobrir e formular relações ordenadas na investigação do operante, já que não há regularidade possível entre a magnitude ou a latência de um operante e o estímulo discriminativo – recorde-se que esse estímulo não determina invariavelmente o operante. Logo, não há leis primárias ou estáticas no operante (ABIB, 1997, p. 52).
A partir disso, Abib (1997) nos coloca a seguinte questão: se não há leis primárias do operante, também não há leis secundárias (dinâmicas). E se não há leis secundárias, impossibilitados estamos em descobrir as linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento no caso do operante. Como formular regularidades, portanto? Abib (1997) nos obriga, então, a retomar as discussões sobre classes e eventos: “[...] o estímulo reforçador não pode fortalecer a resposta que o precede, uma vez que ela já ocorreu e não há como, portanto, ser alterada. É a probabilidade futura de ocorrência de respostas da mesma classe que é modificada” (ABIB, 1997, p. 53). E a lei do condicionamento nada mais é do que a “[...] relação entre a apresentação de um estímulo reforçador contingente às respostas da classe e o aumento subsequente na força da classe de respostas” (ABIB, 1997, p. 54). Aqui fica claro que todos esses conceitos são definidos à posteriori, depois que os eventos já ocorreram.
O operante não se fundamenta, portanto, na relação estímulo-resposta. Suas bases são outras, como o estímulo discriminativo, emissão espontânea de respostas, consequências do comportamento e reforço. Ele é mais adequado para a descrição e análise do comportamento por que está mais bem aparelhado do que o modelo reflexo para realizar as funções de reconhecimento da interação do comportamento com o ambiente, bem como para tratar com a determinação probabilística do comportamento. Assim, o operante tem sua explicação apenas no âmbito das probabilidades, e não das certezas típicas do determinismo absoluto.
[...] a definição do conceito de operante é um modelo para a descrição e análise do comportamento, que é uma versão não só do naturalismo (já que não dispensa suas próprias linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento), mas também do interacionismo (ou determinismo recíproco) e do determinismo probabilístico – a contraface de um certo indeterminismo (ABIB, 1997, p. 56).
É por essas razões que Abib (1997) faz questão de salientar que o operante é um modelo de explicação do comportamento mais eficaz do que o modelo do reflexo (aqui já entendido como o modelo respondente).

Parte 3 – Outros modelos de explicação do comportamento
O presente tópico tem por finalidade discutir outros modelos de explicação do comportamento, focando na crítica que Skinner já fez a esses modelos. De acordo com Abib (1997), a teoria científica tem por meta ordenar os dados da pesquisa empírica que, via de regra, aparecem de forma caótica e desordenada. Em relação a uma ciência do comportamento, um pergunta que pode surgir dessa definição de meta da teoria científica é sobre o papel que a estatística possa ter.
Com ela [a estatística], é possível pela média dos dados de um ou vários sujeitos demonstrar que a latência aumenta gradualmente à medida que ocorre o enfraquecimento do operante. Não obstante, para Skinner, a regularidade do fenômeno da aprendizagem deve ser demonstrada pelo comportamento do indivíduo, não por técnicas estatísticas, pois, embora ele investigue regularidades comportamentais, permanece atento às suas singularidades. Se ocorre desordem de dados comportamentais, deve-se evitar camuflá-la estatisticamente. Do contrário, o local de formulação da regularidade é deslocado do comportamento para a estatística (ABIB, 1997, p. 58).
Na teoria do operante, magnitude e latência da resposta são variáveis dependentes inúteis para expressar a ordem e a continuidade de um operante. Em seu lugar, a taxa de respostas é a forma escolhida por Skinner para “expressar a regularidade dos fenômenos comportamentais”. Quando temos a variável dependente “taxa de respostas” que varia de forma ordenada e se generaliza nas mais diversas situações de aprendizagem, a teoria é desnecessária no entendimento de Skinner. “Essa é a primeira crítica de Skinner ao conceito de teoria. Ainda não se trata da crítica à função explicativa da teoria. Antes, trata-se da crítica de sua função ordenadora. Isso procede porque é preciso primeiro ter uma regularidade, um fenômeno para ser explicado, só depois a explicação” (ABIB, 1997, p. 59).
