quinta-feira, 28 de novembro de 2013

“Conceito mente e corpo através da História” – da superstição à Psiconeuroimunologia

Mente e corpo sempre estiveram imbuídos de conteúdos “mágicos”. É o reinado absoluto da superstição desde a pré-história. Pelo menos é essa a visão que Maria da Graça de Castro, Tânia M. Ramos Andrade e Marisa C. Muller querem nos passar em seu artigo Conceito de Mente e Corpo através da História. Publicado na revista Psicologia em Estudo no ano de 2006, o presente artigo é uma introdução bastante resumida (tem apenas 5 páginas) de um tema amplo, que é o problema Mente x Corpo.
O texto se inicia com as considerações históricas sobre saúde e doença, ressaltando o viés supersticioso com o qual sempre foram tratados tais assuntos. Tal intenção em retratar os termos saúde e doença é simples: as histórias entre as duas divisões se confundiram e se misturaram no decorrer dos tempos. Dessa forma, temos um apanhado histórico desde os tempos pré-históricos, passando pela antiguidade, Idade Média e Renascimento, até chegar à Psicanálise e, mais recentemente, aos postulados da Psicossomática e Psiconeuroimunologia.
O problema da doença foi uma preocupação humana desde a antiguidade. E tal preocupação não se resumia apenas ao tratamento da doença, mas sim, sua explicação. O caráter supersticioso foi bastante investigado, por exemplo, nas culturas assírio-babilônicas, graças às descobertas arqueológicas que permitiram vislumbrar a visão dessa cultura já antiga. Na Grécia Antiga, a doença era vista como uma fúria dos deuses. Tal visão grega só se modificou com as explicações dadas por Hipócrates, ofereceram uma visão completamente diferente da que se tinha até então nos tempos antigos.
Hipócrates de Cós (460 a.C.), que deu à medicina o espírito científico, em uma tentativa de explicar os estados de enfermidade e saúde, postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue; desta forma, a saúde era baseada no equilíbrio destes elementos (CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 39).
Outros pensadores da antiguidade, além de Hipócrates, auxiliaram na modificação não apenas da noção de saúde e doença, mas da própria relação que a nossa alma tinha com o nosso corpo. Demócrito foi um desses pensadores que, a partir da sua teoria dos átomos como unidades indivisíveis, auxiliou na difusão da ideia de que a alma era constituída por átomos, e que a partir dos poros de nossos corpos, nos permitiam as sensações (evidentemente, o que se entende aqui é que as sensações eram atividades da alma). Contribuição importante também deu Cláudio Galeno (129-199), cujas ideias defenderam a teoria dos temperamentos e a influência do desequilíbrio deles na saúde do indivíduo. Como pode se notar, foi a Grécia que trouxe inicialmente a noção de que a doença tinha um caráter interno que a gerava e condicionava. Foi só a partir de Paracelsus (1493-1541) que tivemos acesso à ideia de que doença ocorre por causa de agentes externos. O tratamento deveria ser, portanto, através de agentes químicos externos.
Em seguida, Castro, Andrade e Muller (2006) demonstram a visão que se tinha de saúde e doença na Idade Média. De forma resumida, a doença era um castigo de Deus diante do pecado dos homens. Vale ressaltar que, nesse período, Santo Tomás de Aquino teve um importante papel, pois defendia a ideia de a razão ser atributos divinos da alma humana, separada portanto do corpo. É possível dizer aqui que, provavelmente, as ideias cartesianas vindas de Descartes tiveram suas origens aqui, na Idade Média.
Ao avaliar o período da modernidade nota-se um interesse crescente pelas ciências naturais. Descartes, imerso neste contexto, postulou a separação total da mente e corpo, sendo o estudo da mente atribuído à religião e à filosofia, e o estudo do corpo, visto então como uma máquina, era objeto de estudo da medicina (DESCARTES, 1637/2000 apud CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 40).
Com a chegada do século XX e o advento das teorias psicanalíticas, tivemos um retorno das ideias que ressaltavam o papel do ambiente interno. “Observa-se [no entanto] que desde seu início a psicanálise partiu do corpo, com os estudos de Freud sobre a histeria e sua atenção às conversões” (CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 40). E foi em 1917 que a relação corpo/mente foi mais investigada e teorizada. Um influente psicanalista chamado Groddeck postulou que, tal qual a histeria, as demais doenças somáticas tinham um fundo psíquico, simbólico.
No entanto, apesar dessas considerações que buscavam integrar o corpo e a mente, separados desde a época de Descartes, o termo e o campo de investigações científicas denominada Psicossomática só foram cunhados por Heinroth em 1908. Assim,
“[...] psicossomático é definido como todo distúrbio somático que comporta em seu determinismo um fator psicológico interveniente, não de modo contingente, como pode ocorrer com qualquer afecção, mas por uma contribuição essencial à gênese da doença” (CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 40).
Castro, Andrade e Muller (2006) ainda colocam como importante ponto na história mente/corpo o nascimento do termo Alexitimia, cunhado por Sifneos. O termo passou a designar todos os indivíduos que não conseguiam verbalizar seus conteúdos internos. “A idéia central é que os sujeitos psicossomáticos se diferenciam dos demais pela pobreza do mundo simbólico, havendo pouca elaboração psíquica. Seu pensamento é do tipo operatório, aprisionado ao concreto e à orientação pragmática, tendo pouca ligação com o seu inconsciente”.
A partir de 1956, temos com Hans Selye o desenvolvimento do conceito de stress, que inicialmente foi denominado síndrome geral de adaptação. A implicação básica das idéias de Selye para a psicossomática é a descoberta de quanto e como o corpo se transforma sob o estresse. Neste sentido o estilo de vida atualmente é considerado como um importante fator para a saúde e prevenção da doença.
Por fim, Castro, Andrade e Muller (2006) demonstram o novo paradigma que vem buscando não apenas a integração mente/corpo, mas sim, uma nova forma de olhar a saúde e a doença, que é a Psiconeuroimunologia. Ela, “[...] tem suas origens no pensamento psicossomático e tem evoluído no sentido da realização de investigações de complexas interações entre a psique e o s sistemas nervoso, imune e endócrino” (CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 41).
O texto, apesar de curto, é bastante didático e instrutivo sobre o tema que se propõe analisar. Apesar disso, senti falta das considerações sobre o conhecimento egípcio a respeito de saúde e doença que, em sua época, diferia muito das explicações gregas. O conhecimento anatômico do corpo humano certamente deram aos egípcios uma relação diferente com as categorias saúde/doença e corpo/mente(alma). Vale ressaltar que, por ser um texto de autoras aliadas à Psicanálise, esse não é um artigo que coloca em cheque a existência ou não da mente, tal qual a Análise do Comportamento o faz. Mas para início de conversa, é um texto excelente para iniciar discussões até hoje tão acaloradas no meio científico e filosófico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário