O livro “O Mundo de Sofia” era
um livro que rondava meus anseios de leitura há um bom tempo. A primeira menção
que me lembro de ter escutado sobre esse livro foi no meu Ensino Médio, quando
minha professora de Filosofia (que por sinal, não era filósofa, apenas uma
professora de História) indicou para minha sala a sua leitura, como uma leitura
complementar. Porém, na época, minhas vontades em entrar no mundo da Filosofia
ainda inexistiam. Tudo mudou, entretanto, quando uma amiga minha prometeu, há
um ano atrás, emprestar o livro a mim. Tal promessa nunca foi cumprida, o que
me fez tomar a decisão de pegá-lo emprestado na biblioteca da minha faculdade
(UFGD). E não me arrependo.
O livro foi publicado em 1991
pelo norueguês Jostein Gaarder, e desde então, já foi traduzido para mais de 50
idiomas. Misturando literatura e filosofia, o livro em questão nos dá um
apanhado geral sobre a história da filosofia e seus principais representantes
de forma clara e objetiva, utilizando para isso exemplos fáceis de ser
assimilados pelo leitor. Tudo isso dentro de um cenário de ficção e mistério
muito instigante. A história se inicia com a jovem Sofia Amundsen, próxima de
completar seus 15 anos, e que de forma misteriosa, passa a receber cartas de um
professor de Filosofia chamado Alberto Knox. Assumindo a missão de ensinar à
jovem Sofia os caminhos percorridos pela Filosofia, Alberto nos mostra desde a
pré-história da Filosofia , onde o misticismo imperava, até o existencialismo
de Sartre e as correntes filosóficas mais atuais. Devido ao grande aprendizado filosófico que o
livro traz, resolvi mostrar os assuntos desenvolvidos em cada capítulo, como os
filósofos e sistemas filosóficos apresentados, bem como as perguntas
fundamentais que cada era filosófica trouxe consigo. No entanto, o romance que
se desenvolveu e deu um plano de fundo às aulas de Filosofia serão resguardados
nas minhas considerações.
No capítulo primeiro, O Jardim do Éden: afinal de contas, algum
dia alguma coisa tinha de ter surgido do nada..., temos o início da
história, quando Sofia recebe dois cartões postais (além de um que era
direcionado a uma jovem chamada Hilde Knag), onde duas perguntas eram feitas:
“De onde vem o mundo” e “Quem é você”. Tais perguntas deixam Sofia perplexa. Na
escola, ela aprendera que o mundo foi criado em sete dias por Deus, mas
agora... tudo ficou confuso. Refletir sobre a vida e a origem do mundo mostrou
ser algo complicado a Sofia.
Em A Cartola: a única coisa que precisamos para nos tornarmos bons
filósofos é a capacidade de nos admirarmos com as coisas..., onde Alberto
(por meio de cartas) demonstra a Sofia que, de todos os hobbies, as questões
que dizem respeito a quem somos e de onde viemos deveriam interessar a todos.
Outros dois ponto de destaque no capítulo é a comparação do mundo com um coelho
na cartola e a comparação do Filósofo com um bebê. No primeiro caso, o mundo
seria um coelho, e nós os moradores que vivem na pelagem desse coelho. O
Filósofo seria sempre o ser que estaria nas partes mais externas da pelagem,
enquanto as pessoas comuns se reconfortariam no interior dessa pelagem. Já a
comparação do Filósofo a um bebê diz respeito à eterna capacidade de se admirar
com o mundo. Para um bebê, tudo é novo e estranho, ao contrário do adulto, para
quem o mundo é o que é: um dado sem mistério algum.
No capítulo Os mitos: um equilíbrio precário entre as forças do bem e do mal...,
temos um vislumbre da importância dos mitos na história da Filosofia. De
maneira geral, os mitos foram uma forma do homem conseguir explicar o mundo a
sua volta. A natureza parecia ser incontrolável, e vários acontecimentos
colocavam em cheque a vida humana. Enchentes, epidemias, doenças, secas e
outros eventos naturais eram explicados a partir daquilo que se imaginava
ocorrer no mundo dos deuses. A partir de 700 a.C., tivemos com Homero e Hesíodo
um registro de grande parte da mitologia grega, o que nos permitiu conhecê-los
e criticá-los.
“Dizemos que
naquela época ocorreu a evolução de uma forma de pensar atrelada ao mito para
um pensamento construído sobre a experiência e a razão. O objetivo dos
primeiros filósofos gregos era o de encontrar explicações naturais para os
processos da natureza” (GAARDER, 1995, p. 40).
Filósofos da natureza: nada pode surgir do nada... nos traz os
primeiros homens considerados filósofos. De origem grega, eles são chamados de
Filósofos da Natureza por que se debruçaram a entender os processos naturais.
Como era entendimento geral de que nada veio do nada, alguma coisa deveria ser
a matéria ou a essência básica de todas as coisas. Assim, para Tales de Mileto
(624 - 546 a.C.), a água era o princípio fundamental. Para Anaximandro, tudo
veio do infinito, e tudo se dissolve nele. Para Anaxímenes (585 - 525 a.C.), o
ar seria a substância básica de todas as coisas. Parmênides (530-515 a.C.) não
confiava em seus sentidos. Heráclito (aprox. 535 - 475 a.C.) acreditava nas
constantes transformações da natureza, um espaço impregnado de eternos opostos
(bem e mal, saúde e doença). Empédocles (495/490 - 435/430 a.C.), por sua vez,
acreditava que no mundo havia quatro elementos primordiais: terra, água, fogo e
ar. O amor e a disputa seriam responsáveis, respectivamente, pela união e
separação de todas as coisas.
Em Demócrito: o brinquedo mais genial do mundo..., temos a introdução
de um pensamento extremamente materialista. Demócrito (460 -370 a.C.)
acreditava que tudo que existe no mundo era composto por partículas
indivisíveis e maciças. Tais partículas existiriam no mundo em diversas formas,
e participariam dos processos de transformação de todas as coisas existentes.
Sensação e percepção também fariam parte dos processos existentes a partir dos
átomos. Vale ressaltar o descrédito que Demócrito dava a qualquer teoria da
existência de uma alma imortal. Ele não acreditava que forças ou inteligências
sobrenaturais poderiam intervir em processos naturais. Tudo o que existia era
átomos e vácuo.
O capítulo Destino: o adivinho tenta adivinhar algo que na verdade não dá para
adivinhar... retoma a questão mitológica dos antigos gregos, mas sob um
viés fatalista. Para os gregos, tudo era predeterminado pelos deuses, restando
aos seres humanos se adequarem a essa norma, ou tentar agradar os deuses por
meio de sacrifícios. Apesar de ser um capítulo com a intenção de fazer
considerações muito mais históricas do que filosóficas, ele foi importante para
o próximo capítulo, denominado Sócrates:
mais inteligente é aquele que sabe que não sabe... Nesse capítulo somos
apresentados a Sócrates (469 - 399 a.C.), um pensador muito importante para a construção
de nosso pensamento atual e que se diferenciou bastante do tipo de filosofia em
voga na sua época: a filosofia dos sofistas. Os sofistas discutiam muito sobre
a sociedade (o que era natural ou era social), e priorizavam bastante o
discurso. Sócrates diferenciava-se dos sofistas na medida em que acreditava não
saber de nada. Ele levava as pessoas a refletirem e encontrar respostas por si
mesmas, até que elas mesmas chegassem à conclusão de que não sabiam de nada. Em
399 a.C. foi acusado de corromper a juventude e de não reconhecer a existência
dos deuses. Foi julgado, considerado culpado e condenado à morte.
