Se há uma coisa que detesto
quando eu leio um texto é entrar em contato com autores citados aos quais eu nunca
tive contato. E o texto de Marcia Tiburi me deu essa sensação. Afinal, fiquei
doido para criticar o texto dela, mas sem saber quem Norval Baitello Junior
(autor citado em seu texto) é, e sobre o que ele fala em suas obras, uma
insegurança em relatar minhas opiniões me tomou. Pois bem, essa insegurança foi o
combustível, ou seja, meu argumento maior para que eu ficasse parcialmente contra o que Marcia
Tiburi quis dizer.
Marcia Tiburi é Graduada em
filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1990), e
em artes plásticas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996);
mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(1994) e doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(1999) com ênfase em Filosofia Contemporânea. Seus principais temas são ética,
estética e filosofia do conhecimento.
O texto em questão, Homo Sedens, foi publicado na edição 185
da Revista Cult, e trata da questão do nomadismo (nem sabia que essa palavra
existia...) na nossa cultura atualmente. Marcia Tiburi retrata algo
inquestionável nos dias de hoje: passamos a maior parte de nossas vidas
sentados. Ao citar Norval Baitello Junior, e seu livro O pensamento sentado (Unisinos, 2012), Marcia consegue demonstrar o
papel do “assento” (o de se sentar, por favor... acento agudo só se for com C)
naquilo que ela chama de “cultura sedentária”.
Dessa forma, o assento teria na
nossa cultura um papel crucial: nos domesticar, trasnformando-nos em corpos
dóceis e mentes estagnadas. Assim, Marcia não vê problemas em considerar os
nossos pensamentos (e comportamentos certamente) como “pensamento-bunda”[1],
ou seja, um pensamento marcado por ser originado e desenvolvido no conforto da
cadeira, atrás de um computador ou de um livro.
“O primata que somos se ressente de não poder mover-se”. Negar a
natureza em nome da disciplina. Esse é o ponto fundamental do texto de Marcia.
Num momento histórico em que nos forçamos a seguir a disciplina, em prol de um
reconhecimento social diante de um esforço por nós estabelecidos, nossa
natureza essencialmente primata e, portanto, nômade estaria subjugada às
amarras de uma cadeira. Para Marcia Tiburi, só há uma escapatória: fugir.
Ao ler o texto, não pude deixar
de concordar com essas colocações. É fato consumado a noção de que as coisas
caminham para esse lado realmente. Um privilégio dedicado antes apenas à elite
aristocrática e à elite intelectual, hoje o “viver sentado” parece ter virado
rotina comum de indivíduos das classes A, B e C da sociedade. Mas será que é
algo tão ruim assim?
Infelizmente, não consigo
considerar os fatos como apenas bons ou ruins: tal qual uma moeda, todos os
fenômenos tem esses dois lados. E no caso do “sentar” não podia ser diferente.
O que perderíamos se nossa cultura, de uma hora para outra, descobrisse (ou
decidisse) que para pensar, a categoria comportamental “sentar” é apenas uma
opção? Me parece que seríamos exatamente o que Márcia Tiburi quer defender: a
volta da nossa condição originalmente e unicamente primata.
Considero hoje que um dos
maiores ganhos de nossa cultura foi ter aprendido que a mera comunicação oral é
espacial e temporalmente limitada. Isso por que a mera informação oral atinge
poucas pessoas de uma vez só, e também dura por pouco tempo. Afinal, quem se
lembra do que falou ontem, entre as 16:15 e as 16:37? Difícil não? Mas certo dia o
homem descobriu a escrita. Descobriu que suas histórias, seus ensinamentos e
seus costumes poderiam ser passados adiante sem dificuldade. No entanto, a
escrita trouxe um probleminha contornável, mas chato: ela (a escrita) é muito
possessiva. Geralmente, exige de quem a cria um longo momento de dedicação,
algo que a comunicação oral não exige. A escrita ensinou ao homem o valor da
disciplina. Em outras palavras, a escrita ensinou o homem a se sentar.
Hoje, há uma verdadeira
canonização dos filósofos gregos que se jogavam ao ócio e começavam a filosofar oralmente.
Algo romântico e até lindo. Sim, eu acho lindo! Mas não sejamos hipócritas.
Quem conheceria hoje Socrátes, se não fosse a disciplina de Platão em se dispor
a sentar e escrever sobre Sócrates? Provavelmente nem o conheceríamos. O que
seria da história, se não houvessem homens empenhados a sentarem suas bundas
atrás de uma mesa, para escreverem a história? Certamente, teríamos uma reinvenção da
roda constante, e aí sim estaríamos onde Marcia Tiburi nos quer: fora dos
automóveis, que não existiriam por que não saberíamos que uso uma roda teria.
Aqui. retorno ao que disse
inicialmente: minha angustia por não ter lido Norval Baitello Junior. Meu texto
final deve ter, agora, uma série de desentendimentos e incoerências horríveis.
Mas me pergunto se essas incoerências existiriam se eu tivesse me proposto a
sentar minha bunda e me debruçar sobre a obra desse autor (ui que frase sexy!)?
Acredito que não. Por isso, receio mesmo que tenhamos nos tornado tão
sedentários. Falo por mim mesmo, que muitas vezes perco de ver um céu e um pôr
do sol tão lindos. Mas entre isso, Marcia Tiburi, e uma vida de primata, se
balançando de galho em galho nas copas das árvores, eu prefiro o “conforto” de minha cadeira
e o prazer de ler tão belíssimo texto escrito por vossa senhoria.
Link do artigo
Homo Sedens
[1] Eu
ri nessa parte. Sério! Marcia Tiburi já me ganhou com isso, pois adoro quem usa
expressões geralmente polêmicas de forma tão natural. Afinal, o que tem demais
em falar "bunda"? Gente...

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