O que é o céu, senão um todo inalcançável, mas muito
admirado? Uma concretude sem ser concretude? Uma abstração (talvez a única) que
conseguimos ver com nossos olhos? Um "qualquer coisa" que jamais
conseguimos tocar com as mãos? Não sei. Para mim, o céu é um longo nada que,
por ser tão "nada", é capaz de nos mostrar tudo. Dizem que até o Sol
cabe nele...
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
“Teorias do Comportamento e Subjetividade na Psicologia”, de José Antônio Damásio Abib
O livro que será apresentado foi
escrito em 1997 por José Antônio Damásio Abib, e tem por objetivo analisar como
a questão dos eventos privados (pensamentos, sensações, sentimentos, emoções,
etc.) são apresentados, descritos e explicados por várias teorias. Tal objetivo
é importante para Abib poder dar seu segundo passo, que é investigar essa questão
à luz da teoria operacional de Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Abib é graduado
em Psicologia pela Universidade de Brasília. Possui mestrado e doutorado em
Psicologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Epistemologia da
Psicologia pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca. É atualmente professor do
Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da Universidade Federal de
São Carlos (SP) e professor orientador do Programa de Mestrado e Doutorado em
Filosofia na Área de Concentração em Epistemologia da Psicologia e da
Psicanálise também na Universidade Federal de São Carlos (SP). Suas linhas de
pesquisa são (1) Epistemologia e História da Psicologia, (2) Pós-modernismo e
Psicologia e (3) Ética e Psicologia.
Para fim didáticos, dividirei o
resumo desse texto em seis partes. Isso ocorrerá por que o livro traz um
desenvolvimento bastante abrangente sobre várias questões cruciais da Filosofia
da Ciência e das próprias teorias que se propõem descrever e/ou explicar o
comportamento e a subjetividade. Portanto, ressalto que essa divisão foi uma
escolha minha, e que o livro não apresenta tais questões em divisões idênticas.
Esclarecido isso, podemos iniciar a leitura desse texto com a seguinte
pergunta: como a subjetividade é vista pela Análise do Comportamento?
Parte 1 – O Modelo
Reflexo de explicação do comportamento
O texto se inicia dizendo que a
ciência se debruça sobre eventos que são repetíveis. Portanto, a ciência não se
debruçaria sobre aquilo que é episódico. “[...] os fenômenos não se resumem nos
exemplos particulares de sua expressão. Se fosse assim, conceitos gerais seriam
impossíveis e, a fortiori, também a
ciência” (ABIB, 1997, p. 25). No que tange à psicologia, busca-se encontrar
elementos comuns naquilo que é aparentemente episódico (o comportamento). O
objetivo torna-se, então, conceituar, predizer e explicar o comportamento.
Um dos modelos desenvolvidos
para explicar o comportamento é o Modelo Reflexo. “Define-se brevemente o
conceito de reflexo como uma relação entre um estímulo e uma resposta cuja
operação fundamental consiste na apresentação de um estímulo que, sob certas
condições, provoca ou elicia uma resposta” (ABIB, 1997, p. 26). Skinner aponta,
no entanto, que Estímulos e Respostas não são propriedades em si, mas sim,
eventos. São únicos entre si, mas há propriedades em si que podem
classificá-los como classes de estímulos e classes de respostas. Dessa forma,
definimos Estímulo como a energia, a parte do ambiente, podendo ser externo ou
interno a um organismo; e Resposta como o movimento, parte do organismo, que
pode ser pública ou privada. Além disso, são as propriedades dos estímulos e
das respostas que podem ser manipuladas ou medidas.
Entretanto,
esses conceitos de estímulo e resposta são inadequados para definir o conceito
de reflexo. Com efeito, o que é uma mesma resposta em duas ocorrências de um
certo movimento? Como variam as propriedades desse movimento? São algumas
variações importantes ou algumas são mais do que outras e, portanto, devem ser
observadas, medidas e controladas? O que determina a eventual importância de
certas variações em vez de outras? Em suma, o que é estímulo e resposta?
Conclui-se, com Skinner, que esses conceitos não podem ser definidos por suas
propriedades. A definição de estímulo, resposta e reflexo deve ser feito em
outras bases (ABIB, 1997, p. 27).
Para buscar explicar tais
questões, Abib (1997) parte para uma linha de raciocínio que visa explicar os
estímulos e as respostas como eventos. Mas o que isso quer dizer, e qual a sua importância?
“O estímulo é a variável independente e
pode ser manipulada e medida. A resposta é a variável dependente e pode apenas
ser medida” (ABIB, 1997, p. 28). Precisamos ter essas definições em mente antes
de partir para as explicações.
Durante uma investigação
experimental, podem surgir variáveis relevantes ou irrelevantes. As variáveis
irrelevantes não influenciam a relação investigada. Já as variáveis relevantes
precisam ser controladas, pois exercem influencia sobre as variáveis
dependentes. Numa pesquisa experimental onde só temos hipóteses ainda não
comprovadas, todas as variáveis precisam ser controladas, pois não sabemos
quais são ou não são relevantes. “[...] o investigador manipula e mede a
variável independente, mede a variável dependente, mantém sob controle
variáveis relevantes conhecidas permite a variabilidade até certo limite de
variáveis irrelevantes e, por prudência, controla outras variáveis, mesmo que
não saiba se são ou não relevantes” (ABIB, 1997, p. 29). Assim, na investigação
experimental, o pesquisador quer descobrir uma propriedade do estímulo que pode
gerar modificações numa propriedade da resposta. Abib (1997) diz, em certo
momento do texto, que é melhor conceituar as propriedades do estímulo e da
resposta como variáveis definidoras.
Com
efeito, o estímulo e a resposta são eventos. É o conceito de evento que tem a
função de agrupar, tanto do lado do estímulo como do da resposta, as variáveis
relevantes para a definição da relação reflexa, bem como os valores das
variáveis relevantes não enfocados diretamente na pesquisa e ainda os valores
das variações irrelevantes (ABIB, 1997, p. 30).
O reflexo passa a ser, portanto,
a correlação de dois eventos: o evento
estímulo e o evento resposta. Uma
questão interessante é colocada a partir daqui: com variáveis irrelevantes e
relevantes fora do controle, duas apresentações do mesmo estímulo ou da mesma
resposta não produzem estímulos e respostas idênticos. No entanto, a
regularidade que existe entre a apresentação de um estímulo e a ocorrência de
uma resposta são regularidades suficientes para determinar o que é reflexo.
Diante disso, temos duas
possibilidades de interpretação dessas correlações: uma definição de reflexo como
correlação de classes e outra definição
de reflexo como classes de correlações.
Numa definição de reflexo como correlação de classes, “os elementos que
pertencem a determinada classe podem diferir em vários aspectos. Entretanto,
devem conter alguns aspectos, características e propriedades comuns, com a
função de agrupá-los em certa classe, não em outra” (ABIB, 1997, p. 32). Além
disso, o reflexo só pode ser definido como classe quando se descobre uma
relação reflexa. Dessa forma, o reflexo passa a ser, além de evento (já que é
uma correlação de eventos), uma classe de eventos, pois os eventos que a
definem não surgem uma única vez. A
construção de um conceito de reflexo exige a construção de hipóteses universais
(portanto, repetíveis e generalizáveis). “Como uma correlação de classes, o
conceito de reflexo não se refere a esse, aquele ou alguns reflexos, mas sim a
todos eles, aos observados e aos que ainda não o foram” (ABIB, 1997, p. 33).
Essa definição é, acima de tudo, uma hipótese, cuja refutação ou confirmação só
pode ser decidida a partir da metodologia da investigação experimental.
Já a definição de reflexo como classe de correlações “[...] apresenta o
conceito de reflexo como evento único,
acontecimento, episódio – em lugar de um conceito geral, um conceito específico
[como ocorre, por exemplo, ao se definir reflexo como uma correlação de
classes]” (ABIB, 1997, p. 33, grifo nosso). A variável que os agrupa não é
descoberta experimentalmente [como é o caso da definição de reflexo como uma
correlação de classes]. A variável é apenas descritiva, nomeia e descreve um
grupo de reflexos. “E, nesse sentido, é
como classe de correlações (onde é possível atingir reprodutibilidade total) e
não como correlação de classes (onde a reprodutibilidade é apenas parcial), que
o reflexo parece ser mais apropriado para a descoberta de uma unidade de
análise do comportamento” (ABIB, 1997, p. 35). Vale ressaltar ainda que o
conceito de reflexo como correlação de classes respeita as linhas naturais de
fratura do ambiente, do comportamento e das relações que são estabelecidas
entre essas duas partes. Isso não ocorre, no entanto, com o conceito de reflexo
como classe de correlações.
Mas quer dizer essas linhas
naturais de fratura? Para isso, precisamos recorrer às leis do reflexo, que
podem ser primárias ou secundárias. As leis primárias (estáticas) do reflexo
são (1) a lei do limiar, (2) a lei da latência, (3) a lei da magnitude da
resposta, (4) a lei da pós-descarga e (5) a lei da somação temporal. Já as leis
secundárias (dinâmicas) do reflexo são (1) a lei da fadiga, (2) a lei da
facilitação, (3) a lei da inibição, (4) a lei da fase refratária, (5) a lei do
condicionamento e (6) a lei da extinção.
[...]
as leis secundárias do reflexo são formuladas com base na quantidade de vezes
que a resposta é eliciada – que é produzida várias vezes porque o estímulo que
realiza essa função é apresentado várias vezes. Como o estímulo e a resposta
são eventos, as instâncias que ocorrem nos instantes sucessivos apresentam
aspectos, propriedades e valores diferentes. Se as leis secundárias
manifestam-se nessas circunstâncias, então as variáveis que estão fora de
controle – cuja relevância ou não é ignorada no início da investigação – são de
fato irrelevantes, não são definidoras. Seu controle não representa qualquer
utilidade, porque se a investigação demonstrar que é possível obter uma
regularidade, mesmo quando variáveis fora de controle não são capazes de perturbá-la,
então qual é a utilidade de controlá-las? Nesse caso, o controle não é útil,
uma vez que não acrescenta nada ao conhecimento das leis da natureza (ABIB,
1997, p. 37).
O argumento maior a favor do
reflexo como classes de correlações é o de que a reprodutibilidade total, que
põe fora as influências das leis secundárias, não interessa quando ele coloca
em cheque as leis da natureza. Dessa forma, por ser a Psicologia uma ciência
que estuda o comportamento que ocorre em situações naturais (situações essas
que apresentam linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento), ou
seja, cuja reprodutibilidade total é praticamente inexistente, o conceito de
reflexo como correlação de classes é mais útil do que o conceito de reflexo
como classe de correlações.
No entanto, a visão de Skinner
diz que “[...] é possível partir de classe de correlações, atingir a correlação
de classes, e vice-versa. Os dois casos definem limites ideais e a realidade
encontra-se entre esses limites” (ABIB, 1997, p. 39). Para ele, há certos fatos
que definem o conceito de reflexo. O primeiro fato é o estabelecimento de classes
grosseiras de estímulo e resposta devido ao fato de que descrições rigorosas da
relação entre variáveis independentes e dependentes são exaustivas. O segundo é
a possibilidade de definir subclasses e controlar relações reflexas. O terceiro
fato nos lembra que, com o princípio da indução, uma alteração que ocorre em
uma das instâncias é transferida para outra caso tenham variáveis relevantes
comuns. E por fim, o quarto fato é que o controle de variáveis irrelevantes é
inútil no que diz respeito ao reflexo.
Mas então, qual é a definição de
reflexo? “[...] Skinner define: ‘um reflexo, então, é uma correlação de um
estímulo e uma resposta em um nível de restrição marcado pela ordenação de
alterações na correlação’” (SKINNER, 1972b apud ABIB, 1997, p. 40). Tal
definição de reflexo que inclui o princípio da relação não decide entre as duas
definições de reflexo e, de acordo com Abib (1997), é apenas uma hipótese
científica pautada em definições universais.
Parte 2 – O Modelo Operante
de explicação do comportamento
Inicio essa parte do resumo
enfatizando que há, de acordo com Abib (1997), dois tipos de reflexo: o
operante e o respondente. Enquanto o reflexo respondente diz respeito ao tipo
de relação descrita na no tópico anterior, o reflexo operante estabelece uma
forma diferente de relação. Abib (1997, p. 42) aponta que “[...] os comportamentos
operante e respondente são diferentes, por que o operante produz o estímulo e o
respondente prepara o organismo para recebê-lo” (ABIB, 1997, p. 42). Tal
definição é importante ser guardada, pois ela estabelece uma diferença
fundamental no tipo de explicação que se faz do comportamento.
Skinner destaca, de acordo com
Abib (1997), a questão da espontaneidade do reflexo operante, que não mantém
uma relação invariável com os estímulos, ao contrário do reflexo respondente.
“Contudo, afirmar que o operante é espontâneo não significa dizer que não é
determinado. Ambos são deterministas. Só que, no caso do operante, a determinação é mais moderada, é probabilística,
enquanto no respondente, ela é radical, absoluta” (ABIB, 1997, p. 43, grifo
nosso). Dessa forma, a própria denominação conceito de estímulo se modifica nos
dois casos. No reflexo respondente, o
estímulo antecedente é chamado de eliciador,
pois a relação que mantém com a resposta é invariável. Já no reflexo operante,
o estímulo antecedente é chamado de discriminativo,
pois mantém uma relação probabilística com a resposta.
[...]
se o estímulo que precede o comportamento é discriminativo, então não é
possível manipular variáveis do estímulo, como intensidade, duração e o número
de vezes que é apresentado e o intervalo temporal entre apresentações
sucessivas, consequentemente, não é também possível descobrir e formular leis
experimentais. E essa interdição coloca, necessariamente, a questão de saber
quais são as variáveis a serem manipuladas na investigação do operante que
permitam a descoberta e a formulação de suas leis dinâmicas, ou quais são suas
linhas naturais de fratura. Em seguida, após a descoberta dessas variáveis,
compreender a determinação probabilística do operante por meio do estímulo
discriminativo (ABIB, 1997, p. 44).
Ou seja, é preciso saber o
porquê da resposta ocorrer, quais são os fatores (para além do discriminativo)
que causa essa ocorrência. Abib (1997) salienta que Skinner mantém a nomenclatura
de “reflexo”, tanto para operantes como para respondentes, para demonstrar a
questão da determinação do comportamento.
Há determinadas variáveis no
reflexo que precisam ser demonstradas ou revistas para poder entender uma
importante ideia de Skinner. Assim, as variáveis do reflexo são:
1. Variáveis
primeiras: (R) são as variáveis dependentes do evento resposta, e diz respeito
à magnitude e à latência;
2. Variáveis
segundas: (S) são as variáveis independentes do evento estímulo, e diz respeito
à intensidade e duração.
3. Variáveis
terceiras: (A) são outras variáveis do evento estímulo, como número de
estímulos apresentados, número de emparelhamentos ou desemparelhamentos e o
valor dos intervalos.
Skinner resumiu as relações entre
esses conjuntos de variáveis dependentes e independentes com a seguinte
equação: R = f (S, A). Nessa equação, a resposta reflexa (R) é uma função (f)
de variáveis segundas do evento estímulo (S) e de variáveis terceiras (A),
também do evento estímulo.
![]() |
| Equação elaborada por Skinner para definir a relação entre variáveis. |
Tal equação se adéqua de maneira
perfeita na explicação do reflexo respondente. Mas e o operante? “[...] se o
estímulo discriminativo não determina invariavelmente o operante, não é
possível investigar as variáveis segundas do evento estímulo, tampouco seus
efeitos sobre as variáveis primeiras sobre o evento resposta. [...] não é
possível descobrir as leis primeiras do operante” (ABIB, 1997, p. 46).
Dessa forma, o que notamos é que
Abib (1997) nos coloca questões importantíssimas que definem não apenas a
diferença do operante para o respondente, mas também a impossibilidade de se
estudar o operante com base nas leis do respondente. Não ter uma relação
invariável entre estímulos e resposta coloca em cheque a equação R = f (S, A),
usada para determinar o reflexo. Não saberemos o que determina a resposta se o
estímulo não tem uma relação fixa com a resposta. Assim, as leis segundas são
irrelevantes, para não dizer que inexistem. Consequentemente, as leis primeiras
da resposta também são difíceis de serem analisadas. Por fim, as leis terceiras
inexistem, não aparecem, pois suas existências supõem a ocorrência das leis
primeiras e segundas. O que seria a incógnita A na equação R = f (S, A)?