No capítulo Atenas: das ruínas cresceram construções monumentais..., Alberto
teve a ideia de apresentar um vídeo onde a antiga cidade de Atenas e seus mais
famosos moradores (Sócrates e Platão). O Platão (427 - 347 a.C.) do vídeo
resolve dar enigmas cujas respostas (ou dúvidas) encontradas são essenciais
para o próximo capítulo. Assim, Platão questiona Sofia (por meio do vídeo) as
seguintes questões:
Primeiro, gostaria
que você refletisse sobre como um padeiro consegue assar cinquenta bolos
exatamente iguais. Depois, você pode se perguntar por que todos os cavalos são
iguais. Em seguida, pense se acredita que o homem possui uma alma imortal. Por
último, tente responder à pergunta se homens e mulheres são igualmente
racionais (GAARDER, 1995, p. 40).
Platão volta a ser citado em Platão: o anseio de voltar à verdadeira
morada da alma... Aqui, somos apresentados ao seu projeto filosófico, que
se caracterizava pelo dualismo corpo e alma. Assim, para além do mundo dos
sentidos, Platão acreditava ter um mundo das ideias onde a razão imperava, e
todas as imagens existentes em nosso mundo já existiriam, anteriormente, nesse
mundo da razão. Por nossa alma ser imortal, ela existiria antes do nosso corpo,
sendo sua morada anterior o mundo das ideias. Ao habitar nosso corpo, a alma se
esqueceria de todas as ideias perfeitas e passaria a nutrir o desejo de
libertar-se desse mundo. Além dessas ideias, Platão também acreditava num modelo
de governo perfeito. Ao conceber o corpo humano dividido em três partes
primordiais (cabeça – razão, peito – coragem, ventre – desejo), Platão imaginou
um Estado ideal governado por filósofos (a cabeça racional), defendido pelos
sentinelas (o peito corajoso) e sustentado por trabalhadores (ventre com
desejos) tanto por meio da força bruta como também por meio das artes.
No capítulo A Cabana do Major: a garota no espelho piscava os dois olhos ao mesmo
tempo, Sofia recebe um envelope com perguntas (“O que veio antes, a galinha
ou a ‘ideia’ galinha?”/ “O homem possui ideias inatas?”/ “Qual a diferença
entre uma planta, um animal e um homem?”/ “Por que chove?”/ “Do que o homem
precisa para viver uma boa vida?”). Tais perguntas servem de plano de fundo
para adentrarmos nas ideias de Aristóteles, apresentadas no capítulo Aristóteles: um organizador, um homem
extremamente meticuloso que queria pôr ordem nos conceitos dos homens.
Considerado como o último grande filósofo grego e o primeiro biólogo (devido ao
seu método baseado na apreensão do real por meio dos sentidos), Aristóteles
(384 - 322 a.C.) discordava de Platão sobre a existência de um mundo das ideias
a parte do nosso. Para ele, o homem possuía uma razão inata, mas as ideias que
possuía eram apreendidas no contato com o mundo através dos sentidos. Outro
ponto de destaque é a sua ideia de que tudo no mundo pode evoluir, se
concretizar, desde que aquilo seja inerente à sua natureza. Assim, um ovo de
galinha nunca se “transformará” num ganso. Buscava, dessa forma, não apenas a
razão das coisas, mas a sua intenção e sua finalidade. Aristóteles dividiu tudo
que existe no mundo em coisas inanimadas, por dependerem de agentes externos
para se concretizarem, e em criaturas vivas (animadas), pois possuíam em si
todas as sãs potencialidades de transformação. No que diz respeito ao lugar e à
natureza do homem, Aristóteles acreditava que éramos melhores do que as plantas
e os animais (estávamos acima), pois possuímos capacidade de locomoção,
sentimentos e razão. Seriamos também seres políticos, pois sem a sociedade, não
seríamos pessoas no real sentido da palavra. Um ponto muito criticado
atualmente é a visão que Aristóteles tinha a mulher: considerada um homem
incompleto, a mulher serviria apenas como “o solo fértil” para que o homem
depositasse sua semente (sêmen).
No capítulo Helenismo: uma centelha de fogo..., somos apresentados a quatro
correntes filosóficas: Cínicos, Estóicos, Epicureus e Neoplatônicos. O período
em que surgiram essas correntes é chamado de Helenismo devido à grande
influência grega nas regiões colonizadas pelo Império Romano. Devido ao fato da
própria Roma ter sido demasiadamente influenciada pela cultura (e filosofia)
grega, quando a Grécia perdeu seu poder, ainda teve um papel importante na
formação do pensamento de outros povos. A filosofia cínica foi fundada por Antístene
(445 - 365 a.C.) e teve como principal representante Diógenes (412 - 323 a.C).
Como ideia principal, os cínicos defendiam que a felicidade consistia em se
libertar de tudo o que o homem mais busca (poder, luxúria, boa saúde), não
precisando se preocupar com sofrimento algum. Os filosofia estóica foi fundada
por Zenão de Eleia (490 - 430 a.C.), era amante da vida política em sociedade e
defendia a ideia de que todas as pessoas são frutos da mesma razão e, portanto,
com a garantia dos mesmos direitos universalmente válidos. A filosofia
epicurista foi fundada por Aristipo de Cirene (435 - 356 a.C.) e desenvolvida
por Epicuro (341 - 270 a.C.). Desinteressados pela vida política e levando consigo
o lema “Viva o momento”, os epicuristas defendiam uma vida com o máximo de
satisfação e o mínimo de sofrimento. Epicuro, por exemplo, acreditava que
apenas os prazeres obtidos a longo prazo propiciavam a verdadeira satisfação ao
homem. Por fim, o helenismo trouxe em si
o Neoplatonismo de Plotino (205 - 270), a corrente que mais influenciou a
teologia cristã. Defendendo a divisão do
mundo entre luz e trevas, os neoplatonistas acreditavam que a luz iluminava a
alma humana, enquanto seu corpo era provindo das trevas.
No capítulo Os cartões postais: estou me impondo uma rigorosa censura..., não
temos aprendizados importantes referentes à história da Filosofia, priorizando
assim o mistério que tem cercado a vida de Sofia. No capítulo Dois círculos culturais: só assim você não
vai ficar flutuando no espaço vazio..., temos a apresentação da cultura
semita e sua importância no desenvolvimento do pensamento ocidental. Diferindo
dos indo-europeus, de religião politeísta, os semitas eram monoteístas e
acreditavam numa passagem linear da história. Foi uma cultura que difundiu as
três grandes religiões da atualidade: judaísmo, cristianismo e islamismo. O
apóstolo Paulo foi o grande difusor do pensamento cristão, um pensamento que
diferia de tudo o que os povos influenciados pelo pensamento grego conheciam e
entendiam.
O capítulo A Idade Média: percorrer um pedaço do caminho não é o mesmo que
percorrer o caminho errado... nos mostra a primeira aparição de Alberto à
Sofia. Nesse capítulo são mostradas as contribuições dos filósofos Santo
Agostinho (354 – 430) e Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274)na consolidação do
pensamento cristão. Santo Agostinho se utilizou muito das ideias de Platão para
postular que o mal era a ausência de Deus. Santo Tomás de Aquino, por sua vez,
se utilizou de Aritóteles para defender que o caminho para se chegar a Deus
haviam dois caminhos: o primeiro, onde deveríamos nos guiar pela fé e pelas
revelações divinas, e o segundo pela razão e pelos sentidos. Para Santo Tomás
de Aquino, razão e fé não eram, portanto, irreconciliáveis.
Em O Renascimento: ó linhagem divina vestida com trajes mortais... nos
é mostrado o período em que a arte e a cultura da Antiguidade foram buscados. Muitas
mudanças ocorreram, como por exemplo o deslocamento de Deus como o centro do
Universo (teocentrismo) e a centralização do homem nesse local anteriormente
ocupado (antropocentrismo). Outro pensamento novo que surgiu nesse período foi
o método empírico, próprio das Ciências. Com isso, temos grandes nomes, como
Galileu Galilei (1564 – 1642) e Nicolau Copérnico (1473 – 1543).
