domingo, 7 de dezembro de 2014

Oi?

Eu sou Ronald, um estudante de Psicologia e aspirante do curso de Filosofia. Em poucas palavras, me considero um desajustado nato e incurável (pressupondo, aqui, que ser desajustado seja uma doença). Sou amante de vários gêneros musicais, mas isso não me faz eclético. Amo música clássica, sendo de minha preferência as músicas de Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Debussy, Vivaldi e Haydn. Gosto mais ainda de Jazz, um gênero que só tive a felicidade de conhecer em 2014. Agora, me considero um amante inveterado de Frank Sinatra. Louis Armstrong, Nina Simone, Herbie Hancock, B.B. King e Charles Mingus. Outros gêneros que gosto é rock, principalmente o rock que considero calmo, embora eu goste de AC/DC. Aprendi a gostar também de MPB, mas confesso que passei a ouvir apenas para desencargo de consciência, pois chegou um momento em que considerei ridículo não gostar de nenhum estilo musical nacional. Hoje, me divirto escutando Diogo Nogueira e Mart'nalia, me apaixono escutando Chico Buarque, Caetano Veloso e Maria Gadu e, por fim, me acalmo ouvindo chorinhos e samba raiz, incluindo aqui Adoniran Barbosa, Garoto, Pixinguinha e Dona Ivone.
Tenho um frisson também por filmes classificados como cinema-arte, ou, mais popularmente, os pejorativamente taxados de cinema cult. Assisti muitos, e confesso minha paixão pelos filmes em preto e branco. Jamais me esquecerei de Baby Jane. Justo dizer que aprecio muitas séries, o que me deixa um pouco próximo dos demais, pois é um gosto facilmente compartilhado. Em literatura, aprecio os gêneros policiais, com ênfase em Agatha Christie. Minha meta, no entanto, é ter acesso a vários títulos clássicos, como por exemplo Orgulho e Preconceito e Irmãos Karamazovi, de Dostoiévsky. E por falar em metas, planejei voltar a estudar os conhecimentos básicos, como Língua Portuguesa, Matemática, Biologia, Química, Física, História e Geografia, além de aprofundar minhas noções básicas em Economia e Política. Isso porque notei minha profunda alienação e minha falta de posicionamento crítico. Pretendo aprender ainda o Inglês e o Francês, além de re-aprender Espanhol.
Para o futuro, pretendo realizar um mestrado em Psicologia e mais uma graduação, em Filosofia, para que meu doutorado seja na mesma área. Além disso, quero fazer três especializações: uma em Terapia Comportamental, outra em Cidadania e Direitos Humanos e uma em Didática para o Ensino Superior. Meu maior medo é ser idiota, mas não ter consciência disso (obs: hoje em dia, eu sei que o sou). Meu maior sonho é não depender de ninguém. Minha maior vontade é encontrar alguém como eu, para que eu posso discutir de tudo. Meu futuro ideal é estar estabilizado, com meus livros publicados e, se não puder morar lá, pelo menos viajar frequentemente para a França. Não sei se quero ter um relacionamento duradouro, pois meu companheiro teria que me acompanhar em tudo, e sei que (1) isso é pedir demais e (2) eu não desistiria dos meus sonhos por nada.
Bom, disse anteriormente que meu sonho é ser escritor, e isso é fato. Tenho, atualmente, três projetos distintos passeando entre meus devaneios, mas nenhum materializado ainda numa folha de papel. Meu primeiro projeto seria uma coletânea de contos policiais, narrando os mistérios desvendados por Antônio (nome provisório), um negro que viveu durante anos na Inglaterra e que é fã dos livros da Agatha Christie. Meu segundo projeto é bem mais surrealista, e narraria a história de 8 jovens que descobrem ser portadores do que se chama de “8 poderes essenciais”, que passa de geração a geração. Por fim, meu terceiro projeto é o que mais me tira o sono, mas esse eu pretendo publicar apenas após meus 40 anos. A proposta trata-se de uma coletânea com sete romances, cada um trazendo a personificação gay dos sete pecados capitais. A ideia seria contar a história de sete vilões, e como os sete pecados motiva eles a fazerem suas vilanias. Confesso que o que me impede de pôr essas ideias no papel é minha preguiça!
