Certa vez, um tio meu (irmão de
meu padrasto) disse, numa dessas reuniões familiares típicas, que hoje em dia
as coisas estão mais difíceis para nós. De maneira literal, ele disse que “hoje
não se pode mais fazer qualquer piada que já vem um metido a ofendidinho
fazendo mimimi” (sic). Ao meu caro
leitor, que leu o título desse texto e acreditou que eu discorreria sobre o
tema na mesma perspectiva de meu tio, devo dizer que provavelmente irá se
decepcionar lendo os próximos parágrafos. Isso porque irei exatamente ao
caminho contrário, e defenderei aqueles (ou uma grande parcela daqueles) que
são peritos na arte de fazer mimimi.
Dessa forma, quero trazer uma
situação que talvez ilustre melhor esse caso. Recentemente, Renato Aragão, um
humorista muito famoso no Brasil, disse que antigamente os negros e os gays não
se ofendiam com as piadas sobre negros e gays. Inclusive, o Mussum, personagem
da turma dos Trapalhões, já foi um alvo fácil das piadas racistas da turma. O
que Renato Aragão disse é, de fato, verdade, e se aproxima muito do comentário
que meu tio fez. Mas como diria uma professora minha da faculdade, não só de
fatos vive o homem, mas de todas as interpretações e significações que
acompanham tais fatos. Ou seja, tal verdade deveria vir em tom de elogio e
esperança de que algo está melhorando. Mas não é bem assim que ocorre. Quando
tais fatos são ditos, é em tom de crítica que ocorre. Num tom de algo que
mudou, mas não deveria ter mudado.
Mas afinal, o que vem a ser um mimimi? Dentro da minha capacidade limitada
de interpretação, entendo o mimimi primeiro
como uma onomatopéia que visa imitar um choro próprio de crianças pequenas. Mas
não qualquer choro. Não é o choro de fome, de sede, de tristeza, de abandono ou
de fralda suja que a ideia de mimimi busca
se aproximar. É do choro próprio de crianças que se convencionou chamar de
“birrentas”, ou seja, crianças que forçam determinado choro para buscar ter
algo que não é necessário a elas, um choro que visa um fim totalmente fútil
(essa palavra não será mais repetida no texto, mas acho importante guardá-la na
memória). Já ficou claro que, como onomatopéia, o mimimi não é nem um pouco parecido topograficamente com o choro de
crianças “birrentas”. Mas, por algum motivo que desconheço, é o mais próximo
desse choro.
Ora, entendendo o mimimi dessa forma, resta falar a quem
ele é geralmente “dado de presente”. Forçando a memória, lembro que o mimimi já era uma palavra usada quando
eu era criança, e descrevia (obviamente) todas às vezes em que eu fazia “birra”
(sim, eu já fiz muita birra). Mas hoje em dia eu praticamente desconheço
pessoas que usam essa palavra em situações como essa. Talvez seja devido à
minha experiência limitada, mas eu sinceramente desconheço. Ao contrário, tal
frase é geralmente usada com pessoas grandes já, mas pessoas que desejamos na
verdade tomar como verdadeiros bebezões.
Assim, nos dias de hoje, numa
associação grotesca e perversa, passamos a utilizar o mimimi como forma de desqualificar a opinião do outro,
subentendendo que esse outro é um verdadeiro “bebezão birrento”. Ora, quem dá
atenção a uma criança birrenta? Geralmente quando tal atenção é dada, é na
forma de espanto e recriminação, como um pai ou uma tia que diz apenas com o
olhar “Que coisa feia, guri! Pare com isso agora!”. Ninguém tenta conversar com
o bebê birrento e entender o que ele quer e porque o quer. Seguindo essa linha
de raciocínio, dizer que o outro está fazendo mimimi é uma forma de dizer que ele certamente é uma criança,
alguém imaturo e portanto, alguém com o qual não devemos dar o prazer de um
diálogo. E no fundo, o mimimi é isso
mesmo: uma tentativa de acabar com o diálogo e calar a boca desse outro com
quem estamos falando.