No capítulo Barroco: da mesma matéria que compõe os sonhos..., somos
apresentados aos pensamentos do século XVII. Alberto destaca o período Barroco
como um período de destaques dos opostos e contrates, tanto no âmbito
artístico, quanto no político e social. Assim, tivemos a ostentação de formas
opulentas na arquitetura e nas artes plásticas. Nomes como William Shakespeare,
Calderón de la Barca e Ludvig Holdberg se destacaram nesse período.
Em Descartes: ele queria limpar o terreno dos velhos materiais..., o
pensamento de René Descartes (1596 – 1650) é investigado. Descartes tomou como
objetivo de sua filosofia desconstruir os conhecimentos outrora produzidos para
então partir de um lugar filosoficamente seguro. Acreditando na razão como
forma de se chegar à verdade (ignorando os sentidos), Descartes buscou entender
também a relação do corpo com a alma, postulando o homem como um ser dual por
ser, ao mesmo tempo, um ser pensante e um ser que ocupa um espaço. Aliás,
Descartes chegou à conclusão que, de todos os conhecimentos possíveis, o seu
pensamento era a única coisa da qual ele podia ter certeza. Acreditava também
na existência de Deus, afirmando que é imprescindível a um ser perfeito ter o
atributo da existência como uma de suas características.
O pensamento de Baruch Spinoza
(1632 – 1677) é mostrado no capítulo Spinoza:
Deus não é um manipulador de fantoches... Influenciado por Descartes e crítico
da religião cristã e da Bíblia, Spinoza acreditava num Deus presente em todas
as coisas da natureza. Num tempo em que a Igreja acreditava que havia um
“abismo intransponível” entre Deus e o homem, Spinoza mostrou uma evolução
grande de pensamento ao mostrar que Deus estava em todos os lugares. Também era
racionalista e pretendeu mostrar que a vida do homem é governada pelas leis da
natureza. Achava que o homem tinha que se libertar de seus sentimentos e
sensações para só então encontrar a paz e ser feliz. Ele era monista
(acreditava somente numa natureza material, física). Spinoza considerava Deus,
ou as leis da natureza, a causa interna de tudo o que acontecia. Ele tinha uma
visão determinista. Ele defendeu de forma enérgica a liberdade de expressão e a
tolerância religiosa.
John Locke (1632 - 1704), por
sua vez, nos é apresentado no capítulo
Locke: tão vazia quanto uma lousa antes do professor entrar em classe...
Para entender a particularidade de Locke, é preciso entender que na sua época
imperava na Europa um pensamento racionalista encabeçado por Descartes, Spinoza
e Leibniz. Iniciando a tradição do empirismo, Locke acreditava que todo o
conhecimento provinha dos sentidos, ou seja, que todos os nossos pensamentos e
nossas noções nada mais eram do que um reflexo daquilo que um dia já sentimos
ou percebemos através de nossos sentidos. Dessa forma, Locke se assemelhou
muito à Aristóteles. Nosso pensamento não seria nada mais do que uma “tábula
rasa” onde os conhecimentos sensoriais são dispostos. Locke também estabeleceu
a diferença entre aquilo que se chama de qualidades sensoriais primárias e
secundárias. Enquanto as qualidades sensoriais primárias se referiam à extensão,
ao peso, à forma, ao movimento e aos número das coisas, as qualidades
sensoriais secundárias reproduziriam apenas o efeito das coisas sobre os nossos
sentidos (cheiro, gosto, etc.).
Seguindo a tradição empírica,
temos o filósofo David Hume (1711 - 1776) no capítulo Hume: atira-o ao fogo então... Hume iniciou algo que pode ser
considerado como o uso do método científico à análise de ideias. Isso por que
ele acreditava que uma ideia, por mais complexa que fosse, poderia ser decomposta
em partes menores. Hume queria retornar à forma original pela qual o homem
experimentava o mundo. Constatou que o homem possuía impressões de um lado, e
idéias, de outro e atentou para o fato de que tanto uma quanto outra poderiam
ser ou simples ou complexas. Ele se preocupou com o fato de às vezes formarmos
idéias e noções complexas, para as quais não há correspondentes complexos na
realidade material. Era dessa forma que surgiam as concepções falsas sobre as
coisas.