Sobre amor? Posso dizer que amei poucos, mas todos que amei, eu amei intensamente. Mas sempre chega o momento em que meu amor deve competir com meu individualismo, e confesso que meu individualismo sempre ganho. E é nesse ponto que posso me dar uma classificação mais objetiva: eu definitivamente não sou uma boa pessoa. Nunca fui, mas antigamente eu não sabia disso. Acho esse tema complexo, pois acredito que sou feito de camadas, ou seja, sei que tenho meu lado bom, mas não sou cego em dizer que meu lado mau é realmente cruel. Por isso não ouso dizer qual é minha verdadeira essência, prefiro acompanhar Sartre, que me dá uma posição confortável: a existência precede a essência.
Por fim, para que serviu esse texto? Ouso dizer que para nada serviu. Mas o que é o nada, senão o intervalo entre o tudo de antes e o tudo do depois? Talvez por isso eu tenha escrito esse texto: dou muito valor aos intervalos da vida.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Um Deus bipolar para um rebanho de vaidosos

Independente do que cada um acredita, quem tem um conhecimento mínimo sobre a história do Cristianismo e a forma como a Bíblia se organiza sabe que o Deus do Antigo Testamento não é o mesmo Deus do Novo Testamento. Os primeiros cristãos, inteligentes e muito perspicazes, logo admitiram que havia um mistério nisso, e esse mistério só poderia ser palatável com o advento de um novo mistério: o mistério da Santíssima Trindade. Assim, seguindo a tradição de outros povos, deixamos de ser monoteístas e entramos de cabeça no mundo politeísta, embora cristão algum admita isso. O caso do catolicismo consegue ser o mais interessante ainda, pois aqueles que assim como eu nasceram nessa cultura, já devem ter notado a similaridade da quantidade de santos católicos com os deuses e semi-deuses do panteão grego.
Enfim, disse tudo isso antes como um desabafo do que como algo necessário ao que pretendo dizer. E o que desejo falar é muito simples. Se houve um momento em que o Deus cultuado era o Deus do Antigo Testamento, tal momento negro (que uns preferem chamar de Idade Média) passou por uma lenta transição até o Deus do Novo Testamento através da Reforma Religiosa, iniciada por homens como Martinho Lutero e João Calvino. Isso nos permitiu, entre outras coisas, nos tornamos os capitalistas que somos hoje. E não foi por acaso: o Deus do Novo Testamento é o Deus mais amigável de todos, e é capaz de permitir algo que nem mesmo Zeus, para os gregos, era capaz de aceitar, que é a vaidade humana. Bom, na minha pouca (ou quase nenhuma) noção de história, vejo que uma das coisas mais importantes para sermos os capitalistas que somos hoje é a questão da vaidade, pois humildade nunca foi um bom ingrediente para quem pretende ser mais do que já é. Até para ser santo é preciso ser mais vaidoso que a maioria e acreditar que não há ninguém mais humilde no mundo do que você. São Francisco que o diga!
Mas e hoje, qual será o Deus que decidimos nos ajoelhar? Será ao Deus cruel, capaz de escolher a dedo quais filhos sobreviverão e quais irão sobreviver? Ou o Deus generoso e bondoso, que no seu ato de mais pura misericórdia, se permitiu sofrer para que os seus não sofram? Tirando o dia para pensar nisso, cheguei à conclusão de que não nos ajoelhamos a nenhum dos dois. Apenas escolhemos os ensinamentos daquele que melhor se adéqua à situação. Uma aberração teológica, evidente. Na Grécia Antiga, tirando o culto à Deusa do fogo sagrado (Hestia), era comum o culto a apenas mais um dos deuses; o restante era visto com respeito e temor, nada mais. Mas por que será que somos assim hoje? Por que, quando queremos atacar determinado grupo minoritário, utilizamos uma versão sanguinária de Deus, mas quando olhamos para os que são (aparentemente) iguais a gente, dizemos que Deus salvará a todos? Onde fica a lógica desse tipo de pensamento? Será algum tipo de mistério divino?