Há na história da Psicologia teorias clássicas de explicação do comportamento, sendo elas as teorias reais-neurofisiológicas, as teorias reais-mentais, as teorias conceituais-neurofisiológicas, as teorias conceituais-mentais e as teorias rigorosamente conceituais.
As teorias conceituais-neurofisiológicas são explicações fisiológicas nas quais, através de metáforas, o sistema nervoso explica o comportamento. O conceito de arco-reflexo é um exemplo de explicações dessas teorias. Para Skinner, o modelo de explicação neurofisiológico (baseado principalmente na transmissão sináptica) não é adequado para uma ciência do comportamento por que seu método de explicação é semelhante ao modelo reflexo. Um modelo que, como sabemos, não é muito útil, salvo situações específicas (comportamento respondente). “[...] os métodos utilizados na investigação da transmissão sináptica são comportamentais, não fisiológicas. Consequentemente, os ‘fatos’ da transmissão sináptica são inferidos, não observados diretamente” (ABIB, 1997, p. 65). Essas explicações neurofisiológicas conceituais não inserem nada de novo na explicação do comportamento. Sua diferença às explicações que recorrem ao conceito de reflexo é meramente ao foco dado: as teorias neurofisiológicas dão enfoque ao sistema nervoso. No entanto, são meramente conceituais por que não acessam diretamente o sistema nervoso. São teorias que inferem sobre o sistema nervoso com base no comportamento observado. São, por fim, teorias redundantes do comportamento.
As teorias reais-neurofisiológicas são explicações baseadas na observação direta do sistema nervoso. “A crítica a teorias reais-neurofisiológicas representa uma defesa da especificidade de fenômenos e conceitos comportamentais” (ABIB, 1997, p. 67). Ou seja, Skinner critica bastante o neurofisiologismo. Ele “[...] não admite a redução absoluta de termos e leis formuladas no nível do comportamento a termos e leis da ciência neurofisiológica” (ABIB, 1997, p. 68). Dessa forma, tais teorias não podem ser usadas para explicar todo o comportamento. São úteis sim, mas geralmente são usadas como uma substituição, e não como um complemento das explicações da ciência do comportamento.
As teorias conceituais-mentais são metáforas utilizadas para explicar o comportamento. Um exemplo: “a metáfora do aparelho psíquico é particularmente enganosa porque é construída por analogia com o que acontece no nível do comportamento e não acrescenta diferenças que sugiram métodos de observação direta dos eventos e fenômenos da psique” (ABIB, 1997, p. 69). O aparelho psíquico freudiano inviabiliza qualquer acesso direto sobre ele. Não é observável. Por consequência, ele é explicado a partir de metáforas. É impossível se referir a ele sem recorrer a metáforas. Sigmund Freud é o principal exemplo de teóricos que se utilizam dessa forma de explicação. Um ponto que vale ser ressaltado é que Skinner concorda com Freud quando este diz que nem todos os eventos mentais podem ser observados, apenas inferidos. Skinner acredita que os eventos privados também não possuem acesso direto. Qual é a sua diferença, portanto, com Freud? Para Skinner,
[...] Freud foi feliz em sua lição sobre a condição inferencial dos eventos subjetivos. Mas acrescenta que não é possível aceitá-los para explicar o comportamento porque o aparelho psíquico freudiano não tem dimensões físicas e isso os coloca numa posição epifenomenal da qual Skinner só se afasta por meio de sua teoria do significado do comportamento verbal (ABIB, 1997, p. 71-72).