É por isso que temos algumas
modificações no que diz respeito a como estudar o operante. A primeira
modificação é a introdução da variável taxa
de respostas, lei primária do operante, que determina sua força e é
definida como a frequência em que determinada resposta ocorre dentro de um
espaço de tempo. A segunda modificação importante é a inserção da variável contingências de reforço, terceira
variável do operante, que se refere às inter-relações estabelecidas entre o
estímulo discriminativo, a resposta e as consequências reforçadoras. Portanto, “[...]
uma condição importante para que o estímulo resultante exerça efeitos positivos
depende do fato de ter sido produzido pela própria resposta que ele fortalece”
(ABIB, 1997, p. 48).
O estímulo discriminativo é uma
situação ambiental que o organismo discrimina como sendo uma ocasião em que a
emissão de determinada resposta produzirá consequências reforçadoras. Abib
(1997) salienta que o estímulo discriminativo tem determinantes que se encontram
na história passada do organismo. Ou seja, a situação atual só é discriminada
como uma situação que traz consequências reforçadoras se ela estiver na
história passada do organismo. “[...] um determinante próximo ou remoto
inter-relacionado com um determinante presente determinam o comportamento
atual” (ABIB, 1997, p. 50). O conceito de história passada é encontra sua
fundamentação a partir das seguintes evidências:
1.
A apresentação de parte dos estímulos
discriminativos e reforçadores de uma contingência de reforço pode estabelecer
a ocasião para a ocorrência de determinada resposta, da mesma maneira como a
apresentação total desses estímulos estabeleceu a ocasião para a ocorrência da
resposta em uma situação anterior.
2.
Há dois vazios temporais no conceito de
operante. Um entre estímulos discriminativos e respostas operantes. Outro entre
respostas operantes e estímulos reforçadores.
Portanto, para
ficar claro certos pontos apresentados até aqui, precisamos entender que
a relação estímulo-resposta é insuficiente para
balizar a definição do conceito de operante. Assim, no operante, a variável
primeira ou a variável dependente é a taxa de resposta, não a magnitude ou a
latência. E a variável terceira ou independente é a contingência de reforço,
não o emparelhamento de estímulos. Além disso, as variáveis segundas do evento
estímulo não são relevantes para descobrir e formular relações ordenadas na
investigação do operante, já que não há regularidade possível entre a magnitude
ou a latência de um operante e o estímulo discriminativo – recorde-se que esse
estímulo não determina invariavelmente o operante. Logo, não há leis primárias
ou estáticas no operante (ABIB, 1997, p. 52).
A partir
disso, Abib (1997) nos coloca a seguinte questão: se não há leis primárias do
operante, também não há leis secundárias (dinâmicas). E se não há leis
secundárias, impossibilitados estamos em descobrir as linhas naturais de
fratura do ambiente e do comportamento no caso do operante. Como formular
regularidades, portanto? Abib (1997) nos obriga, então, a retomar as discussões
sobre classes e eventos: “[...] o estímulo reforçador não pode fortalecer a
resposta que o precede, uma vez que ela já ocorreu e não há como, portanto, ser
alterada. É a probabilidade futura de ocorrência de respostas da mesma classe
que é modificada” (ABIB, 1997, p. 53). E a lei do condicionamento nada mais é
do que a “[...] relação entre a apresentação de um estímulo reforçador
contingente às respostas da classe e o aumento subsequente na força da classe
de respostas” (ABIB, 1997, p. 54). Aqui fica claro que todos esses conceitos
são definidos à posteriori, depois
que os eventos já ocorreram.
O operante não
se fundamenta, portanto, na relação estímulo-resposta. Suas bases são outras,
como o estímulo discriminativo, emissão espontânea de respostas, consequências
do comportamento e reforço. Ele é mais adequado para a descrição e análise do
comportamento por que está mais bem aparelhado do que o modelo reflexo para realizar
as funções de reconhecimento da interação do comportamento com o ambiente, bem
como para tratar com a determinação probabilística do comportamento. Assim, o
operante tem sua explicação apenas no âmbito das probabilidades, e não das
certezas típicas do determinismo absoluto.
[...] a definição do conceito de operante é um modelo
para a descrição e análise do comportamento, que é uma versão não só do
naturalismo (já que não dispensa suas próprias linhas naturais de fratura do
ambiente e do comportamento), mas também do interacionismo (ou determinismo
recíproco) e do determinismo probabilístico – a contraface de um certo
indeterminismo (ABIB, 1997, p. 56).
É por essas
razões que Abib (1997) faz questão de salientar que o operante é um modelo de
explicação do comportamento mais eficaz do que o modelo do reflexo (aqui já
entendido como o modelo respondente).
Parte 3 – Outros modelos de explicação do comportamento
O presente
tópico tem por finalidade discutir outros modelos de explicação do
comportamento, focando na crítica que Skinner já fez a esses modelos. De acordo
com Abib (1997), a teoria científica tem por meta ordenar os dados da pesquisa
empírica que, via de regra, aparecem de forma caótica e desordenada. Em relação
a uma ciência do comportamento, um pergunta que pode surgir dessa definição de
meta da teoria científica é sobre o papel que a estatística possa ter.
Com ela [a estatística], é possível pela média dos
dados de um ou vários sujeitos demonstrar que a latência aumenta gradualmente à
medida que ocorre o enfraquecimento do operante. Não obstante, para Skinner, a
regularidade do fenômeno da aprendizagem deve ser demonstrada pelo
comportamento do indivíduo, não por técnicas estatísticas, pois, embora ele
investigue regularidades comportamentais, permanece atento às suas
singularidades. Se ocorre desordem de dados comportamentais, deve-se evitar
camuflá-la estatisticamente. Do contrário, o local de formulação da
regularidade é deslocado do comportamento para a estatística (ABIB, 1997, p.
58).
Na teoria do
operante, magnitude e latência da resposta são variáveis dependentes inúteis
para expressar a ordem e a continuidade de um operante. Em seu lugar, a taxa de
respostas é a forma escolhida por Skinner para “expressar a regularidade dos
fenômenos comportamentais”. Quando temos a variável dependente “taxa de
respostas” que varia de forma ordenada e se generaliza nas mais diversas
situações de aprendizagem, a teoria é desnecessária no entendimento de Skinner.
“Essa é a primeira crítica de Skinner ao conceito de teoria. Ainda não se trata
da crítica à função explicativa da teoria. Antes, trata-se da crítica de sua
função ordenadora. Isso procede porque é preciso primeiro ter uma regularidade,
um fenômeno para ser explicado, só depois a explicação” (ABIB, 1997, p. 59).
Há na história
da Psicologia teorias clássicas de explicação do comportamento, sendo elas as
teorias reais-neurofisiológicas, as teorias reais-mentais, as teorias conceituais-neurofisiológicas,
as teorias conceituais-mentais e as teorias rigorosamente conceituais.
As teorias conceituais-neurofisiológicas
são explicações fisiológicas nas quais, através de metáforas, o sistema nervoso
explica o comportamento. O conceito de arco-reflexo é um exemplo de explicações
dessas teorias. Para Skinner, o modelo de explicação neurofisiológico (baseado
principalmente na transmissão sináptica) não é adequado para uma ciência do
comportamento por que seu método de explicação é semelhante ao modelo reflexo.
Um modelo que, como sabemos, não é muito útil, salvo situações específicas
(comportamento respondente). “[...] os métodos utilizados na investigação da
transmissão sináptica são comportamentais, não fisiológicas. Consequentemente,
os ‘fatos’ da transmissão sináptica são inferidos, não observados diretamente”
(ABIB, 1997, p. 65). Essas explicações neurofisiológicas conceituais não
inserem nada de novo na explicação do comportamento. Sua diferença às
explicações que recorrem ao conceito de reflexo é meramente ao foco dado: as
teorias neurofisiológicas dão enfoque ao sistema nervoso. No entanto, são
meramente conceituais por que não acessam diretamente o sistema nervoso. São
teorias que inferem sobre o sistema nervoso com base no comportamento
observado. São, por fim, teorias redundantes do comportamento.
