sábado, 30 de novembro de 2013

“Bandido bom é bandido morto!”

Festas familiares são, para mim, um verdadeiro treino de paciência e bons modos. Sou analítico por natureza e crítico por criação, mas em eventos micro-sociais, preciso suspender qualquer tipo de análise crítica para poder conviver sadiamente com os demais. Porém, a quantidade de asneiras e abominações que escuto são absurdamente enormes. Ao dizer isso, parece que me considero melhor que os outros, e de fato, eu mesmo já pensei nisso. Não cheguei a conclusões definitivas, mas sei que minha principal diferença nesse mundo é que penso demasiadamente no que digo, característica essa que não ocorre com frequência na nossa sociedade pós-moderna.
Pois bem, participei de uma dessas festas familiares. Cerveja, churrasco e mandioca. Um clima bastante agradável, festivo, alegre. Assuntos envolvendo crises familiares, piadas homofóbicas (“mas é um bichinha mesmo”) e críticas ao jeito que determinada mulher se vestia (“mas parecia uma vadia! Por isso não segura homem”). Enfim, nada mais do que o esperado em uma festa familiar. E assumindo um lado mais “fala que eu te escuto”, consegui escutar tudo e participar das conversas com um sorriso no rosto.
Mas meu sorriso no rosto logo se esvai quando escuto uma frase aleatória: “bom os tempos em que os policiais matavam bandido e não tinha uma alma viva pra questionar!”. Me vi, de repente, numa mesa rodeada de assassinos sanguinários que, movidos por medo, decidem fazer justiça com as próprias mãos. “A polícia não pode fazer nada mais, que a cambadinha dos Direitos Humanos caem em cima!”. O desejo inicial é que a polícia, com todo o poder a eles investidos, possa agir como justiceiros, punindo os cruéis vilões de nossa sociedade. Paulo Ghiraldelli já deixou isso explícito em um artigo seu , ao demonstrar os perigos de se dar tanto poder à polícia. Mas esse é apenas um perigo inicial. O perigo posterior é bem mais terrível.
Vivemos tempos sombrios, onde a opinião da maioria luta para ser capaz de definir o que (ou quem) pode ou não viver. Já fizemos isso no passado. É graças ao acordo feito entre os homens que hoje podemos ultrapassar o que a natureza nos dita em relação ao assassinato (matar para comer). Podemos atualmente matar para vender. Lógico que é um assassinato cheio de regras (apenas vacas, porcos, galinhas, ovelhas e cabritos), mas que se permite uma vez ou outra passar um pouco dessas regras (temporada de caça e pesca). Há outros casos especiais que burlam essa regra em alguns países, por exemplo, onde a pena de morte (judicialmente afirmada) é permitida. Enfim, expus esse caso para demonstrar o quanto a morte já foi e pode ser ainda mais permitida e aceita sem “peso na consciência”.
Ora, defender que a polícia deve agir sem que ninguém se intrometa, e mais, desejar ser um policial inquestionável defensor dos “fracos e oprimidos”, é exatamente o princípio de uma ditadura onde a maioria exerce de maneira selvagem o poder sobre quem não se agrega ou destoa das concepções defendidas pelas massas. Pode parecer exagero pensar assim, e eu gostaria de realmente estar exagerando. Mas a realidade não me permite sonhar tanto assim. Não quero alongar esse texto, mas para notar como a sociedade democrática tem dado espaço para algo que eu chamaria de “selvageria massificada”, quero citar a dificuldade que os discursos diferentes do estipulado pelo atual status quo têm em se colocar no meio acadêmico, onde a premissa básica é criticar a tudo e a todos, menos às concepções marxistas. Mesmo que você nunca tenha lido Karl Marx, é seu dever se posicionar como marxista. Quis dar um exemplo acadêmico para que possamos ver que mesmo a nossa “elite intelectual” tem dado vazão a um posicionamento selvagem a tudo que se contrapõe a ela. É um assunto que rende outro texto, no entanto.
O que precisamos ver agora aqui é como temos caminhado a passos rápidos para uma sociedade onde a vida do indivíduo é sempre posta em cheque pelo seu meio social. Num bairro onde há a suspeita de bandidagem, o suspeito em questão terá sorte se sobreviver há um julgamento socialmente selvagem. Não é o que temos hoje (de forma explicitamente estabelecida), mas é o que deseja nossa sociedade que luta por “acabar com o mal pela raiz”.
Como estudante de Psicologia, é engraçado notar que, de fato, sociedade e indivíduo são instâncias indivisíveis. Leio sobre questões sociais e chego a duvidar delas, até entrar em contato com o cotidiano: palco onde todas as ideologias sociais encenam um teatro não fictício através do indivíduo comum. Hoje, uma peça cujo título é “Bandido bom é bandido morto”, amanhã, uma peça intitulada “Concorde com todos se quiser viver”. Mas o pior de tudo é saber que hoje, como defensor dos Direitos Humanos, sou considerado uma ameaça à família justamente por que na opinião da maioria, eu só quero “defender bandido”. Tudo bem. Não tenho problemas com isso hoje. Mas em relação ao amanhã, só espero morrer de causas naturais (ou seja, sem tortura) antes dos 35, por que depois disso... 

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