Domingo. Manhã fria até as oito
e meia da manhã, mas quente a partir desse horário. Nada mais comum naquela
pacata cidadezinha, esquecida por todos no meio do nada, e provavelmente, até
do IBGE. Mas ainda assim, uma cidade orgulhosa de sua cultura, mesmo que
invejosa por não fazer parte do rol das cidades mais lembradas do país.
A família do Senhor F. era uma
representante fiel do modelo familiar daquela cidade. Ele, o Senhor F., um
oficial da polícia militar aposentado, com ideias claras sobre o papel da
polícia na sociedade (para ficar claro, um papel igual a dos mocinhos
justiceiros. Sua esposa, a Senhora F., uma mulher de idade, concordante com a
ideia de seu esposo, e profundamente espantada e irritada com a sociedade que
“se perdeu com o tempo”. A única filha do casal, Senhora S., é uma mulher sem
grandes ideias políticas, mas facilmente persuadida. Seu esposo, o Senhor S.,
um homem bom e generoso, mas que deseja uma sociedade mais dura com o caos que
se instaura no mundo (seu desejo secreto é ser um justiceiro, mas a sorte lhe
deu apenas um serviço público num escritório fechado). O casal tem três filhos; dois deles meros observadores de tudo sem entender nada; o mais
velho, a imagem estranha que tem em toda a família, um ser desprezível.
Domingos são sagrados (mesmo que
não rotineiros) para o encontro dessa família. O Senhor F. senta-se na ponta da
mesa, com sua esposa à direita e seu genro à esquerda, demonstrando a
hierarquia bem definida do pai de família. Macarronada, carne assada, arroz,
mandioca. Tudo delicioso. Satisfeita com a mesa que está em sua frente, eis que
a Senhora F. inicia seu momento filosofal enquanto morde um pedaço de sopa
paraguaia.
- Essa Dilma vai acabar com o
país mesmo – disse a Senhora F.
- Por que mãe? – perguntou a
Senhora S.
- Vai transformar esse país uma
Cuba! E o pior que não ta longe de acontecer não. Com essa modinha de direitos
humanos, o tanto de bandido que ta sendo livre.
- Ah mãe, é o que eu falo: não
consigo ter pena de bandido! Não consigo mesmo! – disse a Senhora S., dando uma
olhada rápida ao seu filho mais velho.
- Agora a moda é essa mesmo,
Dona F. Defender bandidinho e falar mal da polícia! – falou o Senhor S.
enquanto mastigava um pedaço de carne.
- Mas tenho fé que isso vai acabar.
Não tão sabendo da nova não?
- O que mãe?
- Tão tentando tomar o governo.
Vão trazer uma nova ditadura! – disse Senhora F. com um brilho nos olhos.
- E isso é bom mãe? – perguntou
a Senhora S. com um medo visível.
- Claro que é! – disse o Senhor
F., que como de costume, só demonstra sua opinião em momentos cruciais. Esse
negócio de bandido livre vai acabar. Vão voltar a respeitar a polícia.
- Mas sempre falam que é uma
coisa tão ruim... disse Senhora S.
- É, tem umas coisas ruins
mesmo. Por exemplo, vai acabar esse negócio de liberdade de imprensa, onde os
jornais falam o que quiser. Essa libertinagem de hoje também vai acabar.
- Mas falam também que mataram
muita gente nessa época...
- Mataram por que mereciam –
disse o Senhor S. Todo mundo fala que a Dilma foi presa, mas ela também fez
coisa errada. Só foi preso e morreu quem era comunista, mais ninguém.
- Verdade, só esse pessoalzinho
que queria transformar o Brasil em Cuba – disse a Senhora F.
- Nossa. Se for ter esse golpe
que a mãe falou, eu vou apoiar então!
- Apóia mesmo! – disse Senhora
F. Se tiver um militar que concorra a presidência, eu voto nele.
Todos os adultos da mesa, em
coro, disseram “eu também”. O filho mais velho, o ser desprezível que também
escutava atentamente , pensou várias coisas, mas manteve-se calado o tempo
todo. Seu silencio foi notado, mas não como algo especial, pois todos da
família sabiam que aquele ser sempre ficava calado diante de pessoas de bem
como eles. As vezes soltava um leve sorriso debochado, as vezes um semblante
assustado e em outras vezes, um som muito parecido com um mugido de vaca
(hummm...). Na certa ia passar a tarde toda no seu notebook digitando sabe-se
lá o que para postar no seu blog inútil. Que assim seja, esse guri não sabe
nada de política mesmo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário