Eu poderia dizer que ler Pondé é
algo perigoso, que Pondé é um autor ácido, que ele um autor desprezível. Mas
pelo contrário. Iniciarei essa resenha dizendo que Pondé me trouxe um alívio
muito grande. Adiante, explicarei o porquê. O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia é um livro de autoria de
Luiz Felipe Pondé, escrito em 2012, com 24 capítulos mais a Introdução e o
Apêndice. Desde então, o livro vem causado um mal-estar acompanhado de uma
agitação muda por parte dos intelectuais brasileiros. De fato, é um livro que
quebra a ordem dos discursos existentes na área das Ciências Humanas dentro da
academia brasileira.
Pondé (2012) inicia seu texto
dizendo ser um pecador, e logo fica clara a razão de tais palavras, pois Pondé
se coloca claramente contra certas ideias já bem estabelecidas pela esquerda
brasileira que vem, com o decorrer dos anos, se colocando como verdade imutável e
inquestionável. Em suma, o pecado de Pondé é ser contra o Politicamente Correto
(PC). Ao iniciar suas considerações, Pondé relata a Aristocracia como o modelo
político baseado (inicialmente) na honra e na coragem, mas as deturpações
causadas pelo dinheiro (tornando a Aristocracia um governo baseado em acúmulo
de bens) mudaram a ordem do jogo, e trouxe os “covardes” para uma posição
bastante privilegiada: amparados pelos “fortes,
que carregam o mundo nas costas”.
Tais considerações iniciais são
os passos primeiros para a questão da Democracia, tão criticada por Pondé. Mas
que fique claro: Pondé é a favor da Democracia sim, pois de todos os modelos
políticos, ela seria o modelo menos pior. Mas Pondé não fecha os olhos para os
problemas decorrentes dela. Para ele,
Uma coisa que salta aos olhos é a
tentativa de chamar qualquer um que critique a democracia de antidemocrático. A
sensibilidade democrática é 'dolorida', qualquer coisa ela grita. Mas não me
engano com ela: esse 'grito' nada mais é do que a tentativa de impedir críticas
que reduzam a vocação também tirânica que a democracia tem como regime 'do
povo'. O 'povo' é sempre opressor, Rousseau e Marx são dois mentirosos. [...] Quando
aparece politicamente, é para quebrar coisas. O povo adere fácil e
descaradamente (como aderiu nos séculos 19 e 20) a toda forma de totalitarismo.
Se der comida, casa e hospital, o povo faz qualquer coisa que você pedir.
Confiar no povo como regulador da democracia é confiar nos bons modos de um
leão à mesa. Só mentirosos e ignorantes têm orgasmos políticos com o 'povo' (Pondé, 2012).
Sua primeira crítica é em
relação à Democracia como um “Estado de Direitos”. Para Pondé, “a tentativa de definir a democracia como
“regime de direitos” é ridícula porque não existem direitos sem deveres, por
isso a ideia de que piolhos ou frangos tenham direitos começa a aparecer quando
separamos direitos de sua contrapartida anterior, os deveres” (Pondé,
2012). Como uma moedas de dois lados, a Democracia também tem duas faces. Em
uma delas, está incrustada a insígnia “Liberdade”. Do outro lado, a palavra “Igualdade”.
Mas engana-se quem pensa que tais características se demonstram mutuamente. Tal
qual uma moeda que cai ao chão, mostrando portanto apenas um de seus dois lados,
a Democracia também se caracterizaria por mostrar apenas um de seus lados. Para
Pondé é, infelizmente, a Igualdade que se mostra mais hoje. A conta é simples:
a Liberdade acentua diferenças e estimula criatividades; em contrapartida, a
Igualdade nivela as diferenças e desestimula a criatividade. Por isso que, para
Pondé, vivemos em um país (mundo?) de seres medíocres.
Quando você dá mais espaço para a
liberdade, a tendência é de que a democracia acentue as diferenças entre as
pessoas e os grupos que nela vivem. Mas a liberdade é a chave da capacidade
criativa e empreendedora do homem. Quando você acentua a igualdade, a
democracia ganha em nivelamento e perde em criatividade e geração de abundância
para as pessoas (Pondé, 2012).
Num segundo momento, Pondé se
propõe a falar do Outro, se colocando claramente contra o discurso dos que
dizem amar a todos de maneira igual. “Quando
os outros estão longe, do outro lado do oceano, é bonitinho amar todos os
outros, mas, quando eles têm cheiro e hábitos outros, a coisa complica”
(Pondé, 2012). Também se propõe a falar da ausência de indivíduos autônomos,
devido à massificação constante que existe. Ninguém tem uma personalidade
autônoma... E isso é muito visível numa sociedade que visa a estereotipação de
costumes. Ser diferente é complicado. Na infância, descobrimos que é algo ruim
e que traz punições, na vida adulta,aprendemos a necessidade de seguir padrões.
A democracia, por agir a partir da massificação de opiniões, odeia a autonomia,
a individualidade, a especialidade.
Posteriormente, temos as
considerações sobre o Romantismo e a Natureza. Pondé abomina de forma explícita
os românticos e amantes da natureza. Ou melhor, os utópicos, que sonham em
voltar a “viver em árvores, tais quais os índios”. Aliás, Pondé claramente é
contra a visão romantizada do índio como seres que devem ter seus costumes
seguidos, devido ao amor que tem pela natureza.
Qualquer relação adulta com a natureza
implica saber que ela gera e destrói, e, nesse sentido, nossos ancestrais eram
mais adultos do que os retardados contemporâneos, pois cultuavam a natureza não
porque viam nela uma pureza santinha, mas porque enxergavam o poder dos deuses
ancestrais: beleza e crueldade.
(Pondé, 2012)
No capítulo Sexualidade, mulheres e homens, Pondé faz críticas incisivas ao
movimento feminista, principalmente no que para ele é um menosprezo de toda uma
base biológica do comportamento humano (psicologia evolucionista). Mulheres,
para Pondé, são seres que dependem da figura masculina, e ao negarem isso para
si mesmas, sofrem por isso. Um exemplo de comportamento biologicamente herdado
seria o caso das mulheres que se sentem obrigadas a comprovar sua fidelidade
para segurar um parceiro. Em contrapartida, haveria, ainda sob esse viés evolucionista, uma insegurança no homem que o
leva a garantir seu papel e sua obrigação para com a cria da mulher. Em A
beleza e a inveja, Pondé da continuação às críticas ao feminismo. Aqui, o feminismo teria um lado "inconsciente" altamente invejoso: já que há
mulheres bonitas, e as feias são a maioria, o feminismo criado faz com que as
bonitas não possam usar de sua beleza para conseguir o que querem. Para Pondé,
o feminismo é, no fundo, um movimento criado por mulheres feias ressentidas.
Em Os funcionários da educação, do intelecto e da arte, Pondé relata o
quanto os intelectuais são covardes na medida em que são inseguros sobre o
conhecimento que possuem, o que os faz atacar os que pensam diferente. A
insegurança faz com que os intelectuais se escondam atrás do muro das teorias
estabelecidas. Isso garante o status. No capítulo Religiões, fundamentalismos e budismo light, Pondé destila suas
críticas ao islamismo e ao budismo “zen”, que nas suas palavras, são assuntos
que tornam qualquer pessoa melhor vista socialmente quando são religiões e
culturas defendidas e vivenciadas, já que colocam em cheque a cultura americana
dos costumes. Assim, falar mal do islamismo é algo ruim. Politicamente
incorreto. Há determinadas crenças que podem ser criticadas. Outras não.
