Mente e corpo sempre estiveram
imbuídos de conteúdos “mágicos”. É o reinado absoluto da superstição desde a
pré-história. Pelo menos é essa a visão que Maria da Graça de Castro, Tânia M.
Ramos Andrade e Marisa C. Muller querem nos passar em seu artigo Conceito de
Mente e Corpo através da História. Publicado na revista Psicologia em Estudo no
ano de 2006, o presente artigo é uma introdução bastante resumida (tem apenas 5
páginas) de um tema amplo, que é o problema Mente x Corpo.
O texto se inicia com as
considerações históricas sobre saúde e doença, ressaltando o viés supersticioso
com o qual sempre foram tratados tais assuntos. Tal intenção em retratar os
termos saúde e doença é simples: as histórias entre as duas divisões se
confundiram e se misturaram no decorrer dos tempos. Dessa forma, temos um
apanhado histórico desde os tempos pré-históricos, passando pela antiguidade,
Idade Média e Renascimento, até chegar à Psicanálise e, mais recentemente, aos
postulados da Psicossomática e Psiconeuroimunologia.
O problema da doença foi uma
preocupação humana desde a antiguidade. E tal preocupação não se resumia apenas
ao tratamento da doença, mas sim, sua explicação. O caráter supersticioso foi
bastante investigado, por exemplo, nas culturas assírio-babilônicas, graças às
descobertas arqueológicas que permitiram vislumbrar a visão dessa cultura já
antiga. Na Grécia Antiga, a doença era vista como uma fúria dos deuses. Tal
visão grega só se modificou com as explicações dadas por Hipócrates, ofereceram
uma visão completamente diferente da que se tinha até então nos tempos antigos.
Hipócrates de Cós (460 a.C.), que
deu à medicina o espírito científico, em uma tentativa de explicar os estados
de enfermidade e saúde, postulou a existência de quatro fluidos (humores)
principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue; desta forma, a
saúde era baseada no equilíbrio destes elementos (CASTRO, ANDRADE e MULLER,
2006, p. 39).
Outros pensadores da
antiguidade, além de Hipócrates, auxiliaram na modificação não apenas da noção
de saúde e doença, mas da própria relação que a nossa alma tinha com o nosso
corpo. Demócrito foi um desses pensadores que, a partir da sua teoria dos
átomos como unidades indivisíveis, auxiliou na difusão da ideia de que a alma
era constituída por átomos, e que a partir dos poros de nossos corpos, nos
permitiam as sensações (evidentemente, o que se entende aqui é que as sensações
eram atividades da alma). Contribuição importante também deu Cláudio Galeno (129-199),
cujas ideias defenderam a teoria dos temperamentos e a influência do
desequilíbrio deles na saúde do indivíduo. Como pode se notar, foi a Grécia que
trouxe inicialmente a noção de que a doença tinha um caráter interno que a
gerava e condicionava. Foi só a partir de Paracelsus
(1493-1541) que tivemos acesso à ideia de que doença ocorre por causa de
agentes externos. O tratamento deveria ser, portanto, através de agentes
químicos externos.
Em seguida, Castro, Andrade e
Muller (2006) demonstram a visão que se tinha de saúde e doença na Idade Média.
De forma resumida, a doença era um castigo de Deus diante do pecado dos homens.
Vale ressaltar que, nesse período, Santo Tomás de Aquino teve um importante
papel, pois defendia a ideia de a razão ser atributos divinos da alma humana,
separada portanto do corpo. É possível dizer aqui que, provavelmente, as ideias
cartesianas vindas de Descartes tiveram suas origens aqui, na Idade Média.
Ao avaliar o período da
modernidade nota-se um interesse crescente pelas ciências naturais. Descartes,
imerso neste contexto, postulou a separação total da mente e corpo, sendo o
estudo da mente atribuído à religião e à filosofia, e o estudo do corpo, visto
então como uma máquina, era objeto de estudo da medicina (DESCARTES, 1637/2000
apud CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 40).
Com a chegada do século XX e o
advento das teorias psicanalíticas, tivemos um retorno das ideias que
ressaltavam o papel do ambiente interno. “Observa-se [no entanto] que desde seu
início a psicanálise partiu do corpo, com os estudos de Freud sobre a histeria
e sua atenção às conversões” (CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 40). E foi em
1917 que a relação corpo/mente foi mais investigada e teorizada. Um influente
psicanalista chamado Groddeck postulou que, tal qual a histeria, as demais
doenças somáticas tinham um fundo psíquico, simbólico.
No entanto, apesar dessas
considerações que buscavam integrar o corpo e a mente, separados desde a época
de Descartes, o termo e o campo de investigações científicas denominada
Psicossomática só foram cunhados por Heinroth em 1908. Assim,
“[...] psicossomático é definido
como todo distúrbio somático que comporta em seu determinismo um fator
psicológico interveniente, não de modo contingente, como pode ocorrer com
qualquer afecção, mas por uma contribuição essencial à gênese da doença”
(CASTRO, ANDRADE e MULLER, 2006, p. 40).
Castro, Andrade e Muller (2006) ainda
colocam como importante ponto na história mente/corpo o nascimento do termo
Alexitimia, cunhado por Sifneos. O termo passou a designar todos os indivíduos
que não conseguiam verbalizar seus conteúdos internos. “A idéia central é que
os sujeitos psicossomáticos se diferenciam dos demais pela pobreza do mundo
simbólico, havendo pouca elaboração psíquica. Seu pensamento é do tipo
operatório, aprisionado ao concreto e à orientação pragmática, tendo pouca
ligação com o seu inconsciente”.
A partir de 1956, temos com Hans
Selye o desenvolvimento do conceito de stress, que inicialmente foi denominado
síndrome geral de adaptação. A implicação básica das idéias de Selye para a
psicossomática é a descoberta de quanto e como o corpo se transforma sob o
estresse. Neste sentido o estilo de vida atualmente é considerado como um
importante fator para a saúde e prevenção da doença.
Por fim, Castro, Andrade e
Muller (2006) demonstram o novo paradigma que vem buscando não apenas a
integração mente/corpo, mas sim, uma nova forma de olhar a saúde e a doença,
que é a Psiconeuroimunologia. Ela, “[...] tem suas origens no pensamento
psicossomático e tem evoluído no sentido da realização de investigações de complexas
interações entre a psique e o s sistemas nervoso, imune e endócrino” (CASTRO,
ANDRADE e MULLER, 2006, p. 41).
O
texto, apesar de curto, é bastante didático e instrutivo sobre o tema que se
propõe analisar. Apesar disso, senti falta das considerações sobre o
conhecimento egípcio a respeito de saúde e doença que, em sua época, diferia
muito das explicações gregas. O conhecimento anatômico do corpo humano
certamente deram aos egípcios uma relação diferente com as categorias
saúde/doença e corpo/mente(alma). Vale ressaltar que, por ser um texto de
autoras aliadas à Psicanálise, esse não é um artigo que coloca em cheque a
existência ou não da mente, tal qual a Análise do Comportamento o faz. Mas para
início de conversa, é um texto excelente para iniciar discussões até hoje tão
acaloradas no meio científico e filosófico.
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