Como exemplo de um empirismo atrelado
às ideias cristãs, temos o bispo irlandês George Berkeley (1685-1753). No
capítulo Berkeley: como um planeta
atordoado ao redor de um sol fumegante..., Berkeley é apresentado como um
filósofo para quem tudo que existia era só o que percebíamos e que aquilo que
percebíamos não era matéria ou substância. Acreditava também que todas as
idéias tinham uma causa fora da consciência, mas que esta causa não era de
natureza material e sim de natureza espiritual. Segundo Berkeley, portanto, a
alma podia ser a causa das próprias idéias, mas só outra vontade, só outro
espírito podia ser a causa das idéias que formavam o mundo material. Esse
espírito onipotente seria Deus.
O capítulo Bjerkely: um antigo espelho mágico, que sua bisavó comprara de uma
cigana... mostra pela primeira vez Hilde Knag, a moça misteriosa das cartas
que Sofia recebia. Em O Iluminismo: da
produção de agulhas à fundição de canhões..., é mostrado o pensamento
denominado Iluminista como típico do século XVIII. Poder da razão e do
progresso, liberdade de pensamento e emancipação política eram temáticas
próprias desse período. Os filósofos desta época diziam que só quando a razão e
o conhecimento se difundissem era que a humanidade faria grandes progressos. A
natureza para eles era quase a mesma coisa que a razão e por isso enfatizavam
um retorno de homem a ela. Falavam também que a religião deveria estar em
consonância com a razão natural do homem, o que fez com que se desenvolvessem
teorias teológicas interessantes, como o Deísmo.
Kant: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim... é o
capítulo que nos traz a história e os pensamentos de Immanuel Kant (1724 - 1804).
Para ele, racionalistas e empiristas estavam, em determinados pontos, corretos.
Concordava por exemplo, com Hume, quando este diz que os conhecimentos devem-se
ás impressões que temos do mundo. No entanto, era a favor dos racionalistas na
medida em que acreditava que a razão tinha alguns pressupostos que guiavam a
forma como percebemos o mundo. Acreditava, por exemplo, que devido ao fato da
razão humano entender tudo dentro do viés causa-e-efeito, esse seria um
princípio imutável. Ele atentou para o fato de haver limites bem claros para o
que o homem podia saber e achava que o ser humano jamais poderia chegar a um
conhecimento seguro a respeito da existência de Deus, de que o universo era ou
não infinito, etc. Dessa forma, a razão impunha ao homem, de acordo com Kant,
limites bem claros do que ele (o homem) poderia ou não conhecer.
O capítulo posterior intitula-se
Romantismo: o caminho do mistério aponta
para dentro... Nesse capítulo, somos apresentados a um pensamento que foi
majoritário na Europa do século XVIII, pensamento esse denominado Romantismo. A
premissa desse pensamento era simples: os sentimentos são capazes de expressar
mais coisas do que a nossa razão. Por isso que nessa época houve uma supervalorização
dos artistas. Costumava-se dizer que o artista possuía uma espécie de
imaginação criadora do mundo e em seu êxtase artístico seria capaz de
experimentar um estado em que as fronteiras entre sonho e realidade
desapareceriam. Considerado como uma reação ao pensamento friamente racional e
mecanicista do Iluminismo, o Romantismo priorizava os sentimentos, os desejos,
a natureza e o misticismo. A glorificação do “eu” nessa época foi intensa.
Em Hegel: só o que é racional é viável..., conhecemos o filósofo Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770 - 1831), um pensador que desenvolveu e modificou
várias ideias surgidas no período romântico. Dono de um pensamento visivelmente
historicista, Hegel defendia uma verdade subjetiva, diferente da ideia dos
filósofos anteriores que acreditavam na verdade como algo além da razão humana.