As teorias reais-neurofisiológicas são
explicações baseadas na observação direta do sistema nervoso. “A crítica a
teorias reais-neurofisiológicas representa uma defesa da especificidade de
fenômenos e conceitos comportamentais” (ABIB, 1997, p. 67). Ou seja, Skinner
critica bastante o neurofisiologismo. Ele “[...] não admite a redução absoluta
de termos e leis formuladas no nível do comportamento a termos e leis da
ciência neurofisiológica” (ABIB, 1997, p. 68). Dessa forma, tais teorias não
podem ser usadas para explicar todo o comportamento. São úteis sim, mas
geralmente são usadas como uma substituição, e não como um complemento das
explicações da ciência do comportamento.
As teorias conceituais-mentais são
metáforas utilizadas para explicar o comportamento. Um exemplo: “a metáfora do
aparelho psíquico é particularmente enganosa porque é construída por analogia
com o que acontece no nível do comportamento e não acrescenta diferenças que
sugiram métodos de observação direta dos eventos e fenômenos da psique” (ABIB,
1997, p. 69). O aparelho psíquico freudiano inviabiliza qualquer acesso direto
sobre ele. Não é observável. Por consequência, ele é explicado a partir de
metáforas. É impossível se referir a ele sem recorrer a metáforas. Sigmund
Freud é o principal exemplo de teóricos que se utilizam dessa forma de
explicação. Um ponto que vale ser ressaltado é que Skinner concorda com Freud
quando este diz que nem todos os eventos mentais podem ser observados, apenas
inferidos. Skinner acredita que os eventos privados também não possuem acesso
direto. Qual é a sua diferença, portanto, com Freud? Para Skinner,
[...] Freud foi feliz em sua lição sobre a condição
inferencial dos eventos subjetivos. Mas acrescenta que não é possível
aceitá-los para explicar o comportamento porque o aparelho psíquico freudiano
não tem dimensões físicas e isso os coloca numa posição epifenomenal da qual
Skinner só se afasta por meio de sua teoria do significado do comportamento
verbal (ABIB, 1997, p. 71-72).
As teorias reais-mentais são teorias cujo
principal representante é Resultados da pesquisa Wilhelm Wundt (1832 – 1920). As
teorias reais-mentais, ou como é citado no texto, psicologia experimental
introspectiva sistemática, não recorrem a analogias. Fazem um estudo
sistemático sobre sentimentos, pensamentos e volições, considerando-os como
causas do comportamento. Skinner encontra, no entanto, dois problemas nessas
teorias. O primeiro é que eles são essencialmente inferenciais, seus métodos
são sempre direto sobre eventos que não podem ser acessados diretamente. O
segundo problema é que seus métodos não produzem acordo entre observadores, não
é verificável, confiável e nem funcional.
As teorias rigorosamente conceituais não
recorrem a eventos fisiológicos ou mentais. Um exemplo de teórico adepto desse
tipo de explicação é Edward C. Tolman (1886 – 1959). “Na verdade, essas teorias
representam uma tentativa de expurgar os eventos mentais da explicação do
comportamento. E isso é um equívoco, pois fecha a psicologia num silêncio
demasiado cético sobre a possibilidade de conhecer eventos mentais e de
aproveitá-los na explicação do comportamento” (ABIB, 1997, p. 73-74).
Abib (1997)
nos demonstra então como essas teorias se encaixam numa visão Realista, Instrumentalista e Descritivista da
ciência.
[...] a situação
cognitiva das teorias reais-neurofisiológicas e reais-mentais aproxima-se mais
da interpretação realista do que as teorias conceituais-neurofisiológicas e
conceituais-mentais, que estão mais próximas do instrumentalismo. Já as teorias
rigorosamente conceituais são apropriadamente interpretadas pelo descritivismo (ABIB, 1997, p. 75).
Dessa forma, é
justo dizer que as teorias descritivistas são demasiadamente apoiadas num
fisicalismo empírico. Isso ficará claro no próximo tópico desse resumo
Parte 4 – Watson, Tolman e modelos de explicação científica
John B. Watson
(1878 - 1958) tinha a intenção de criar uma psicologia objetiva que definisse o
comportamento a partir de eventos observáveis. Assim, a teoria de Watson
“trata-se de uma teoria objetiva do comportamento,
fortemente reducionista, em que os termos e enunciados teóricos são
radicalmente traduzidos nos termos e enunciados empíricos do reflexo. Watson
não construiu uma teoria rigorosamente conceitual do comportamento, embora
tenham apontado o caminho para fazê-lo” (ABIB, 1997, p. 81).
Para Tolman, o
modelo de Watson serviria apenas para “lidar com contrações musculares”. Apesar
de Watson estabelecer essa aproximação íntima entre fisiologia e psicologia,
Abib (1997) ressalta que Watson nunca definiu estímulo e resposta, fato que
Tolman desconhece.
“Segundo Tolman, o ato comportamental apresenta três
características gerais. Primeiro, o comportamento é dirigido para objetivos e
metas ambientais. Segundo, o organismo envolve-se com atividades e com objetivos
do ambiente que são necessários para atingir aqueles objetivos e metas.
Finalmente, existe uma prontidão maios nos organismos para selecionar meios,
atividades e objetivos do ambiente que sejam mais fáceis e mais rápidos para
alcançar objetivos e metas ambientais. O organismo pretende alcançar certos
fins quando se comporta e para isso recorre aos meios mais simples” (ABIB,
1997, p. 82).
Dessa forma, o
comportamento (molar) é, para Tolman, proposital e cognitivo. Mas o que é
propósito? Abib (1997) destaca que é a prontidão do organismo para continuar a
buscar soluções para seus problemas. “Há plasticidade porque o organismo
modifica incessantemente suas ações na busca de meios mais simples e mais
fáceis, e há persistência porque quer, ao fim do cabo, adequá-los à consecução
da meta” (ABIB, 1997, p. 84). E cognição? Para Tolman, o comportamento de um
organismo se modifica na medida em que ele tem sucesso ao atingir suas metas. O
conceito de cognição diz respeito justamente a essas alterações e modificações.
Há semelhanças
e diferenças entre as teorias de Watson e Tolman. A semelhança reside no fato de
que ambos tentaram definir objetivamente o conceito de comportamento. Já a
diferença está no fato de que Tolman recorreu a conceitos mentais para tanto.
Cognição e propósito são termos mentalistas, mas para Tolman, não se encontram
na mente, mas sim, no comportamento (sendo, ao mesmo tempo, do comportamento).
Assim, é importante sabermos que a teoria elaborada por Watson não é
rigorosamente conceitual, mas abre espaço para teorias desse tipo. Tolman foi
um teórico que “seguiu a deixa” de Watson e elaborou uma teoria rigorosamente
conceitual, ou seja, que não recorre a dimensões neurofisiológicas e mentais,
apenas na observação. A teoria de Tolman é uma teoria com estrutura formal e
empírica, com uma visão cognitiva (apesar de objetiva) do comportamento.
Dois outros
autores também tentaram criar uma ciência objetiva do comportamento. São eles:
1. Rudolf
Carnap: (positivismo lógico) ênfase no conceito de disposição, onde determinado
organismo tem a disposição para ir ou reagir a determinado estímulo.
2. William
Brigman: defendia, por sua vez, uma definição operacional. Ou seja, o conceito
era o sinônimo correspondente de um conjunto de operações
Por
fisicalismo, entende-se que é uma linha de raciocínio na qual os fenômenos são
operações físicas, mesmo que eles definam conceitos físicos ou mentais. Carnap,
Brigman e Tolman, de acordo com Abib (1997), são exemplos claros dessa linha de
raciocínio. “[...] com o objetivo de construir uma teoria do comportamento que
incluísse termos mentais, definidos objetivamente, Tolman se vale do
fisicalismo metodológico” (ABIB, 1997, p. 90). Mas esse fisicalismo é, para Abib
(1997), reducionista. Esse reducionismo ocorre porque Tolman cria uma teoria
onde o termo definidor (definiens) se
constitui na extensão/domínio e na intensão/significado do termo a ser definido
(definiendum). Trata-se de uma
definição descritiva analítica.
Há, na teoria
de Tolman, um ponto que Abib (1997) acha interessante: Tolman defende que os
eventos comportamentais emergem dos eventos fisiológicos (uma visão
emergencialista, portanto). “Filosoficamente, essa posição de Tolman parece
inconsistente, pois reducionismo e emergencialismo são doutrinas filosóficas
aparentemente conflitivas. Se a orientação do pensador é reducionista, então
não pode ser emergencialista, e vice-versa. Tolman tenta escapar dessas
implicações” (ABIB, 1997, p. 92).