Já em Natureza humana e felicidade, é posto em cheque a bondade e a busca
desenfreada pela felicidade. De acordo com Pondé,
Hoje em dia, uma das coisas mais
queridas do politicamente correto é afirmar que não existe natureza humana. O
homem e a mulher seriam “construídos social e historicamente”. Vimos uma ideia
semelhante a essa no campo da sexualidade chamada de teoria de gênero. A praga
PC gosta dessa afirmação porque ela passa a ideia de que podemos melhorar (seja
lá que sentido tiver essa expressão “melhorar”) infinitamente intervindo
“livremente” em nós mesmos construindo seres humanos “livres” de si mesmos. A
raiz dessa crença também é a tentativa de superação da ideia de pecado como
“DNA da natureza humana” nas suas mais variadas formas. A intenção é negar que
exista qualquer limite ao desejo humano de se transformar, fazendo da vida
humana uma espécie de “projeto contínuo do humano novo”. Por isso, afirmar que
exista natureza humana por si só já soa politicamente incorreto, porque parece
impor o limite que nossa adolescente modernidade detesta ver (Pondé, 2012).
Colocando e lado as ideias de Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), que veria o homem como naturalmente bom, Pondé prefere
acreditar no que nos ensina Thomas Hobbes (1588-1679), que acredita ser o homem
ruim por natureza, e a sociedade como um entrave a toda essa maldade. O
Politicamente Correto colocaria o homem numa fantasia de anjo, livre de pecados
e maldades. Se acaso um dia ele for agir de forma cruel, é por conta dos Outros
que dominam o mundo. Em Teologia de
esquerda ou da libertação, Pondé retoma essa questão a partir das novas
perspectivas religiosas no catolicismo. De acordo com ele, essa roupagem
angelical sobre o humano acarretou em uma mudança de paradigma: o homem não
contém mais o mal em si (pecado). Sob um viés marxista, seria a sociedade que o
domina, tornando-o mal.
Pondé ainda faz reflexões sobre
a culpa, a justiça social e a ditadura nos capítulos subseqüentes. Em relação à
culpa, ela seria apenas um elemento básico da socialização humana que o Politicamente
Correto faz questão de esquecer. Já o problema com a justiça social é que esse
conceito “[...] vale como angústia
romântica, mas peca por falta de parâmetros racionais e concretos para
realizá-lo” (Pondé, 2012). Utilizando o discurso dos esquerdistas, que a
partir dos exemplos de países europeus que dão certo a partir da Justiça
Social, Pondé destaca que é fácil haver justiça social num país de iguais com
um contingente populacional e um espaço territorial pequeno. O que não é o caso
do Brasil, onde a miscigenação, a diversidade e um espaço territorial vasto são
características primeiras de nosso país. Por fim, Pondé dá um crédito à
Ditadura Militar, cujo os efeitos são caracterizadas como uma “salvação nossa”
que nos livros de um governo cuja exemplo atual seria a Cuba e sua ditadura
esquerdista.
Dizem que em relação ao Pondé,
das duas, uma: ou você o ama, ou você o odeia. Eu, que por gostar de estar na
posição privilegiada dos “em cima do muro”, estou na metade do caminho entre o
amor e o ódio por Pondé. Vários pontos de seus argumentos eu discordei, concordei
com muitos e fiquei perplexo com a maioria. Algo que me deixou bastante
desconfortável, foi sua posição a favor da ideia de uma “natureza humana
original”. Sou um defensor daqueles que dizem ser o homem um animal que não tem
natureza, mas sim, condição. Uma condição humana. Não sei se é ironia, mas
Pondé parece acreditar de forma demasiada numa natureza humana que foge (ou vai
além) dos aspectos biológicos. Seria uma influência de sua formação
psicanalítica?