Como um internauta inveterado,
já não consigo passar meus dias sem navegar na internet. Seja por diversão,
seja por informação, é quase certo que uma hora eu estarei lá durante o dia. E
quase como uma regra, notei nesse espaço que o mimimi é sempre usado para descrever as palavras de pessoas que
reclamam contra algum tipo de preconceito (racismo, homofobia, machismo,
transfobia, etc.). Lembro inclusive, nas minhas primeiras aventuras pela
internet, que tal palavra era usada para nomear reclamações contra preconceitos
tão naturalizados, que pareciam normais. Um exemplo ainda vívido em minha
memória foi a de um rapaz que disse para uma moça parar de fazer mimimi, isso porque ela estava
reclamando, nos comentários de um texto feminista, sobre o fato dela e sua mãe
ainda serem as únicas responsáveis pelos afazeres domésticos numa casa com mais
três homens.
Apesar e absurdo (pelo menos
absurdo a quem, como eu, ama fazer um mimimi),
essa situação era, e talvez ainda seja, bastante naturalizada no nosso
cotidiano, e mesmo que de maneira forçada, é fácil para nós entendermos porque
grande parte das pessoas entendem as reclamações sobre preconceitos
naturalizados como um verdadeiro mimimi.
Agora o que eu realmente não aceito como algo naturalizado é a violência física
(1), mesmo quando ela é direcionada a grupos historicamente marginalizados.
Digo isso para que fique mais
claro o espanto com que eu fiquei ao ver no facebook, ano passado, os
comentários abaixo de uma notícia (publicada pela Folha de S. Paulo) sobre um
jovem gay que foi agredido justamente por ser gay. Bom, se já não bastasse a
notícia em si ser triste, os comentários eram ainda mais horríveis.
Infelizmente não tenho tal notícia em mãos, mas ainda guardo o horror com que
fiquei ao ler um comentário que um homem fez em resposta as palavras de um
jovem gay que se solidarizou com o caso. Em resumo, o homem disse para esses
gays pararem de mimimi, pois se
andassem que nem homem na rua, isso não teria acontecido. O show de horrores
continuou quando vários comentários de apoio surgiram não ao jovem gay que se
identificou com a notícia, mas com o homem que “teria falado nada mais do que a
verdade”.
Por isso, parei de por um tempo
de ver com bons olhos aqueles que tinham como argumento principal a famosa
frase “pare com mimimi!”. Sei que
parece paranóia minha, mas passei a ver tais pessoas como o tipo de gente com o
qual é impossível travar um diálogo de diferente para diferente (afinal,
diálogo de igual pra igual é fácil). São pessoas que descobriram uma forma
sutil, mas igualmente violenta de calar qualquer um que pensa diferente e
anseia pela quebra de um determinado status
quo.
Na minha curta experiência,
cansei de ouvir minhas palavras serem rotuladas como mimimi, como algo próprio de uma criança birrenta que, justamente
por ser criança, não é passível de entender aquilo que os adultos, e portanto
mais maduros, entendem perfeitamente sobre a vida. Para o bem ou para o mal,
isso me ensinou a mais ouvir do que falar.
De qualquer forma, já aprendi a
aceitar o fato de faço parte de um seleto grupo que tomo aqui a liberdade de
nomear como a geração mimimi. E
talvez como um alívio de espírito, ou uma luta realmente válida, proponho um
novo entendimento desse termo. Em vez de uma palavra que rotule pessoas que não
são dignas de participarem de um diálogo com pessoas que entenderiam de forma
definitiva a realidade, prefiro imaginar agora o mimimi como uma palavra que nomeie ações de pessoas que negam se
calar diante de atrocidades, muitas delas simbólicas e naturalizadas, outras
mais físicas e violentas.Uma geração que cansou de servir de piada àqueles que
hoje “já não podem fazer piada com preto, índio, gay, mulher e travesti”. Uma
geração que diz aquilo que muitos não querem ouvir e não se importam em serem a
ovelha negra (ou colorida) do trabalho, da família, da faculdade e de qualquer
outro espaço.
Proponho essa mudança de
interpretação porque sei o quanto tal palavra consegue calar as pessoas,
ofender quem já se sentia ofendido e desqualificar quem já é desqualificado no
cotidiano. Mas proponho além de todas essas novas interpretações, pelo menos
mais uma: a geração mimimi como a
geração da paciência. Mas por quê? Pelo simples fato de que poucas pessoas
sabem o quanto é difícil dialogar com gente que em vez de debater ideias, agride
seu interlocutor (seja de forma física ou simbólica). Ora, defender uma
sociedade mais justa é muita difícil nessas condições! Só tendo muita paciência
e fazendo muito mimimi mesmo!
OBS:

