É muito engraçado como o apelido
"anjo" age como um combustível eficaz em qualquer relacionamento. E
não é para menos. Anjos são, de acordo com nossa visão pré-concebida, seres de
bondade infinita, mas que ao contrário de Deus, devem carregar consigo a
humildade de se autodeclararem "menos", mesmo diante de tantas
qualidades que guardam em si. E esse nome, carregado por toda essa visão, é aceito
com muita felicidade por quem recebe esse apelido.
O sentimento narcísico
decorrente dessa nomenclatura dada é enorme, sendo que eu particularmente
considero difícil existir alguém que não se satisfaça com os seguintes
adjetivos introjetados em si: belo, bondoso, inteligente, humilde, perfeito...
E eis que surge a essência do
sentimento gerado por esse nome: a perfeição. Porém, aqui coloco a perfeição
somada com uma característica a mais, que é a humildade. Mas por quê? Deus,
como já deixei implícito, não necessita ser humilde. Como “Senhor de toda a
criação”, é dispensável carregar para si o adjetivo de “humilde”, cabendo a
nós, meros mortais, esconder (ou nos livrarmos logo) de tudo aquilo que
chamamos de “orgulho”. Em toda a mitologia cristã, é fácil reconhecer o futuro
de quem ousa ser orgulhoso, característica essa que apenas Deus pode ter. Tal
assunto renderia outro texto, mas o que quero colocar aqui é a dicotomia que
separou homens de deuses, mas que criou um terceiro elemento, que são os anjos.
Como orgulho era uma qualidade que homens não poderiam ter, o que lhes restou
foi ficar com o seu equivalente negativo, que é a humildade. Humildade e nada
mais, eis a única qualidade dos seres humanos.
Mas anjos são mais do que
homens, e menos do que deuses. Como criar para esta classe características
únicas que a distinguiria das demais? A resposta é simples: não se cria
características novas; usa-se qualidades já existentes (conhecidas), mistura-as
e pronto! Temos um novo ser. Mas olha a armadilha que criamos: juntamos
qualidades próprias de Deus e unimos com a única qualidade que restou aos seres
humanos, que é a humildade. Diante disso, ultrapassamos o nosso próprio ideal
de perfeição. Por isso, não desejamos mais ser “deuses”, queremos ser os “anjos”
da vida de alguém, queremos ultrapassar a própria perfeição!
Talvez seja por isso que
namorados e namoradas amam declarar seus amados como os “anjos de sua vida”,
pois é a forma mais sutil, eficaz e igualmente poderosa de demonstrar os
sentimentos elevados que se tem por outra pessoa. Mas cuidado! Anjos são seres
maravilhosos sim. No entanto, sua magnificência não é conquistada, é dada, vem
de fora.
Das coisas que mais temo, a
bondade natural seria certamente um dos primeiros itens, pois assim como
ocorreu com um certo anjo, a raiva ao descobrir que, mesmo diante de todas as
qualidades, algo “maior” está acima dessa suposta perfeição pode criar
verdadeiros monstros cruéis em busca do narcisismo perdido.
Por isso, penso que é bem melhor
continuar sendo um ser humano de valores ora conquistados, ora rejeitados, do
que ser algo superficial, cujas qualidades são dadas e, a qualquer momento,
podem transformar nossas vidas num inferno...*
*O trocadilho foi intencional

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