Outro ponto conflituoso foi
quando Pondé deixa explícito o seu desconforto com a Democracia que “dá voz aos
medíocres” para opinar sobre o mundo. Discordo dele nesse ponto. É óbvio que
nem todos são cultos eruditamente para opinar sobre o mundo. Mas a capacidade
reflexiva é algo que considero como um direito básico humano. Se eu tirar esse
direito dos alunos de Engenharia (como no exemplo dado por Pondé em determinado ponto do livro), a capacidade
criativa cessa, e uma nova ditadura se inicia. O pensamento (mesmo aquele não
filosófico) estimula a criatividade e a liberdade.
Outro ponto que discordei é
sobre a defesa de Pondé a favor dos testes em animais. Sou veementemente contrário
a isso. Acredito que a ética (animal e humana) não impede os avanços da ciência.
Pelo contrário, serve de guia, pois caso contrário, teríamos uma ciência cega.
No que diz respeito ao feminismo
(contrapondo-o às descobertas evolucionistas), eu digo que fiquei perplexo,
como uma paralisia muscular que nos atinge diante de um medo súbito. De fato,
parece que fazer constatações biológicas sobre sexos adquire o tom de machismo
em certo ponto. Até concordo com Pondé. Mas suas críticas parecem que recaem
unicamente na classe intelectual, que colocam na sociedade todo o peso da culpa
sobre a existência do machismo. Mas fora
do ambiente intelectual e acadêmico, sinto uma naturalização do que é papel de
homem e papel de mulher. Isso me deixou perplexo e com a sensação de que a
generalização foi demasiada e, por isso mesmo, equivocada. Mas que fique claro:
Pondé defende os direitos das mulheres, mas não é a favor dos que dizem ser a
mulher e o homem seres iguais (diferenciados “apenas” pelos órgãos genitais).
Também senti que a questão da
beleza colocada aqui por Pondé foi muito superficial. Queria mais considerações
históricas e biológicas do termo. Históricas, por que o modelo de beleza mudou
muito com o tempo. Biológicas, por que em termos de seleção natural, uma mulher
magra não simboliza o fértil e saudável; a mulher gorda representaria a saúde e
a fertilidade, pois se alimentaria mais e teria um corpo mais forte capaz de
suportar a brutalidade masculina. Pondé retratou muito bem essas questões no
capítulo Sexualidade, mulheres e homens,
mas agora parece que esqueceu de considerá-las no capítulo Beleza e inveja. A feia inveja a bonita. Mas de que feia ele fala?
E por que mudar o padrão belo-feio é algo que parece irritá-lo?
Essas são minhas principais
críticas e pontos conflituosos que o texto me deixou. Mas antes de fazer essas
considerações eu deveria deixar meu agradecimento a Pondé. Há muito tempo sinto
uma verdadeira ditadura tomar conta das discussões dentro da área das Ciências
Humanas. São discussões mecanizadas, com jargões e frases já bem definidas e,
quando colocadas no momento certo, são as palavras-chaves para o sucesso de uma
palestra, ou debate ou discussão acadêmica. Mas Pondé resgata aquilo que mais
estimo no ideal de Democracia: o falar sem medo da represália. Óbvio que não é
isso que vemos na prática quando os discursos intelectuais são unificados. Mas
duvido que seja considerado democrático um espaço onde o embate de ideias não
existe, apenas um discurso fechado que usa do diálogo apenas como forma de se
fortalecer e estabelecer permanentemente.
Por fim, cheguei à conclusão de que Pondé é para poucos e para
todos. Para poucos, por que são poucos os que sentem esse incomodo atual que a
Democracia real nos coloca: o poder falar apenas quando a fala for de
concordância e não coloque em cheque a própria Democracia. Mas paradoxalmente é
para todos, pois dá um verdadeiro “puxão de orelha” nos que não duvidam de suas
verdades. Enfim, Pondé é para os que não temem sair de sua Zona de Conforto.
REFERÊNCIA
PONDÉ, Luiz Felipe. Guia
politicamente incorreto da filosofia. São Paulo : Leya, 2012.

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