As teorias reais-mentais são teorias cujo principal representante é Resultados da pesquisa Wilhelm Wundt (1832 – 1920). As teorias reais-mentais, ou como é citado no texto, psicologia experimental introspectiva sistemática, não recorrem a analogias. Fazem um estudo sistemático sobre sentimentos, pensamentos e volições, considerando-os como causas do comportamento. Skinner encontra, no entanto, dois problemas nessas teorias. O primeiro é que eles são essencialmente inferenciais, seus métodos são sempre direto sobre eventos que não podem ser acessados diretamente. O segundo problema é que seus métodos não produzem acordo entre observadores, não é verificável, confiável e nem funcional.
As teorias rigorosamente conceituais não recorrem a eventos fisiológicos ou mentais. Um exemplo de teórico adepto desse tipo de explicação é Edward C. Tolman (1886 – 1959). “Na verdade, essas teorias representam uma tentativa de expurgar os eventos mentais da explicação do comportamento. E isso é um equívoco, pois fecha a psicologia num silêncio demasiado cético sobre a possibilidade de conhecer eventos mentais e de aproveitá-los na explicação do comportamento” (ABIB, 1997, p. 73-74).
Abib (1997) nos demonstra então como essas teorias se encaixam numa visão  Realista, Instrumentalista e Descritivista da ciência.
[...] a situação cognitiva das teorias reais-neurofisiológicas e reais-mentais aproxima-se mais da interpretação realista do que as teorias conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais, que estão mais próximas do instrumentalismo. Já as teorias rigorosamente conceituais são apropriadamente interpretadas pelo descritivismo  (ABIB, 1997, p. 75).
Dessa forma, é justo dizer que as teorias descritivistas são demasiadamente apoiadas num fisicalismo empírico. Isso ficará claro no próximo tópico desse resumo

Parte 4 – Watson, Tolman e modelos de explicação científica
John B. Watson (1878 - 1958) tinha a intenção de criar uma psicologia objetiva que definisse o comportamento a partir de eventos observáveis. Assim, a teoria de Watson
“trata-se de uma teoria objetiva do comportamento, fortemente reducionista, em que os termos e enunciados teóricos são radicalmente traduzidos nos termos e enunciados empíricos do reflexo. Watson não construiu uma teoria rigorosamente conceitual do comportamento, embora tenham apontado o caminho para fazê-lo” (ABIB, 1997, p. 81).
Para Tolman, o modelo de Watson serviria apenas para “lidar com contrações musculares”. Apesar de Watson estabelecer essa aproximação íntima entre fisiologia e psicologia, Abib (1997) ressalta que Watson nunca definiu estímulo e resposta, fato que Tolman desconhece.
“Segundo Tolman, o ato comportamental apresenta três características gerais. Primeiro, o comportamento é dirigido para objetivos e metas ambientais. Segundo, o organismo envolve-se com atividades e com objetivos do ambiente que são necessários para atingir aqueles objetivos e metas. Finalmente, existe uma prontidão maios nos organismos para selecionar meios, atividades e objetivos do ambiente que sejam mais fáceis e mais rápidos para alcançar objetivos e metas ambientais. O organismo pretende alcançar certos fins quando se comporta e para isso recorre aos meios mais simples” (ABIB, 1997, p. 82).
Dessa forma, o comportamento (molar) é, para Tolman, proposital e cognitivo. Mas o que é propósito? Abib (1997) destaca que é a prontidão do organismo para continuar a buscar soluções para seus problemas. “Há plasticidade porque o organismo modifica incessantemente suas ações na busca de meios mais simples e mais fáceis, e há persistência porque quer, ao fim do cabo, adequá-los à consecução da meta” (ABIB, 1997, p. 84). E cognição? Para Tolman, o comportamento de um organismo se modifica na medida em que ele tem sucesso ao atingir suas metas. O conceito de cognição diz respeito justamente a essas alterações e modificações.
