segunda-feira, 7 de abril de 2014

"Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações. ", de Marcos R. Silva e Lucas R.P. Paulino

 A leitura de hoje será sobre o artigo “Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações”. Escrito em 2011 na Revista Natureza Humana, é de autoria de Marcos Rodrigues da Silva e Lucas Roberto Pedrão Paulino. Marcos Rodrigues da Silva possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo e atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina. Lucas Roberto Pedrão Paulino, por sua vez, é psicólogo pela Universidade Estadual de Londrina, especialista e mestre em Filosofia pela mesma universidade e, atualmente, doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo.
Para demonstrar os argumentos, o artigo utiliza um texto escrito pelo próprio Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), intitulado “A critique of psychoanalytic concepts and theories”, no qual Skinner faz suas críticas às teorias psicanalíticas. A crítica de Skinner recai sobre os aparatos mentais (consciente, inconsciente, id, ego, superego, etc.) da teoria psicanalítica. De acordo com ele, “[...] tais aparatos [...] não são delimitados com precisão dentro da própria teoria psicanalítica e, por isso, geram inúmeros problemas. Freud teria concebido seu objeto disposto em algum lugar da mente, não necessariamente físico, mas que, ainda assim, poderia ser descrito e explicado em termos físicos” (SILVA e PAULINO, 2011, p. 147).
Antes de fazer as considerações, os autores delimitam o que é o Behaviorismo Radical, local de onde Skinner se coloca para criticar as teorias psicanalíticas. Dessa forma, Entende-se Behaviorismo Radical como a filosofia que embasa a Ciência do Comportamento. O Behaviorismo Radical é um dos muitos behaviorismos existentes. Apesar de ser o que é mais praticado na comunidade científica atualmente, não é a única forma de recorrer ao comportamento como forma de explicar a vida humana. Além disso, os behaviorismos não são teorias unificadas, que concordam entre si.
Ele (o Behaviorismo Radical) difere dos outros behaviorismos – por exemplo, o behaviorismo watsoniano, cujo padrão explicativo é estímulo-resposta (S-R); os behaviorismos hullniano e tolmaniano, cujo padrão explicativo é estímulo-mediador-resposta (S-M-R) – pela demonstração do modelo operante do comportamento. Neste, o comportamento, entendido como um processo (Skinner, 1953, p. 15) que envolve a interação entre um estímulo/contexto, uma resposta e uma consequência (definindo o padrão S-R-C); é explicado pela descrição de sua regularidade e determinado pelas suas consequências (SILVA e PAULINO, 2011, p. 146).
Uma das preocupações de Skinner com a teoria behaviorista radical foi na delimitação do seu campo de estudo (ex: significado de “comportamento), pois para ele toda a ciência deve delimitar a área sobre a qual irá se debruçar. Desse entendimento, decorre a interpretação skinneriana dos pressupostos freudianos. Para Skinner, Freud não descobriu o inconsciente, o id o ego e o superego, mas o inventou. Ele elaborou um modelo causal com três aspectos principais: evento ambiental, estado mental e sintoma comportamental. E a explicação comportamental advém do estado mental. “Esse tipo de explicação gera os problemas de como observar e manipular o estado mental, e é inadequado para representar a história ambiental, dificultando o estudo do comportamento como uma variável independente e obscurecendo as variáveis ambientais pela sua transformação em eventos internos” (SILVA e PAULINO, 2011, p. 150-151).
Assim, alguns problemas decorrentes dessa forma de explicação comportamental é vista por Skinner nessa teoria. Primeiro, que o comportamento passa a ser uma mera expressão de eventos mentais; segundo, que a probabilidade de um comportamento ocorrer é tratada como algum tipo de modificação interna, como aumento ou diminuição da quantidade de energia libidinosa, instintiva ou de tendências agressivas; terceiro que os comportamentos são frutos da aquisição de eventos internos; quarto, que tratamento do comportamento como dado observável inexiste; e por último, que essa explicação se afasta dos problemas científicos legítimos relacionados ao estudo apropriado do comportamento.
O artigo [de Skinner] conclui dizendo que a teoria psicanalítica não permite a experimentação de seu objeto e, no máximo, deve esperar que as descobertas de ciências como a neurologia venham a satisfazer suas analogias. [...] a crítica do artigo é proveniente de uma crítica maior direcionada às teorias que estabelecem um objeto de estudo fora do domínio da própria teoria ou que não delimitam seu objeto de estudo, tornando-o de difícil acesso ou controle, se é que pode ser acessível ou controlado (SILVA e PAULINO, 2011, p. 151).
O artigo de Silva e Paulino (2011) se conclui com o tópico “Algumas considerações filosóficas”. A tese final levantada pelos autores diante da leitura do artigo de Skinner é de que este não exige de Freud correlação empírica de seus conceitos teóricos. Usando como exemplo a Física, que usa muitas vezes como forma explicativa entidades que não necessariamente tem correlações empíricas, Skinner defende que o importante é que um conceito científico mantenha relações com outros conceitos já consagrados dentro da própria abordagem teórica. Como síntese final, entendemos que a teoria freudiana (bem como as demais teorias cognitivas/mentalistas) não demonstra essas relações internas entre os seus demais construtos teóricos.


REFERÊNCIA

SILVA, Marcos Rodrigues da; PAULINO, Lucas Roberto Pedrão. Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações. Natureza Humana, vol.13, n.2, pp. 144-155, 2011. 

“Eu Não Faço A Menor Ideia Do Que Eu Tô Fazendo Com A Minha Vida” – uma lição de existencialismo cool

Assisti essa semana o filme “Eu Não Faço A Menor Ideia Do Que Eu Tô Fazendo Com A Minha Vida”. Direção de Matheus Souza, o filme conta a história de Clara, personagem interpretada por Clarice Falcão, uma garota que aos seus plenos vinte anos de idade se encontra perdida, sem saber o que está fazendo com própria vida. Pressionada pelos pais (interpretados por Nelson Freitas e Bianca Byington) a seguir a carreira de Medicina, profissão essa exercida por todos da família, Clara logo se sente insatisfeita com essa “escolha”. Passa então a matar as aulas e a frequentar um espaço destinado a jogos de boliche. Lá, Clara conhece Guilherme (Rodrigo Pandolfo), um rapaz que a ajuda muito nesse momento de crise.


Uma das impressões finais que tive do filme (a menos relevante na verdade) é que o filme, apesar de ser categorizado no gênero “Comédia”, não tem a comédia em si como seu foco. Na verdade, há poucos momentos cômicos. No filme, e a grande parte deles não são momentos cômicos forçados, mas que demonstram a ironia da vida e de situações cotidianas. Um dos momentos que ri muito, por exemplo, é quando o pai de Clara manda ela ficar de castigo em seu quarto sem televisão, e ela (como boa filha que é) fica de castigo conectada na internet. É um momento cômico por que demonstra essa falta de entendimento entre jovens e adultos, onde o pai já não entende que deixar o filho trancado no quarto e de castigo está longe de ser um castigo. Mas, como disse, essa é a minha impressão menos relevante.


Como estudante fanático por temas da Psicologia, vi nesse filme uma fonte riquíssima de conteúdos para serem trabalhados numa aula de Orientação Profissional. Digo isso não apenas por conta da temática geral, que lida com a escolha profissional (apesar de que, como direi mais a frente, não é exatamente esse o ensinamento que o filme nos traz). Dou essa sugestão também pela atualidade como o assunto foi tratado. A cultura pop, atual, os anseios jovens, a forma como vivemos hoje é abordada de forma tão rica que traz uma visão mais complexa de algo que parece fácil de ser discutido, que é a escolha profissional. Eu, como jovem-adulto-ainda-adolescente-e-com-várias-crises-juvenis me senti muito identificado com a personagem. Em momentos em que todos nos exigem escolhas rápidas, é fácil nos encontrarmos despreparados e chegarmos a um ponto onde notamos que não sabemos mais para onde estamos indo. Esse é um assunto muito bem ilustrado na parte em que Clara, apesar de sentir a inquietude de não saber para onde está indo, diz nunca ter parado para pensar em sua vida.