Ou seja, para Hegel, as bases do conhecimento mudavam de geração para geração
e, por conseqüência, não existiam verdades eternas. Sem considerar o processo
histórico, não é possível discutir sobre verdade. Aliás, discutir sobre a
verdade é discutir pensamentos que mudariam constantemente em função da
história. Defendia também a ideia de um “espírito do mundo”. Ele falava que não
era o indivíduo que encontrava a si mesmo, mas o espírito do mundo e tentou
mostrar que este retorna a si em três estágios: em primeiro lugar, o espírito
do mundo se conscientiza de si mesmo no indivíduo (chama-se de razão
subjetiva); depois, atinge um nível mais elevado de consciência na família, na
sociedade e no Estado, (chama-se de razão objetiva); e enfim atinge a forma
mais elevada de autoconhecimento na razão absoluta. E esta razão absoluta eram
a arte, a religião e a filosofia, sendo esta última a mais elevada da razão. Só
na filosofia era que o espírito do mundo se encontraria. Desse ponto de vista,
a filosofia podia ser considerada o espelho do espírito do mundo.
O filósofo Søren Aabye
Kierkegaard (1813 - 1855) nos é apresentado no capítulo Kierkegaard: a caminho da bancarrota... Em oposição aos pensamentos
de Hegel, Kierkegaard defendia que mais importante do que a busca de uma
verdade era a busca por verdades que são importantes para a vida de cada
indivíduo. Kierkegaard também defendia três possibilidades diferentes de
existência humana, e as denominou de (1) estágio estético, (2) estágio ético e (3)
estágio religioso. Aqueles que viveriam no estágio estético desfrutariam o
momento e visaria sempre o prazer. Os que estariam no estágio ético seriam
marcados pela seriedade e por decisões consistentes, tomadas segundo padrões
morais. E, finalmente, quem viveria no estágio religioso preferiria a fé ao
prazer estético e aos mandamentos da razão. Para Kierkegaard, o estágio
religioso era o cristianismo.
Todo o pensamento de Karl Marx
(1818 -1883) é exposto no capítulo Marx:
um fantasma ronda a Europa... Historiador, filósofo, sociólogo e
economista, todo o pensamento de Marx é marcado pelo materialismo. Acreditava
que a filosofia, até então, só havia tentado interpretar o mundo, mas não o
modificou. E isso era algo que Marx não tolerava. Para ele, as condições
materiais de uma sociedade determinavam, em última instância, também as condições
espirituais (ideologia, política, etc.). Haveriam, portanto, três camadas de
sustentação da sociedade. A primeira camada estaria embaixo de tudo, e seriam
as condições naturais de produção que compreendiam os recursos naturais. A
segunda camada seria formada pelas forças de produção de uma sociedade, que não
era só a força de trabalho do próprio homem, mas também os tipos de
equipamentos, ferramentas e máquinas, os chamados meios de produção. Por fim, a
terceira camada trataria das relações de posse e da divisão do trabalho,
chamada de relações de produção de uma sociedade. Para ele, o modo de produção
determinava se relações políticas e ideológicas podiam existir. Um pensamento
fundamental de sua teoria é a ideia de que toda a história se caracterizou como
uma luta de classes. Como era de se imaginar, a questão do trabalho foi muito
discutida nos escritos de Marx. Para ele, o trabalho executado pelo homem
deixava suas marcas não apenas na natureza, mas nele mesmo. Crítico ferrenho do
capitalismo, via nele apenas uma vantagem: ele seria o estágio fundamental para
a vinda do comunismo: sociedade onde o proletariado tomaria o poder da
burguesia e criaria um novo sistema social.
Um pensador que não foi
filósofo, mas modificou bastante as ideias ocidentais foi Charles Darwin (1809 -
1882). No capítulo Darwin: um barco
carregado de genes navegando pela vida..., descobrimos que Darwin, a partir
de sua ciência, questionou e colocou em dúvida a visão bíblica sobre o lugar do
homem na criação. Ele achava que precisava se libertar da doutrina cristã sobre
o surgimento do homem e dos animais, vigente em sua época. Defendeu durante sua
vida, duas teorias principais (e gerais). Sua primeira teoria era a de que
todas as espécies vivas de nosso planeta (plantas e animais) descendiam de uma
mesma forma primitiva de vida. A outra principal teoria de Darwin era que a
evolução no planeta Terra ocorreu por meio da Seleção Natural. Nessa teoria, quem
melhor se adaptava ao meio ambiente, sobrevivia e podia garantir a continuidade
de sua espécie. "As constantes variações entre indivíduos de uma mesma
espécie e as elevadas taxas de nascimento constituem a matéria-prima para a
evolução da vida na Terra. A seleção natural na luta pela sobrevivência é o mecanismo,
a força propulsora que está por trás desta evolução. A seleção natural é
responsável pela sobrevivência dos mais fortes, ou dos que melhor se adaptam ao
seu meio".
Outro que não era filósofo, mas
mudou completamente nossa visão do ser humano foi Sigmund Freud (1856- 1939). O
capítulo Freud: um desejo terrível,
egoísta, veio à tona dentro dela... nos mostrou como o ser humano era,
antes de ser racional, um ser que era guiado sobretudo por sua irracionalidade,
ou seja, por seu inconsciente. Freud descobriu o universo dos impulsos que
regiam a vida do ser humano. Dentre as várias novidades de seu pensamento (nem
sempre muito bem aceitos), tivemos as ideias sobre a sexualidade infantil, um escândalo
para uma época em que as crianças eram consideradas “pequenos anjos”. Após um
longo período de experiência com pacientes, Freud concluiu que a consciência
seria nada mais do que a “ponta de um iceberg” que se elevava para além da
superfície da água. Sob a superfície, ou sob o limiar da consciência, estaria o
inconsciente, que para Freud, simbolizaria tudo o que reprimimos desde a
infância.
Em Nosso próprio tempo: o homem está condenado à liberdade..., somos
apresentados às ideias existencialistas. São citados nesse capítulo os
filósofos Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) e Martin Heidegger (1889 - 1976).
Mas o foco dado foi ao filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905 -
1980). Representante do existencialismo ateu, Sartre defendia a ideia de que a
existência era uma noção fundamental na vida humana. Enquanto coisas e animais
simplesmente existem “em si”, os seres humanos teriam consciência dessa
existência e se indagavam sobre, sendo, portanto, uma existência “para si”.
Para Sartre, o ser humano estaria condenado à liberdade, tendo por obrigação
tomar responsabilidades sobre sua existência. Nota-se o quanto esse pensamento
tira do homem a noção de ser ele uma espécie que está sob o jugo da história,
das contingências de sua vida e de sua própria irracionalidade inconsciente. Por
fim, os três últimos capítulos (Festa no
jardim: uma grande barca...,
Contraponto: duas melodias soando ao mesmo tempo... e A grande explosão: nós também somos poeira estrelar...) trazem o
desfecho da história da Sofia, bem como as últimas lições de filosofia como,
por exemplo, a questão do Big Bang.
A impressão que temos ao final da leitura é a de que Jostein
Gaarder acertou em cheio na receita desse livro. A mistura de uma realidade
fantástica com os ensinamentos claros e precisos de filosofia nos dá a
impressão de saímos da leitura com várias ideias sobre as pessoas e o mundo.
Fora a pergunta fundamental que a história de Sofia nos traz sobre a realidade
dela e a de Hilde como, inicialmente, realidades sobrepostas para depois se
tornarem realidades paralelas em um mesmo espaço. A sacada do autor desse livro
foi, sem dúvida, genial. Uma ótima dica de leitura tanto para os amantes da
literatura fantástica quanto para os apreciadores da filosofia.[1]
[1] Referência
GAADER, Jostein. O mundo
de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.