Há semelhanças e diferenças entre as teorias de Watson e Tolman. A semelhança reside no fato de que ambos tentaram definir objetivamente o conceito de comportamento. Já a diferença está no fato de que Tolman recorreu a conceitos mentais para tanto. Cognição e propósito são termos mentalistas, mas para Tolman, não se encontram na mente, mas sim, no comportamento (sendo, ao mesmo tempo, do comportamento). Assim, é importante sabermos que a teoria elaborada por Watson não é rigorosamente conceitual, mas abre espaço para teorias desse tipo. Tolman foi um teórico que “seguiu a deixa” de Watson e elaborou uma teoria rigorosamente conceitual, ou seja, que não recorre a dimensões neurofisiológicas e mentais, apenas na observação. A teoria de Tolman é uma teoria com estrutura formal e empírica, com uma visão cognitiva (apesar de objetiva) do comportamento.
Dois outros autores também tentaram criar uma ciência objetiva do comportamento. São eles:
1.      Rudolf Carnap: (positivismo lógico) ênfase no conceito de disposição, onde determinado organismo tem a disposição para ir ou reagir a determinado estímulo.
2.      William Brigman: defendia, por sua vez, uma definição operacional. Ou seja, o conceito era o sinônimo correspondente de um conjunto de operações
Por fisicalismo, entende-se que é uma linha de raciocínio na qual os fenômenos são operações físicas, mesmo que eles definam conceitos físicos ou mentais. Carnap, Brigman e Tolman, de acordo com Abib (1997), são exemplos claros dessa linha de raciocínio. “[...] com o objetivo de construir uma teoria do comportamento que incluísse termos mentais, definidos objetivamente, Tolman se vale do fisicalismo metodológico” (ABIB, 1997, p. 90). Mas esse fisicalismo é, para Abib (1997), reducionista. Esse reducionismo ocorre porque Tolman cria uma teoria onde o termo definidor (definiens) se constitui na extensão/domínio e na intensão/significado do termo a ser definido (definiendum). Trata-se de uma definição descritiva analítica.
Há, na teoria de Tolman, um ponto que Abib (1997) acha interessante: Tolman defende que os eventos comportamentais emergem dos eventos fisiológicos (uma visão emergencialista, portanto). “Filosoficamente, essa posição de Tolman parece inconsistente, pois reducionismo e emergencialismo são doutrinas filosóficas aparentemente conflitivas. Se a orientação do pensador é reducionista, então não pode ser emergencialista, e vice-versa. Tolman tenta escapar dessas implicações” (ABIB, 1997, p. 92).
No entanto, é possível entender isso se recorrermos à ideia de reducionismo moderado. Uma redução é moderada quando é descritiva, mas não analítica. O termo definidor, nesse caso, se estende apenas na extensão do definido, e não em seu significado. Já a doutrina do emergencialismo “[...] pode ser apresentada na terminologia do reducionismo. Um fenômeno Y é emergente em relação a um fenômeno X se e somente se Y não pode ser reduzido a X” (ABIB, 1997, p. 94). Val ressaltar que, enquanto que no emergencialismo radical a redução de fenômenos é impossível, o emergencialismo moderado defende que o estágio atual das teorias científicas não apóia nenhuma versão do reducionismo. Dessa forma, o reducionismo moderado não exclui o emergencialismo moderado (e vice-versa). Tal relação de coexistência não é compartilhado no reducionismo radical e do emergencialismo radical, onde ambos se excluem mutuamente. Isso explica o fato da teoria de Tolman ser reducionista e emergencialista.
“Tolman também reformula-se e admite que os termos mentais de sua teoria são teóricos. Argumenta que seus termos disposicionais, suas definições operacionais, suas variáveis intervenientes são construtos hipotéticos” (ABIB, 1997, p. 98). Ao reformular sua teoria dessa forma, Tolman deixa de ser um teórico rigorosamente conceitual, aproximando-se das teorias conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais. Os termos mentais agora são reduzidos moderadamente aos termos comportamentais, da mesma forma que ocorre com os termos neurofisiológicos.
Após essas considerações, Abib (1997) faz uma diferenciação entre dois modelos de explicação (o causal e o teleológico) para situar a teoria de Tolman e demonstrar suas fraquezas. Uma explicação é causal quando há umas condições que são cumpridas, sendo elas:
1.      Relação temporal: A é causa de B se A precede B. Além disso, entre A e B não ocorrem outros eventos, e se ocorrem, deve-se provar que B é consequência de A.
2.      Distância espacial: A e B devem ser espacialmente contíguos.  
3.      Assimetria entre eventos: A é causa de B, mas B nunca será causa de A.
4.      Necessidade da causa: A é necessário e suficiente para a ocorrência de B.
A explicação teleológica, por sua vez, insere uma importante diferença que é notada inclusive na resposta que ela dá às perguntas dirigidas a ela. Isso diz respeito ao uso gramatical do termo “para” em vez de “porque”. Além disso, o acontecimento a ser explicado é posterior (na explicação causal, a causa precede o efeito). O exemplo a seguir explicita essa diferença:
[...] é noite e uma pessoa dirige-se a um restaurante. Do ponto de vista da explicação teleológica, várias razões podem ser apresentadas para essa ação: a pessoa vai ao restaurante para jantar, para realizar um assalto, para esconder-se da polícia, para beber um drinque com um amigo, para apreciar uma pela mulher e assim por diante. Do ponto de vista da explicação causal, é possível referir-se aos desejos crenças da pessoa. Por exemplo, no caso da solidão, a pessoa vai ao restaurante porque não a suporta mais e deseja ardentemente encontrar uma maneira de livrar-se dela. Acredita que um modo de fazê-lo é ver e ouvir pessoas, mesmo estranhas, e um restaurante, bem ou mal, propicia essa oportunidade. Portanto, o explanans pode ser reformulado na forma de uma explicação causal, se não fizer referência ao objeto desejado que frequentemente é referido pelo termo ‘para’ (ABIB, 1997, p. 102).
Assim, Abib (1997) ressalta as particularidades da explicação teleológica para diferenciá-la definitivamente da explicação causal. A explicação teleológica se refere sempre aos fins ou aos estados terminais do evento a ser explicado. É retrospectiva, portanto: necessita do evento completo para que este seja explicado. A previsão é impossível nessa explicação, visto que, como já dito, a explicação ocorre após a ocorrência do evento, e não antes.
A teoria de Tolman insere-se no modelo de explicação causal. Mas em seu primeiro momento, sua teoria foi circular e redundante. Isso foi modificado quando Tolman estabeleceu a segunda versão de seu modelo cognitivo.
Em sua segunda versão, a teoria comportamental de Tolman rompe com a circularidade e redundância da explicação do comportamento porque, nesse caso, os termos mentais de sua teoria referem-se [...] a dimensões neurofisiológicas e mentais - [...] uma predição altamente provável não significa certeza absoluta, nem inevitabilidade (ABIB, 1997, p. 108).
A segunda versão da teoria de Tolman é simultaneamente uma interpretação instrumentalista (usa de metáforas mentais e fisiológicas) e realista (pois pode se referir a dimensões reais neurofisiológicas e mentais). Numa interpretação instrumentalista, “[...] a estrutura formal da teoria representa apenas um dispositivo para explicar e predizer os fenômenos investigados pela teoria. [...] Não há qualquer defesa de que os enunciados da teoria refiram-se à natureza última da estrutura do real” (ABIB, 1997, p. 109). Já numa interpretação realista, a “[...] tese de que seus enunciados referem-se à natureza última da estrutura do real” (ABIB, 1997, p. 109).

Parte 5 – Pressupostos da Teoria Operante
Skinner, assim como Tolman, também reformulou a sua teoria, criando uma segunda versão. Nessa versão, Skinner reconhece que as variáveis intervenientes são dispensáveis. Isso é visível na sua definição de motivação, que estaria entre a operação e o comportamento, ou seja, um conceito hipotético. Além disso, a teoria operante é próxima a uma teoria rigorosamente conceitual do comportamento.