No entanto, é
possível entender isso se recorrermos à ideia de reducionismo moderado. Uma
redução é moderada quando é descritiva, mas não analítica. O termo definidor,
nesse caso, se estende apenas na extensão do definido, e não em seu
significado. Já a doutrina do emergencialismo “[...] pode ser apresentada na
terminologia do reducionismo. Um fenômeno Y é emergente em relação a um
fenômeno X se e somente se Y não pode ser reduzido a X” (ABIB, 1997, p. 94). Val
ressaltar que, enquanto que no emergencialismo radical a redução de fenômenos é
impossível, o emergencialismo moderado defende que o estágio atual das teorias
científicas não apóia nenhuma versão do reducionismo. Dessa forma, o
reducionismo moderado não exclui o emergencialismo moderado (e vice-versa). Tal
relação de coexistência não é compartilhado no reducionismo radical e do
emergencialismo radical, onde ambos se excluem mutuamente. Isso explica o fato
da teoria de Tolman ser reducionista e emergencialista.
“Tolman também
reformula-se e admite que os termos mentais de sua teoria são teóricos.
Argumenta que seus termos disposicionais, suas definições operacionais, suas
variáveis intervenientes são construtos hipotéticos” (ABIB, 1997, p. 98). Ao
reformular sua teoria dessa forma, Tolman deixa de ser um teórico rigorosamente
conceitual, aproximando-se das teorias conceituais-neurofisiológicas e
conceituais-mentais. Os termos mentais agora são reduzidos moderadamente aos
termos comportamentais, da mesma forma que ocorre com os termos
neurofisiológicos.
Após essas
considerações, Abib (1997) faz uma diferenciação entre dois modelos de
explicação (o causal e o teleológico) para situar a teoria de Tolman e
demonstrar suas fraquezas. Uma explicação é causal quando há umas condições que
são cumpridas, sendo elas:
1. Relação
temporal: A é causa de B se A precede B. Além disso, entre A e B não ocorrem
outros eventos, e se ocorrem, deve-se provar que B é consequência de A.
2. Distância
espacial: A e B devem ser espacialmente contíguos.
3. Assimetria
entre eventos: A é causa de B, mas B nunca será causa de A.
4. Necessidade
da causa: A é necessário e suficiente para a ocorrência de B.
A explicação
teleológica, por sua vez, insere uma importante diferença que é notada
inclusive na resposta que ela dá às perguntas dirigidas a ela. Isso diz
respeito ao uso gramatical do termo “para” em vez de “porque”. Além disso, o
acontecimento a ser explicado é posterior (na explicação causal, a causa
precede o efeito). O exemplo a seguir explicita essa diferença:
[...] é noite e uma pessoa dirige-se a um restaurante.
Do ponto de vista da explicação teleológica, várias razões podem ser
apresentadas para essa ação: a pessoa vai ao restaurante para jantar, para
realizar um assalto, para esconder-se da polícia, para beber um drinque com um
amigo, para apreciar uma pela mulher e assim por diante. Do ponto de vista da
explicação causal, é possível referir-se aos desejos crenças da pessoa. Por
exemplo, no caso da solidão, a pessoa vai ao restaurante porque não a suporta
mais e deseja ardentemente encontrar uma maneira de livrar-se dela. Acredita
que um modo de fazê-lo é ver e ouvir pessoas, mesmo estranhas, e um
restaurante, bem ou mal, propicia essa oportunidade. Portanto, o explanans pode ser reformulado na forma
de uma explicação causal, se não fizer referência ao objeto desejado que
frequentemente é referido pelo termo ‘para’ (ABIB, 1997, p. 102).
Assim, Abib
(1997) ressalta as particularidades da explicação teleológica para
diferenciá-la definitivamente da explicação causal. A explicação teleológica se
refere sempre aos fins ou aos estados terminais do evento a ser explicado. É
retrospectiva, portanto: necessita do evento completo para que este seja
explicado. A previsão é impossível nessa explicação, visto que, como já dito, a
explicação ocorre após a ocorrência do evento, e não antes.
A teoria de
Tolman insere-se no modelo de explicação causal. Mas em seu primeiro momento,
sua teoria foi circular e redundante. Isso foi modificado quando Tolman
estabeleceu a segunda versão de seu modelo cognitivo.
Em sua segunda versão, a teoria comportamental de
Tolman rompe com a circularidade e redundância da explicação do comportamento
porque, nesse caso, os termos mentais de sua teoria referem-se [...] a dimensões
neurofisiológicas e mentais - [...] uma predição altamente provável não
significa certeza absoluta, nem inevitabilidade (ABIB, 1997, p. 108).
A segunda
versão da teoria de Tolman é simultaneamente uma interpretação instrumentalista
(usa de metáforas mentais e fisiológicas) e realista (pois pode se referir a
dimensões reais neurofisiológicas e mentais). Numa interpretação
instrumentalista, “[...] a estrutura formal da teoria representa apenas um
dispositivo para explicar e predizer os fenômenos investigados pela teoria.
[...] Não há qualquer defesa de que os enunciados da teoria refiram-se à
natureza última da estrutura do real” (ABIB, 1997, p. 109). Já numa
interpretação realista, a “[...] tese de que seus enunciados referem-se à
natureza última da estrutura do real” (ABIB, 1997, p. 109).
Parte 5 – Pressupostos da Teoria Operante
Skinner, assim
como Tolman, também reformulou a sua teoria, criando uma segunda versão. Nessa
versão, Skinner reconhece que as variáveis intervenientes são dispensáveis.
Isso é visível na sua definição de motivação, que estaria entre a operação e o comportamento,
ou seja, um conceito hipotético. Além disso, a teoria operante é próxima a uma
teoria rigorosamente conceitual do comportamento.
Não há referência [...] a nenhuma propriedade além
daquelas que se observam no ambiente, no comportamento e nas relações que se
estabelecem entre eles. Os estados intermediários são variáveis intervenientes
que se relacionam, pois determinado impulso pode interagir com outro, com uma
emoção ou com o condicionamento. Sendo assim, a força de um operante pode ser
determinada por uma constelação de variáveis intervenientes relacionadas. Isso
significa que essa teoria apresenta estrutura formal cujos enunciados teóricos
relacionam-se qualitativamente (ABIB, 1997, p. 111).
As teorias de
Skinner e Watson são semelhantes por que ambas não possuem uma estrutura
formal, apenas empírica. Mas são diferentes por que o modelo de Watson é o
reflexo, e de Skinner o operante, além do fato de que Skinner oferece
possibilidades de conhecimento dos eventos privados. Abib (1997, p. 115)
salienta que Skinner se afasta do instrumentalismo e do realismo ao se propor
investigar eventos privados.
A teoria operante
é elementar e fundamental, ou seja, é baseada em termos e enunciados empíricos,
observacionais. Quando várias relações são observadas e seus resultados são
idênticos, infere-se que todas as relações são idênticas. É o princípio de
indução, a base da filosofia indutivista da ciência. Vale ressaltar que nessa
concepção, observar é, simultaneamente, interpretar. “A observação é uma
experiência privada. É por isso que a passagem da observação para enunciados
observacionais não representa uma justaposição perfeita entre o que ocorre na
observação e o que o enunciado diz” (ABIB, 1997, p. 118). Tal experiência
observacional privada é, depois, formulada em um enunciado público capaz de
também ressaltar dados públicos. É possível, no entanto, falsificar dados observacionais.
O exemplo de Abib (1997) demonstra que apenas testes, investigações,
comparações e experimentos são capazes de dar veracidade ao dado observacional.
A passagem de enunciados observacionais para
enunciados universais traz à tona o problema da indução. O princípio da indução
representa uma inferência indutiva legítima. Mas não há nenhuma garantia lógica
de que o próximo A observado seja B. Se é afirmado que todos os A observados,
sob várias condições, são, sem exceção, B, e infere-se que todos os A são B,
isso não garante que o próximo A a ser observado seja, necessariamente, B. Na
verdade, se o próximo A for B, não haverá qualquer contradição lógica em
afirmar que todos os A observados são B, e que nem todos os A são B. Por
exemplo, se todos os cisnes são observados até agora são brancos e o próximo
cisne observado é negro, não há nenhuma contradição lógica em afirmar que todos
os cisnes observados são brancos, mas que nem tosos os cisnes são brancos
(ABIB, 1997, p. 120).
A teoria
operante “[...] é uma teoria científica no sentido da filosofia indutivista
ingênua da ciência, porque seus termos e enunciados observacionais fornecem os
fundamentos para a formulação de enunciados universais” (ABIB, 1997, p. 122) A
teoria operante também está, no entanto, em consonância com a teoria
indutivista sofisticada da ciência, pois seus termos estão impregnados de
teorias. Ex: estímulo discriminativo, contingência de reforço, etc. A
causalidade da teoria é uma causalidade moderada, pois os eventos são
determinados não apenas por seus antecedentes, mas também, por seus
consequentes. Como uma consequência afeta um evento que já ocorreu? Skinner
recorre ao conceito de classes, ou seja, onde são os eventos similares ao
evento primeiro que são alterados.
O
comportamento, na teoria operante, não é 100% previsível. Ele é apenas provável,
baseado em probabilidades. Ele altera o ambiente, modifica-o, sem deixar,
contudo, de também ser modificado por ele. É por isso que
não há defesa lógica possível para a tese de que essa
teoria comporta o conceito de sujeito passivo ou de um sujeito cuja ação
absolutamente determinada e que deixa implícito que o conceito de sujeito deve
ser relegado para estruturas exclusivamente históricas, sociais e ambientais
(ABIB, 1997, p. 126).
Temos,
finalmente, condições de pensar nos eventos privados. Abib (1997) ressalta que
o conhecimento dos eventos privados esbarra no conhecimento do outro e no auto-conhecimento.
Mas tudo isso com uma consideração importante: a o negar a ideia cartesiana que
divide corpo e mente, Skinner é defensor da ideia de que os eventos privados
“[...] são subjetivos não porque são mentais, [...] refere-se apenas à
privacidade desses eventos” (ABIB, 1997, p. 128). Sua diferença reside em seu
acesso.
O problema da
subjetividade esbarra também no ponto observacional. Como se sabe, as teorias
observacionais não são infalíveis, mas um acordo entre observadores pode ser
feito. Mas em relação aos eventos privados, cujo acesso é só para uma pessoa,
tal relação é difícil. É por isso que Skinner (tal qual Freud) acredita que
todo o conhecimento sobre eventos privados é inferencial. Tal inferência pode
ser baseada em três tipos de evidências (o exemplo usado é a dor de dente):
1. A
observação dos eventos públicos que acompanham os eventos privados (danificação
do dente);
2. As
respostas colaterais que também acompanham esses eventos (respostas colaterais
como gemidos, expressões faciais, levar a mão na bochecha);
3. As
metáforas utilizadas para descrever esses eventos (a pessoa diz que é uma
“pontada”, uma “agulhada”)
As respostas
metafóricas para eventos privados são, geralmente descritas através de indução,
transferência ou analogias por/com eventos públicos. No entanto, Skinner não se
satisfaz com esse método que, de acordo com ele, tem um poder de explicação do
comportamento muito enfraquecido. Skinner acredita que só o método experimental
pode oferecer uma observação mais fidedigna dos eventos privados, mas esse
método, apesar de eficaz, é inviável, pois não é possível formular leis
experimentais entre as sensações (neurofisiológicas, sensoriais) e o ato de
sentir (um comportamento). Assim, Skinner diz que “[...] não é possível
conhecer os eventos privados por que não há como elaborar leis sobre esses
eventos com o método experimental”
(ABIB, 1997, p. 134).
Dessa forma,
Abib (1997) parte para a verificação do comportamento verbal para averiguar se
ele oferece melhores condições de análise dos eventos privados. Um ponto importante é saber que há diferenças
entre comportamentos governados por regra e comportamentos modelados por
contingências.
Para Skinner, a experiência está nas contingências e
não nas regras. E como as regras não contemplam em sua plenitude a complexidade
formal, nem os motivos ou as emoções do comportamento modelado por
contingências, empobrecem o significado da experiência. Não traduzem enfim toda
a experiência da pessoa que aprende por exposição real às contingências (ABIB,
1997, p. 136).
Skinner é,
portanto, cético em relação à possibilidade de conhecimento dos eventos
privados. E muitos críticos da teoria usam desse ceticismo para caracterizar a teoria
operante como limitada. Abib (1997) defende, no entanto, que o entendimento
sobre o que é linguagem, comportamento verbal e significado podem contornar
esse impasse.
Parte 6 – Linguagem, comportamento verbal, cultura e subjetividade
Analisar os
eventos privados a partir da linguagem é uma resposta positiva de Skinner para
a pergunta “como investigar os eventos privados?”. Mas antes de demonstrar o
conceito e os termos envolvidos no comportamento verbal, Abib (1997) faz o
contraponto com as teorias da linguagem, que podem ser de dimensão:
1. Sintática:
é uma teoria mais estruturalista da linguagem;
2. Semântica:
são teorias representacionais do significado;
3. Pragmática:
aplicação da linguagem por seus usuários.
Para Skinner
(1957 apud ABIB, 1997, p. 140), “‘o comportamento verbal refere-se ao
comportamento dos indivíduos [...] [enquanto que a] ‘linguagem’ refere-se às
práticas de uma comunidade linguistica e não ao comportamento de qualquer um de
seus membros”. O comportamento verbal mantém uma relação não direta com o
ambiente, pois necessita de uma mediação, ao contrário do comportamento não
verbal. Ele é enfim, social, pois necessita dessa variável social para produzir
consequencias no ambiente. Além disso, o comportamento verbal se refere à
situações momentâneas nas quais determinada resposta verbal tem maior ou menor
probabilidade de ocorrência.
O
comportamento verbal tem alguns tipos específicos:
·
Ecóico: a resposta verbal é similar ao estímulo;
·
Textual: a resposta verbal se relaciona a um
estímulo escrito;
·
Mando: uma resposta verbal (ordem) que é
reforçada por consequências ambientais;
·
Tato: resposta verbal que se relaciona com
objetos e eventos (descrição);
·
Intraverbal: resposta verbal que faz referência
a algo que não pode ser mostrado.
Abib (1997)
ressalta que essa visão de Skinner é uma visão contextualista-pragmatista da
linguagem. “[...] se o fenômeno é dependente do contexto, então o contexto está
integrado ao fenômeno e a relação entre eles é interna, indissociável e
intrínseca” (ABIB, 1997, p. 142). As regras não governam acontecimentos do
mundo lá fora. Elas governam as respostas dos homens que redizem ou tentam
explicar algo.
E o
significado? Qual é o significado desse conceito para Skinner? Na teoria
operante, é preciso dizer antes de mais nada que o significado se dá na (e
apenas na) relação entre situação, comportamento e consequências (tríplice
contingência). Além disso, o significado é história, mergulhado na história
pessoal do indivíduo. É o comportamento verbal que oferece a possibilidade de
compreensão do significado que as pessoas dão a uma situação (que pode ser
eventos privados).
[...] as descrições que uma pessoa faz de um
acontecimento, de um episódio ou período de sua história passada com respeito à
situação atual refletem as transformações que esse acontecimento, episódio ou
período sofreram pelos acontecimentos também passados mas que lhes sucederam
(ABIB, 1997, p. 148).
Abib (1997)
ressalta que é nesses eventos que o pesquisador pode conhecer os eventos
privados. Não é uma descrição, mas sim, uma interpretação com base na
interpretação do próprio analisado sobre seus eventos privados.
Temos agora a
noção de que Skinner tem duas respostas sobre o conhecimento de eventos privados:
a negativa e a positiva. A resposta negativa diz que é impossível formular leis
para os eventos privados com base em leis experimentais. É, portanto, uma
incapacidade do método, e não uma consequência da natureza “estranha” do
fenômeno. A resposta positiva, por sua vez, demonstra o abandono de Skinner em
tentar conhecer diretamente os eventos privados, partindo para métodos
inferenciais e indiretos.
Se é verdade [...] que Skinner abandona o método
experimental como via de acesso aos eventos subjetivos, seria de se esperar que
com a teoria do comportamento verbal, com a teoria funcional do significado e
com a retomada de seu método limitado mas legítimo de conhecimento da
subjetividade ele também recuperasse as metáforas. Mas não (ABIB, 1997, p.
152).
Skinner
acredita em duas coisas: (1) metáforas é assunto para as comunidades literárias
e (2) a comunidade científica lida com descrições literais, rigorosas e fiéis
dos eventos. E é nesse ponto que Abib (1997) faz uma crítica a Skinner, pois
ele lembra que a teoria operante é uma metáfora da teoria da seleção natural.
Ou seja, também é uma teoria metafórica, igual às demais que são alvos da
crítica skinneriana. Por exemplo, sabemos que Skinner criticou as teorias
conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais pelo uso de metáforas. Mas
a teoria operante também é imersa em várias metáforas, o que torna ela própria
alvo das críticas de seu fundador. Dessa forma, Abib (1997, p.157) diz que “se
o pensamento científico é efetivamente metafórico, então o problema não reside
na criação e no emprego de metáforas na ciência, mas sim nas dimensões que lhes
são atribuídas pela imaginação científica”.
Dessa forma, se conclui as colocações
principais de Abib (1997) sobre esse tema. A leitura é bastante pesada, e além
disso, dá a sensação de que o assunto não se esgotou, que há ainda mais coisas a
serem descobertas sobre o posicionamento do Behaviorismo Radical sobre a
questão da subjetividade. No entanto, tudo o que temos é que, se não podemos
acessar nenhum evento privado diretamente, qualquer estudo sobre ele deve
residir sobre o comportamento verbal dos indivíduos.
REFERÊNCIA
ABIB, José Antônio Damásio. Teorias do Comportamento e Subjetividade na
Psicologia. São Carlos: EDUFSCar, 1997.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Hannah Arendt (2012) – o mal é tão banal...
"Nunca
amei um povo. [...] Só amo meus amigos. É o único tipo de amor de que sou
capaz."
O que torna um homem impedido de
pensar? De fazer julgamentos e escolhas morais? De sentir? Vários filmes já
tentaram demonstrar essa pergunta e dar possíveis respostas. Mas
definitivamente, é o filme de Margarethe von Trotta que demonstra de forma
paradoxalmente arrogante e sutil a resposta para essa pergunta instigante.
Trata-se do filme Hannah Arendt (2012), onde uma parte importante da vida dessa
importante filósofa e pensadora política nos é contada.
O evento escolhido a ser
mostrado as telas de cinema por Margarethe von Trotta é o julgamento de Adolf
Eichmann, importante chefe nazista capturado em Buenos Aires e levado a julgamento
até Jerusalém. Hannah Arendt (Barbara Sukowa), vendo aí uma oportunidade de
compreender toda a barbárie que ela sofreu na pele, acompanha esse julgamento para
o Jornal New Yorker. Hannah esperava ficar frente a frente com um monstro, mas
o que viu foi muito diferente do esperado. O que ela viu foi, na verdade, um
homem que não demonstrava perigo algum, seguia ordens cegamente, agia de maneira
técnica e desconhecia (ou desprezava) qualquer pensamento ético (por isso o
termo “banalidade do mal”, ideia desenvolvida pela filósofa por todo o resto de
sua vida). Ao concluir se artigo, dividido posteriormente em cinco partes pelo
New Yorker, os pensamentos de Hannah não foram bem recebidos pelo público.
Acusada de defender “um monstro” e acusar os judeus, Hannah foi atacada
inclusive por amigos próximos seus.
Há, no filme, imagens que se
identificam com um possível arquétipo ou representação social do que é ser um
filósofo: um pensador, olhando para o nada, sempre refletindo e sempre
solitário. E essa imagem é vista não apenas no começo e no fim do filme, mas em
todo o seu decorrer, com a intenção clara de mostrar uma Hannah reflexiva,
pensativa, filósofa. Tal representação se identifica com algo típico do cinema
americano em criar heróis solitários que lutam contra tudo e contra todos. E a
história de Hannah Arendt cai como uma luva nesse ideal.
Mas, se tal filme traz essa
grande semelhança com outros filmes produzidos nas terras d’O Grande Irmão, ele
também traz uma diferença fundamental, que é sobre quem é realmente a(o) protagonista
da história. Somos levados, inicialmente, a pensar que Hannah é a protagonista,
mas logo notamos que o papel principal fica ao pensamento, essa entidade
abstrata capaz de grandes mudanças. Recorrendo ao que foi dito anteriormente
sobre a representação do herói e pensador solitário, notamos que a ênfase
nessas cenas tem por motivo colocar em destaque é o pensamento, e não Hannah. E
é a luta de pensamentos que encena nesse palco que tem como pano de fundo a
história de Hannah e de um sistema totalitarista caído (o nazismo).
Entendemos com o passar do
filme, que Hannah Arendt não defendia Adolf Eichmann. Ela, ao contrário,
tentava mostrar que o problema era mais complexo, e não se resumia a um único
homem torturador, mas sim, em todo um sistema. E digno de nota merecem também
as reações histéricas de judeus pelo fato de Hannah não considerar Eichmann um
monstro demoníaco. Hannah estava privando as massas do imenso prazer
compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado, ao
tirar do algoz a característica de monstro.
Um último ponto, mas não menos
importante, são os diálogos da jovem Hannah (Freiderike Becht) com o seu antigo
professor Martin Heidegger (Klaus Pohl), em cenas de flashback, são também
memoráveis. Subentende-se que o amor que a jovem Hannah teve por seu professor
no passado não está totalmente inexistente em sua vida madura. Hannah Arendt é
um filme recomendado a quem ama ou se sente atraído pela filosofia e/ou pela
história. Mas é um grito silencioso para quem não está disposto a reconhecer a
humanidade dentro da monstruosidade.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Pele negra ou parda? Boné de aba reta? Ouve MC Daleste? Fora daqui!
Ter acesso á internet foi, para
mim, uma dádiva e uma maldição. Foi uma dádiva porque ter contato com a
informação foi algo maravilhoso: posso opinar sobre assuntos que ocorrem do
outro lado do mundo, sem que eu precise sair de casa. Mas também foi, como já
disse, uma maldição. Com a internet, notei o quanto o meu povo caipira é
civilizado, e o quanto o povo civilizado é bárbaro. Sim, bárbaro. Bárbaro no
sentido mais agressivo e hipócrita que esse termo possa vir a ter.
Tal barbaridade é, geralmente, velada.
Aparece as vezes de maneira isolada ganha força na medida que ganha adeptos,
mas logo se esvai quando a empatia dá seu grito desesperado (mas sufocado). No
entanto, há momentos em que tal empatia simplesmente não surge. Não é sufocada
por que não há a presença de nada a ser sufocado. E quando isso ocorre, a
barbaridade, na sua forma mais hipócrita possível, toma conta. Isso ocorreu,
por exemplo, no natal de 2013. Citarei esse evento não por ser especial ou
único, mas sim, por que sua repercussão na voz do povo (erroneamente comparada
com a voz de Deus) foi de um total absurdo que poderia até ser considerada uma
piada típica do A Praça é Nossa, se não fosse algo tão trágico.
Trata-se do triste caso dos “rolezinhos”
em um shopping de São Paulo. É preciso antes definir o que é o rolezinho, ou
simplesmente rolé. Trata-se de um encontro entre jovens com o intuito de se
divertir (zoar), paquerar e beijar (dar uns pega). Nada muito diferente dos famosos
encontros entre jovens provindos das classes um pouco mais abastadas que saem
para se divertir. A diferença se encontra muito mais na forma do que na
estrutura do evento. No lugar de jovens brancos da classe média, jovens negros
e pardos da favela. No lugar de hits da música sertaneja, músicas de funk
ostentação, cuja figura de maior destaque é o falecido MC Daleste. E por fim,
no lugar de roupas de marca, roupas de origens mais humildes ou que estão fora
da moda jovem masculina e feminina vigente.
Ou seja, nada muito diferente do
que estamos acostumados. Pelo menos, é o que nossa razão nos diz, mas ela,
alheia a espaços de consumo em massa, resolveu não aparecer no Shopping
Internacional de Guarulhos. Lojistas abismados e assustados com aqueles seres
que nunca ousaram ultrapassar as muralhas do consumo (vulgo “portas eletrônicas
dos shoppings”) chamaram a polícia que, atendendo ao clamor dos consumidores
que lá estavam, levaram aproximadamente 20 desses jovens à delegacia, todos que
aparentavam o “horripilante e assustador” visual de funkeiro. Não houve roubo,
nem porte de drogas e muito menos destruição de patrimônio privado. Mas ainda
assim, consumidores, lojistas e policiais trataram tais jovens como bandidos
perigosos, que merecem uns tapas da polícia mesmo. Tal situação se estendeu,
depois para outros shoppings, que recorreram à polícia para cuidar o espaço e
vistoriar todos aqueles que apresentassem um visual suspeito, ou seja, aqueles
de boné de aba reta, pele parda ou negra e apreciadores de funk.
