Aquele foi um dia diferente para
Lucas. Acostumado a sair de casa ao som de Mozart, Louis Armstrong ou Nando
Reis, Lucas decidiu escutar com seus fones de ouvido os Beatles quando foi ao
supermercado comprar seu pão e um chinelo (afinal, o seu antigo havia arrebentado,
para a alegria de Lucas...). Quando estava escutando Twist And Shout, Lucas se
sentiu o mais rebelde dos seres. Irônico isso, pois Tadeu, após uma breve
surpresa, notou que Lucas ainda era exatamente o mesmo: um magrelo introvertido
de olhos grandes, cabelos castanhos desgrenhados e um certo ar de arrogância.
Quando uma nova música começou,
Lucas saiu de seu transe introvertido e notou uma figura que o estava cuidando
discretamente. “Olhando sem olhar”, ato esse realizado por Lucas com maestria
graças aos seus olhos avantajados, ele notou a familiaridade presente naquela
figura curiosa e, quase que instantaneamente, um frio lhe subiu às espinhas.
Quem diria que logo ali, na sessão de hortifrutigranjeiros (“Que diabos eu tô
fazendo aqui?!?”), Lucas teria um deja vu
de todos os bons e maus momentos que passou há um ano e seis meses atrás...
Obviamente Lucas (e Tadeu também) fizeram o que qualquer pessoa madura e bem
resolvida faria numa situação dessas: fingiram que não viram um ao outro. Mas a
curiosidade era maior do que a ansiedade, e ambos decidiram continuar se
observando discretamente.Uma encenação muito interessante, pois apesar de ambos
os personagens saberem exatamente o que está acontecendo no palco, faz parte do
script buscarem acreditar que não
foram e nem serão notados.
Lucas não conseguiu dizer a si
mesmo o que em Tadeu estava diferente. O mesmo cavanhaque, a mesma barriguinha
conquistada com muito esforço a cada final de semana nos bares da cidade, os
mesmos cabelos castanhos despenteados, o mesmo olhar inocente. Ah, é isso! A
roupa era nova! Uma calça jeans escura, um tênis marrom novo (“Que feio!”,
Lucas pensou) e uma camiseta dos Ramones. Lucas notou também que Tadeu estava “aparentemente”
distraído perto da sessão de biscoitos. “Talvez não tenha mudado tanto assim”,
pensou. Cansado de analisar tomates (“Agora é sério! Não era para eu estar na
sessão de chinelos?”), Lucas decide que é hora de fazer o que deveria ter feito
há muito tempo: comprar seus chinelos. Esperava que tivessem menos modelos
coloridos, pois da última vez teve que comprar um chinelo vermelho, pois só
havia essa cor...
- Lucas?
Dois segundos. Os dois segundos
mais longos da vida de Lucas. Sua respiração parou, seu coração parou, sua
perna parou. Enfim, o mundo parece ter parado por dois segundos. Tempo mais que
suficiente para Tadeu notar o efeito que ainda causava naquele rapaz estranho.
Mas se Lucas tivesse parado de reparar apenas na sua reação e notasse mais as
reações do ser que lhe paralisou, talvez tivesse notado que a ansiedade era
mútua, num grau em que era difícil avaliar quem estava mais desconfortável.
- Olha só! Olá! – disse Lucas,
se virando e fingindo surpresa.
- Te vi faz um tempo, e achei
que você ia ir embora sem nem me cumprimentar – disse Tadeu, encenando uma
falsa preocupação. Falsa nada! O que ele queria era esconder sua preocupação
verdadeira demonstrando ela como se fosse uma encenação. Eu sei, é confuso.
Humanos são confusos!
- Fones de ouvido... – disse
Lucas, já tirando eles do ouvido e já nem se dando conta de qual música estava
escutando esse tempo todo – Sabe como é. Fico “fora do ar” quando coloco meu
fone...
- Sei bem como é. Também sou
desses! – afirmou Tadeu, forçando um riso muito cômico – E então, é aqui que
você vem sempre?
- Só às vezes, quando preciso
comprar muita coisa ou coisas caras. O mercado perto de casa tem uns preços
nada legais. Só dá para comprar uma coisa ou outra...
“Para!”, pensou Lucas. Ele bem
sabia o quanto ficava falante cada vez que estava nervoso. E Tadeu sabia disso.
Sim, certamente aquele era um momento para não demonstrar nervosismo. Tadeu
estava num misto de completo desconforto com a fascinação típica de quem se
depara com uma obra de arte muito bela. É engraçado que, apesar de todos os
esforços da sociedade, a máxima “quem ama o feio, bonito lhe parece” ainda
impera nas situações mais cotidianas.
- Mas e você – continuou Lucas –
Também vem sempre aqui?
- Na verdade não. Fiquei de
passar na casa de uma amiga que mora aqui perto e pensei em levar algo pra
comer – disse Tadeu apontando para um pacote de bolacha que, por ironia do
destino, não estava em suas mãos.
- É, acho que você esqueceu de
pegar – comentou Lucas e rindo tal qual uma criança. Desnecessário dizer o
quanto Tadeu ficou vermelho.
- Pois é... Impossível alguém
acreditar que eu não uso maconha quando faço essas coisas – se explicou Tadeu, forçando
mais uma vez, seu riso cômico.
Lucas bem sabia que tal “brincadeira”
tinha seu “fundo de verdade”, pois ele lembrava bem dos devaneios super fantasiosos
que Tadeu tinha e dividia de vez em quando. Nesse ponto, Lucas era um
conservador enrustido: dizia a todos que era algo que julgava como natural, mas
guardava certa repugnância em seu íntimo. Tais fatos permitem dizer, voltando
aqui ao tempo presente dessa história, que Lucas não riu muito da piada de
Tadeu, e isso não passou despercebido a este:
- Você ainda é o mesmo... –
disse Tadeu, com certo sofrimento em seu tom de voz.
- E você também não mudou muito.
Talvez as olheiras, mas de resto, ainda é o mesmo – respondeu Lucas, forçando
novamente uma piada. Mas o momento já não era mais de piadas mútuas.
- Eu ainda sinto falta de você,
apesar de tudo – declarou Tadeu, sem conseguir esconder os olhos que começavam
a marejar.
- Nós dois sabemos que nada de
bom pode sair de uma conversa como essa, Tadeu...
- Olha aí! – disse Tadeu,
cortando a fala de Lucas – Finalmente falou meu nome. Pensei até que tinha
esquecido de mim.
- Eu e você sabemos bem que é
praticamente impossível a gente esquecer um do outro. Mas eu não quero mais me
iludir. E acho que não foi bom a gente conversar de novo...
- Também, você fez questão de me
bloquear no facebook...
- E você queria o que? Que a
gente voltasse a se falar normalmente? Fingisse que somos bons amigos? Esquecer
que você terminou comigo com uma simples mensagem por celular e depois sumiu
por dias, sem me explicar o que aconteceu? – desabafou Lucas de forma que,
apesar de manter um tom de voz baixo, demonstrava uma grande raiva reprimida.
- É... Parece que eu sou mesmo o
vilão da história. Sei que errei, e queria muito poder explicar, mas só acho
que eu não sou o único culpado.
- Não sei se você precisa explicar
alguma coisa. Você é medroso, e sempre teve medo de assumir algo comigo. Logo
quando eu já estava super ansioso em mostrar pra todo mundo o quanto te amo.
Mostrar que eu também sou capaz de amar...
- Acho que não tem mais o que
falar mesmo. Você ainda é muito voltado pro seu umbigo, e não dá o tempo que as
pessoas precisam. Talvez seus amigos estejam certos e você não seja mesmo capaz
de amar alguém. – disse Tadeu, que sem se despedir, deixou Lucas sozinho na
sessão de hortifrutigranjeiros.
Ao sair para fora, Tadeu lembrou
que não havia pegado o pacote de bolachinha (ou será biscoitos?) que tinha ido
comprar, mas por motivos óbvios, decidiu seguir caminho, pensando no quanto foi
idiota mais uma vez. Enquanto isso, Lucas se viu mais uma vez olhando para os
tomates, e em especial para o que segurou durante toda a conversa, e notou que
ele estava muito mais amassado que os demais. Decidiu esperar mais uns dois
minutos, pois acreditava que ainda poderia encontrar Tadeu na rua, e após esse
tempo, saiu do supermercado, sem olhar para ninguém e pensando no quando foi
idiota mais uma vez.
Esse não foi mesmo um bom dia
para Lucas, pois além de ficar com fome por não ter comprado o pão, passou o
dia descalço, pois fez o favor de também esquecer seus chinelos novos. Logo
ele, que odiava andar de pés de descalços...
Nota: Após um longo
tempo, voltei ao blog e prometo escrever mais textos. Pelo menos dessa vez,
tempo não me faltará, pois estou desempregado (sim, eu finalmente me formei!).
E esse conto faz parte de um projeto pessoal que visa treinar minha capacidade
de contar histórias. Sei que o conto está confuso e mal escrito, mas por favor,
relevem! Não me lembro a última vez que escrevi uma história fictícia e, usando
um termo bem mentalista, achei que estava na hora de tirar da cabeça as milhões
de histórias que rondam minha imaginação. Como podem notar, já sei usar a
hipérbole. Espero usar com moderação nos próximos contos!
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