Não há referência [...] a nenhuma propriedade além daquelas que se observam no ambiente, no comportamento e nas relações que se estabelecem entre eles. Os estados intermediários são variáveis intervenientes que se relacionam, pois determinado impulso pode interagir com outro, com uma emoção ou com o condicionamento. Sendo assim, a força de um operante pode ser determinada por uma constelação de variáveis intervenientes relacionadas. Isso significa que essa teoria apresenta estrutura formal cujos enunciados teóricos relacionam-se qualitativamente (ABIB, 1997, p. 111).
As teorias de Skinner e Watson são semelhantes por que ambas não possuem uma estrutura formal, apenas empírica. Mas são diferentes por que o modelo de Watson é o reflexo, e de Skinner o operante, além do fato de que Skinner oferece possibilidades de conhecimento dos eventos privados. Abib (1997, p. 115) salienta que Skinner se afasta do instrumentalismo e do realismo ao se propor investigar eventos privados.
A teoria operante é elementar e fundamental, ou seja, é baseada em termos e enunciados empíricos, observacionais. Quando várias relações são observadas e seus resultados são idênticos, infere-se que todas as relações são idênticas. É o princípio de indução, a base da filosofia indutivista da ciência. Vale ressaltar que nessa concepção, observar é, simultaneamente, interpretar. “A observação é uma experiência privada. É por isso que a passagem da observação para enunciados observacionais não representa uma justaposição perfeita entre o que ocorre na observação e o que o enunciado diz” (ABIB, 1997, p. 118). Tal experiência observacional privada é, depois, formulada em um enunciado público capaz de também ressaltar dados públicos. É possível, no entanto, falsificar dados observacionais. O exemplo de Abib (1997) demonstra que apenas testes, investigações, comparações e experimentos são capazes de dar veracidade ao dado observacional.
A passagem de enunciados observacionais para enunciados universais traz à tona o problema da indução. O princípio da indução representa uma inferência indutiva legítima. Mas não há nenhuma garantia lógica de que o próximo A observado seja B. Se é afirmado que todos os A observados, sob várias condições, são, sem exceção, B, e infere-se que todos os A são B, isso não garante que o próximo A a ser observado seja, necessariamente, B. Na verdade, se o próximo A for B, não haverá qualquer contradição lógica em afirmar que todos os A observados são B, e que nem todos os A são B. Por exemplo, se todos os cisnes são observados até agora são brancos e o próximo cisne observado é negro, não há nenhuma contradição lógica em afirmar que todos os cisnes observados são brancos, mas que nem tosos os cisnes são brancos (ABIB, 1997, p. 120).
A teoria operante “[...] é uma teoria científica no sentido da filosofia indutivista ingênua da ciência, porque seus termos e enunciados observacionais fornecem os fundamentos para a formulação de enunciados universais” (ABIB, 1997, p. 122) A teoria operante também está, no entanto, em consonância com a teoria indutivista sofisticada da ciência, pois seus termos estão impregnados de teorias. Ex: estímulo discriminativo, contingência de reforço, etc. A causalidade da teoria é uma causalidade moderada, pois os eventos são determinados não apenas por seus antecedentes, mas também, por seus consequentes. Como uma consequência afeta um evento que já ocorreu? Skinner recorre ao conceito de classes, ou seja, onde são os eventos similares ao evento primeiro que são alterados.
O comportamento, na teoria operante, não é 100% previsível. Ele é apenas provável, baseado em probabilidades. Ele altera o ambiente, modifica-o, sem deixar, contudo, de também ser modificado por ele. É por isso que
não há defesa lógica possível para a tese de que essa teoria comporta o conceito de sujeito passivo ou de um sujeito cuja ação absolutamente determinada e que deixa implícito que o conceito de sujeito deve ser relegado para estruturas exclusivamente históricas, sociais e ambientais (ABIB, 1997, p. 126).
Temos, finalmente, condições de pensar nos eventos privados. Abib (1997) ressalta que o conhecimento dos eventos privados esbarra no conhecimento do outro e no auto-conhecimento. Mas tudo isso com uma consideração importante: a o negar a ideia cartesiana que divide corpo e mente, Skinner é defensor da ideia de que os eventos privados “[...] são subjetivos não porque são mentais, [...] refere-se apenas à privacidade desses eventos” (ABIB, 1997, p. 128). Sua diferença reside em seu acesso.