No entanto, o filme (como já disse) vai além da mera escolha profissional. O filme toca um ponto doloroso, que fazemos questão de manter escondido, que o fato que é o não saber nada sobre nós mesmos. Não mais nos auto-conhecemos, não sabemos nada sobre nós, somos completamente alienados sobre o nosso eu. Na passagem em que Clara faz um vídeo para concorrer a uma vaga no Big Brother Brasil, Clara ressalta que o seu defeito é não ter personalidade, o que a torna flexível a ser qualquer coisa. Mas ela não é exatamente flexível. A prova disso é a sua insatisfação em cursar Medicina. Algo que tenho dificuldade em dizer que é só fruto da nossa sociedade atual, mas que me parece possível ser real, é a rapidez e o excesso de informação. Temos que conhecer o mundo, mas e nós, onde ficamos?! Clara sente isso, e apesar de não pensar profundamente sobre, toma certas decisões, como por exemplo ter o mínimo de informação possível, pois sente medo que no dia em que ela se descubra, sua cabeça já esteja lotada. Nota: essa é também uma parte em que morri de rir (metaforicamente falando).


Minha crítica ao filme é sobre o único fato que não me permitiu uma identificação completa. Simplesmente não há personagens negros ou pardos na narrativa. Eles existem apenas durante o momento em que Clara está produzindo um documentário pessoal. Aliás, o filme conta a história de uma autentica integrante da classe média alta carioca, e por essa razão, não expõe algumas verdades vivenciadas por jovens da classe mais baixa, como por exemplo, o fato de que a escolha profissional é uma questão de sobrevivência. Senti realmente falta disso, de uma interação maior com a realidade pobre.
Por fim, ressalto a mensagem mais importante do filme, e que toca pontos que talvez passem despercebidos a quem está assistindo. Na cena que considerei mais emocionante, e que ocorreu nos momentos finais do filme, Clara expõe ao seu pai a falta que sente de ter um pai presente, que saiba mais sobre ela e “a leve pra passear no Jardim Botânico”. Essa cena é sublime justamente por que quebra uma tese formada no decorrer do filme, que é a ideia de que jovens (e só os jovens) tem problemas existenciais que atingem de forma contundente a profissão ou a escolha dela. Quando Clara termina sua “catarse”, o pai dela diz a frase “Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida”. Ou seja, adultos tem sim vários momentos de crise, e muitos deles acabam atingindo justamente quem eles mais amam. Foi um momento que quebrou meu coração, e notei que ainda sou humano (só não sei se isso é uma notícia boa...).

Um filme bom, calmo, tranquilo, com ótimo roteiro e atores muito competentes. Aos fãs da Clarice Falcão, é possível notar com mais força o lado atriz dela. E aos que não são tão fãs, um momento muito bom para pensar na nossa existência, pois como o próprio filme nos deixa implícito, é raro termos momentos assim, para simplesmente pensar...

Almoço em família

Domingo. Manhã fria até as oito e meia da manhã, mas quente a partir desse horário. Nada mais comum naquela pacata cidadezinha, esquecida por todos no meio do nada, e provavelmente, até do IBGE. Mas ainda assim, uma cidade orgulhosa de sua cultura, mesmo que invejosa por não fazer parte do rol das cidades mais lembradas do país.
A família do Senhor F. era uma representante fiel do modelo familiar daquela cidade. Ele, o Senhor F., um oficial da polícia militar aposentado, com ideias claras sobre o papel da polícia na sociedade (para ficar claro, um papel igual a dos mocinhos justiceiros. Sua esposa, a Senhora F., uma mulher de idade, concordante com a ideia de seu esposo, e profundamente espantada e irritada com a sociedade que “se perdeu com o tempo”. A única filha do casal, Senhora S., é uma mulher sem grandes ideias políticas, mas facilmente persuadida. Seu esposo, o Senhor S., um homem bom e generoso, mas que deseja uma sociedade mais dura com o caos que se instaura no mundo (seu desejo secreto é ser um justiceiro, mas a sorte lhe deu apenas um serviço público num escritório fechado). O casal tem três filhos; dois deles meros observadores de tudo sem entender nada; o mais velho, a imagem estranha que tem em toda a família, um ser desprezível.
Domingos são sagrados (mesmo que não rotineiros) para o encontro dessa família. O Senhor F. senta-se na ponta da mesa, com sua esposa à direita e seu genro à esquerda, demonstrando a hierarquia bem definida do pai de família. Macarronada, carne assada, arroz, mandioca. Tudo delicioso. Satisfeita com a mesa que está em sua frente, eis que a Senhora F. inicia seu momento filosofal enquanto morde um pedaço de sopa paraguaia.
- Essa Dilma vai acabar com o país mesmo – disse a Senhora F.
- Por que mãe? – perguntou a Senhora S.
- Vai transformar esse país uma Cuba! E o pior que não ta longe de acontecer não. Com essa modinha de direitos humanos, o tanto de bandido que ta sendo livre.
- Ah mãe, é o que eu falo: não consigo ter pena de bandido! Não consigo mesmo! – disse a Senhora S., dando uma olhada rápida ao seu filho mais velho.
- Agora a moda é essa mesmo, Dona F. Defender bandidinho e falar mal da polícia! – falou o Senhor S. enquanto mastigava um pedaço de carne.
- Mas tenho fé que isso vai acabar. Não tão sabendo da nova não?
- O que mãe?
- Tão tentando tomar o governo. Vão trazer uma nova ditadura! – disse Senhora F. com um brilho nos olhos.
- E isso é bom mãe? – perguntou a Senhora S. com um medo visível.
- Claro que é! – disse o Senhor F., que como de costume, só demonstra sua opinião em momentos cruciais. Esse negócio de bandido livre vai acabar. Vão voltar a respeitar a polícia.
- Mas sempre falam que é uma coisa tão ruim... disse Senhora S.
- É, tem umas coisas ruins mesmo. Por exemplo, vai acabar esse negócio de liberdade de imprensa, onde os jornais falam o que quiser. Essa libertinagem de hoje também vai acabar.
- Mas falam também que mataram muita gente nessa época...
- Mataram por que mereciam – disse o Senhor S. Todo mundo fala que a Dilma foi presa, mas ela também fez coisa errada. Só foi preso e morreu quem era comunista, mais ninguém.
- Verdade, só esse pessoalzinho que queria transformar o Brasil em Cuba – disse a Senhora F.
- Nossa. Se for ter esse golpe que a mãe falou, eu vou apoiar então!
- Apóia mesmo! – disse Senhora F. Se tiver um militar que concorra a presidência, eu voto nele.
Todos os adultos da mesa, em coro, disseram “eu também”. O filho mais velho, o ser desprezível que também escutava atentamente , pensou várias coisas, mas manteve-se calado o tempo todo. Seu silencio foi notado, mas não como algo especial, pois todos da família sabiam que aquele ser sempre ficava calado diante de pessoas de bem como eles. As vezes soltava um leve sorriso debochado, as vezes um semblante assustado e em outras vezes, um som muito parecido com um mugido de vaca (hummm...). Na certa ia passar a tarde toda no seu notebook digitando sabe-se lá o que para postar no seu blog inútil. Que assim seja, esse guri não sabe nada de política mesmo!