Mas vejam, eu disse que esse
evento não é único, e nem especial, justamente por que ele está presente em
nossa realidade cotidianamente. Eu mesmo, pardo de nascença, cabelos
desgrenhados por natureza e possuidor de pouca renda desde sempre, já recebi
olhares duvidosos de quem, acreditando ser dono simbólico de um espaço antes frequentados
apenas por quem tinha poder capital, me julgam como uma ameaça à ordem e
deslocado num espaço que não foi criado para mim. Ou seja, não é um assunto
novo dizer que shopping não foi feito pra gente pobre. E isso na minha cidade é
tão forte, que meus amigos e conhecidos transformam um passeio no shopping num
dos maiores eventos sociais de suas vidas, digno de roupas novas ou, pelo
menos, pouco estragadas. Esconder a pobreza é lei nas visitas ao shopping de
minha cidade.
A especificidade é, novamente, a
repercussão. Comentários de ódio por todos os lados da classe média e honrarias
aos polícias que “meteram o cacete no bandidinho” me fizeram pensar que estava
eu no meio de cães carniceiros (tudo isso visto apenas nas redes sociais).
Disso tudo, duas coisas me assustam.
A primeira é sobre o poder que a
população quer dar aos policias. Exigem deles não mais apenas a proteção, mas
também, a previsão do futuro. Além disso, exigem também dos polícias uma
posição mais agressiva, com a intenção de “cortar o mal pela raiz”. Ora,
sabemos que previsões de futuro não existem. No que diz respeito ao futuro, temos
ao nosso lado apenas as probabilidades, que não são certeiras e absolutas. Com
ações guiadas por essa previsibilidade do futuro e concluídas de forma
agressiva, criamos um palco semelhante à Ditadura Militar, onde a polícia
agredia sem cerimônia aqueles que pareciam ser contrários ao sistema
governamental vigente.
A segunda coisa que me assusta é
visível delimitação de espaços para pobres e espaços para ricos, tudo bem
regulamentado na lei. Veja bem: uma lei segregacionista pode ser considerada
justa? Se temos discriminação hoje, as coisas podem melhorar se isso for
estabelecido por lei? Dificilmente... Mas é o que se clama hoje. Em comentários
do tipo “Tem de proibir este tipo de maloqueiro de entrar num lugar como este”
nota-se esse desejo por delimitação de espaços, por construções de muros e
separação de “gente de bem” daqueles considerados a escória da sociedade.
Não me surpreendo com a ação da
polícia. Sou crente de que a polícia brasileira tem um conhecimento bem raso
sobre o que é e como garantir os Direitos Humanos. Mas sinceramente me
surpreendeu a reação dos cidadãos de bem. Sempre digo que o próprio termo “cidadão
de bem” ou “gente de bem” são termos, na verdade, irônicos, pois não a nada de
bom em quem clama por vingança (sabe-se Deus sobre o que) e não por justiça.
Mas esses eventos solidificaram minhas ideias: somos bárbaros que, incapazes de
fazer sangrar, queremos institucionalizar a violência. Nosso foco agora são os
favelados funkeiros. Conseguimos lidar bem com eles enquanto não invadiam nosso
espaço. Mas ousaram atravessar as muralhas e se jogaram na cova dos leões.
Serão implacavelmente punidos por tais atos. Inicialmente, de forma
institucionalizada: levarão cacetadas na cabeça, chutes, ofensas verbais e
serão “convidados” a se retirarem do recinto. Depois, sofrerão com o ódio dos benevolentes:
olhares fuziladores, comentários diretos e indiretos geralmente ofensivos e
mais discriminação. Tudo para aprenderem que não se deve entrar num shopping
vestido no visual típico de funkeiros e ouvindo MC Daleste. Já é bondade demais
aceitarem “gente de cor” entrar nesses espaços, então, nada de baderna. E tudo
isso não é uma previsão, e nem uma probabilidade. É, infelizmente, uma apenas descrição.
quarta-feira, 8 de janeiro de 2014
O que queremos da arte?
Assistir novelas é um dos
prazeres que desfruto com minha família quando estou em minha cidade natal. Se
não fossem essas circunstâncias, eu raramente assistiria novelas. E não, não é
por questões de gosto. Não assisto por que me falta tempo e uma televisão que
passe de vez em quando o canal da Rede Globo. Mas verdade seja dita: de todas
as artes, o teatro (a televisão e o cinema se incluem aqui) são as
manifestações artísticas que menos me chamam atenção.
No entanto, os poucos episódios
que assisto da novela que consagrou o personagem Félix me causam sérias
reflexões sobre o estado da arte em nosso país, principalmente, quando ouço e
leio os comentários geralmente críticos e ácidos de uma elite intelectual que
vem tomando força nos últimos dias. E para expressar como a arte teatral
televisiva é incompreendida, usarei justamente esse personagem que citei.
Félix é um personagem
homossexual interpretado por Mateus Solano na novela Amor à Vida. Seu
personagem assume o papel de vilão e já fez crueldades inesquecíveis na
referida novela, como por exemplo, jogar a filha recém-nascida da irmã num lixão. Tal personagem representa um total progresso
(no meu ponto de vista) sobre a representação coletiva sobre o homossexual.
Minha compreensão sobre o assunto me diz que criar um vilão gay é um progresso
na luta LGBT por que, em vez de criar um personagem divinizado que possa ser
aceito pelo público, gera uma figura despojada de caracteres divinizados e
demonizados, demonstrando o lado mais humano dessa classe.
Um exemplo contrário que posso
citar é o uso marcante de personagem estereotipados do “bom pobre”[1]
para que essas categorias caíssem na graça das classes A e B. O resultado é
curioso: conquistando um estereótipo do que é ser pobre (trabalhador, honesto,
crente, virtuoso), cega-se o telespectador sobre a realidade. Quando este
telespectador entra em contato com a realidade pobre, não a reconhece, pois nas
suas representações, o pobre será sempre a “Maria do Bairro”, a “Paulina”, ou
qualquer outro personagem com poucas condições, mas que praticamente coloca as
vestes de um santo. Não aceita-se mais aquela realidade pobre, pois ela não
condiz com aquilo que vimos na TV.
No caso dos homossexuais, o
personagem Félix possibilita uma maior aceitação da classe do que os
personagens como a Paulina o fizeram em relação aos pobres. Temos dois lados da
moeda, sabemos que existem gays bons, assim como existem os maus (e os mais ou
menos). Criamos uma representação mais humana e menos divinizada (ou
demonizada) sobre o que é ser gay. É aqui que vejo a contribuição decisiva de Walcyr
Carrasco (autor da novela).
No entanto, as críticas a esse
personagem[2]
são ferrenhas, e ora podem ser resumidas na frase “Félix não está interpretando
um gay autêntico” até as frases do tipo “Félix reforça estereótipos”. São
frases visivelmente antagônicas, mas que sempre aparecem quando o assunto é
Félix. Vale a pergunta: qual é o papel da arte então? O teatro tem qual função
social? A arte deve demonstrar a verdade tão qual ela é (descritiva, portanto)?
Ou pelo contrário, deve demonstrar formas de se relacionar “melhores”?
É uma questão difícil e
incisiva. De qualquer forma, as duas concepções de arte são exigidas da televisão.
No fim, a arte tem sempre uma escolha difícil a fazer: criar uma utopia,
relatar uma realidade ou imaginar uma distopia. De um jeito ou de outro, ela
sempre irá desagradar.
Nas utopias, a arte será
considerada uma ingênua alienada; nas representações realistas, ela será
considerada uma idiota que perpetua um status
quo; e por fim, nas distopias, ela será considerada uma pessimista sem
imaginação e esperança. Afinal, eu pergunto portanto: o que queremos da arte?
Julgo essa pergunta de extrema importância. Mas me alegro em saber que a arte
pode caminhar feliz e contente, seja o seu caminho repleto de louvores ou reprovações
de sua platéia.
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