O problema da subjetividade esbarra também no ponto observacional. Como se sabe, as teorias observacionais não são infalíveis, mas um acordo entre observadores pode ser feito. Mas em relação aos eventos privados, cujo acesso é só para uma pessoa, tal relação é difícil. É por isso que Skinner (tal qual Freud) acredita que todo o conhecimento sobre eventos privados é inferencial. Tal inferência pode ser baseada em três tipos de evidências (o exemplo usado é a dor de dente):
1.      A observação dos eventos públicos que acompanham os eventos privados (danificação do dente);
2.      As respostas colaterais que também acompanham esses eventos (respostas colaterais como gemidos, expressões faciais, levar a mão na bochecha);
3.      As metáforas utilizadas para descrever esses eventos (a pessoa diz que é uma “pontada”, uma “agulhada”)
As respostas metafóricas para eventos privados são, geralmente descritas através de indução, transferência ou analogias por/com eventos públicos. No entanto, Skinner não se satisfaz com esse método que, de acordo com ele, tem um poder de explicação do comportamento muito enfraquecido. Skinner acredita que só o método experimental pode oferecer uma observação mais fidedigna dos eventos privados, mas esse método, apesar de eficaz, é inviável, pois não é possível formular leis experimentais entre as sensações (neurofisiológicas, sensoriais) e o ato de sentir (um comportamento). Assim, Skinner diz que “[...] não é possível conhecer os eventos privados por que não há como elaborar leis sobre esses eventos com o método experimental”        (ABIB, 1997, p. 134).
Dessa forma, Abib (1997) parte para a verificação do comportamento verbal para averiguar se ele oferece melhores condições de análise dos eventos privados.  Um ponto importante é saber que há diferenças entre comportamentos governados por regra e comportamentos modelados por contingências.
Para Skinner, a experiência está nas contingências e não nas regras. E como as regras não contemplam em sua plenitude a complexidade formal, nem os motivos ou as emoções do comportamento modelado por contingências, empobrecem o significado da experiência. Não traduzem enfim toda a experiência da pessoa que aprende por exposição real às contingências (ABIB, 1997, p. 136).
Skinner é, portanto, cético em relação à possibilidade de conhecimento dos eventos privados. E muitos críticos da teoria usam desse ceticismo para caracterizar a teoria operante como limitada. Abib (1997) defende, no entanto, que o entendimento sobre o que é linguagem, comportamento verbal e significado podem contornar esse impasse.

Parte 6 – Linguagem, comportamento verbal, cultura e subjetividade
Analisar os eventos privados a partir da linguagem é uma resposta positiva de Skinner para a pergunta “como investigar os eventos privados?”. Mas antes de demonstrar o conceito e os termos envolvidos no comportamento verbal, Abib (1997) faz o contraponto com as teorias da linguagem, que podem ser de dimensão:
1.      Sintática: é uma teoria mais estruturalista da linguagem;
2.      Semântica: são teorias representacionais do significado;
3.      Pragmática: aplicação da linguagem por seus usuários.
Para Skinner (1957 apud ABIB, 1997, p. 140), “‘o comportamento verbal refere-se ao comportamento dos indivíduos [...] [enquanto que a] ‘linguagem’ refere-se às práticas de uma comunidade linguistica e não ao comportamento de qualquer um de seus membros”. O comportamento verbal mantém uma relação não direta com o ambiente, pois necessita de uma mediação, ao contrário do comportamento não verbal. Ele é enfim, social, pois necessita dessa variável social para produzir consequencias no ambiente. Além disso, o comportamento verbal se refere à situações momentâneas nas quais determinada resposta verbal tem maior ou menor probabilidade de ocorrência.
O comportamento verbal tem alguns tipos específicos:
·         Ecóico: a resposta verbal é similar ao estímulo;
·         Textual: a resposta verbal se relaciona a um estímulo escrito;
·         Mando: uma resposta verbal (ordem) que é reforçada por consequências ambientais;
·         Tato: resposta verbal que se relaciona com objetos e eventos (descrição);
·         Intraverbal: resposta verbal que faz referência a algo que não pode ser mostrado.
Abib (1997) ressalta que essa visão de Skinner é uma visão contextualista-pragmatista da linguagem. “[...] se o fenômeno é dependente do contexto, então o contexto está integrado ao fenômeno e a relação entre eles é interna, indissociável e intrínseca” (ABIB, 1997, p. 142). As regras não governam acontecimentos do mundo lá fora. Elas governam as respostas dos homens que redizem ou tentam explicar algo.
E o significado? Qual é o significado desse conceito para Skinner? Na teoria operante, é preciso dizer antes de mais nada que o significado se dá na (e apenas na) relação entre situação, comportamento e consequências (tríplice contingência). Além disso, o significado é história, mergulhado na história pessoal do indivíduo. É o comportamento verbal que oferece a possibilidade de compreensão do significado que as pessoas dão a uma situação (que pode ser eventos privados).
[...] as descrições que uma pessoa faz de um acontecimento, de um episódio ou período de sua história passada com respeito à situação atual refletem as transformações que esse acontecimento, episódio ou período sofreram pelos acontecimentos também passados mas que lhes sucederam (ABIB, 1997, p. 148).
Abib (1997) ressalta que é nesses eventos que o pesquisador pode conhecer os eventos privados. Não é uma descrição, mas sim, uma interpretação com base na interpretação do próprio analisado sobre seus eventos privados.
Temos agora a noção de que Skinner tem duas respostas sobre o conhecimento de eventos privados: a negativa e a positiva. A resposta negativa diz que é impossível formular leis para os eventos privados com base em leis experimentais. É, portanto, uma incapacidade do método, e não uma consequência da natureza “estranha” do fenômeno. A resposta positiva, por sua vez, demonstra o abandono de Skinner em tentar conhecer diretamente os eventos privados, partindo para métodos inferenciais e indiretos.
Se é verdade [...] que Skinner abandona o método experimental como via de acesso aos eventos subjetivos, seria de se esperar que com a teoria do comportamento verbal, com a teoria funcional do significado e com a retomada de seu método limitado mas legítimo de conhecimento da subjetividade ele também recuperasse as metáforas. Mas não (ABIB, 1997, p. 152).
Skinner acredita em duas coisas: (1) metáforas é assunto para as comunidades literárias e (2) a comunidade científica lida com descrições literais, rigorosas e fiéis dos eventos. E é nesse ponto que Abib (1997) faz uma crítica a Skinner, pois ele lembra que a teoria operante é uma metáfora da teoria da seleção natural. Ou seja, também é uma teoria metafórica, igual às demais que são alvos da crítica skinneriana. Por exemplo, sabemos que Skinner criticou as teorias conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais pelo uso de metáforas. Mas a teoria operante também é imersa em várias metáforas, o que torna ela própria alvo das críticas de seu fundador. Dessa forma, Abib (1997, p.157) diz que “se o pensamento científico é efetivamente metafórico, então o problema não reside na criação e no emprego de metáforas na ciência, mas sim nas dimensões que lhes são atribuídas pela imaginação científica”.
 Dessa forma, se conclui as colocações principais de Abib (1997) sobre esse tema. A leitura é bastante pesada, e além disso, dá a sensação de que o assunto não se esgotou, que há ainda mais coisas a serem descobertas sobre o posicionamento do Behaviorismo Radical sobre a questão da subjetividade. No entanto, tudo o que temos é que, se não podemos acessar nenhum evento privado diretamente, qualquer estudo sobre ele deve residir sobre o comportamento verbal dos indivíduos.

REFERÊNCIA
ABIB, José Antônio Damásio. Teorias do Comportamento e Subjetividade na Psicologia. São Carlos: EDUFSCar, 1997.

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