Há quem diga que Deus escolhe um povo para ser salvo. Não temo nada mais do que fazer parte do povo escolhido, pois se judeus e (no momento) palestinos sofreram e sofrem as mais diversas barbaridades, é sinal de que ser escolhido é penar duramente em vida até alcançar o Paraíso (me desculpem, mas é impossível acreditar na teologia da prosperidade com exemplos tão claros como esses...). Logo, é complicado usar esse argumento, o de que fazemos parte do povo escolhido, para dizer que nós seremos salvos, mas as minorias não. Se fosse assim, éramos para fazer parte do grupo que leva pedrada na rua diariamente. Então, a menos que você seja o “ladrãozinho” preso no poste, eu só posso te dizer uma coisa: Não! Você não faz parte do povo escolhido. Se você não é perseguido diariamente nas ruas, se não teme ser linchado por andar de mãos dadas com quem ama, se não teme sair por aí com o seu tipo de cabelo e o seu tom de pele, e principalmente, se sabe que é uma pessoa de bem, então só posso te dizer que Deus não te escolheu para fazer parte do rebanho dele. E isso por causa de um simples e claro motivo, que faço questão de repetir: ser parte do rebanho divino envolve sofrimento, algo que só palestinos sabem o que é atualmente.
Então, derrubado esse argumento, retorno à pergunta feita antes: por que Deus salva nossos iguais, mas condena cruelmente nossos diferentes? Por que esse amor é tão condicional? Ou, para quem acredita que Deus ama a todos igualmente, por que só certos pecados são passíveis de serem perdoados, e outros só são capazes de nos proporcionar um encontro com o anjo que virou rei? Meu pensamento chega a apitar me dando a resposta: a vaidade. A vaidade é, novamente, a única resposta capaz de explicar isso. Só que é muito mais engraçado isso agora do que antes. Se Martinho Lutero soubesse a ladeira abaixo com que estava levando a humanidade, talvez repensasse suas ações. Ou não. A gente, nunca sabe até que ponto o casamento é importante na vida de alguém.
O importante é notar que nossa vaidade não é a mesma que nos permitiu ver a Monarquia como um sistema de governo ultrapassado (admiro tanto os gregos por serem mais espertos...). Isso porque ainda éramos capazes de ajoelhar diante do Deus escolhido, o Deus amigável que permitia atos de vaidade. Ele não exigia isso, mas nós fazíamos. Logo, a humildade ainda foi importante nesse momento. Mas hoje, essa humildade, que muitos chamam de depressão e tentam medicá-la, simplesmente passou. Não mais nos ajoelhamos a Deus nenhum, como fazíamos antes. Ao contrário, ele que se ajoelha aos nossos pés. É ele que é chamado agora, cada vez que precisamos justificar nossas ações imorais e antiéticas. Mas, por outro lado, é ao Deus do Antigo Testamento que chamamos cada vez que precisamos julgar ou punir a mulher que foi estuprada por ousar sair a noite sozinha (e de forma indecente, que fique bem claro). Um Deus amoroso e acolhedor com a gente. Um Deus cruel com o outro. Nada mais demonstrativo da vaidade humana que atingiu índices nunca vistos antes na história (sim, eu tenho o sonho de ser âncora...), afinal, não somos nós que vamos até Deus. É ele que vem até nós. É ele que se sujeita. É ele, enfim, quem tem sua voz silenciada ou aplaudida conforme bem nos convém. Vamos admitir: nada mais demagógico, não?
Mas calma lá. Se você é minoria e acha que o Deus de amor pode ser sua salvação, pode tirar seu cavalinho da chuva, como minha avó dizia. Mesmo o Deus de amor não suporta ladrãozinhos e marginais. O Deus de amor, que até me faz suspirar e acreditar num mundo melhor, há muito tempo que já foi privatizado. Mais uma vez, um demonstrativo da vaidade humana.
Bom, só quero concluir dizendo que vaidade não é, para mim, um pecado. Talvez essas sejam palavras de um pecador convicto, mas ainda assim eu teria a mesma reação que Aracne teve quando disse ser melhor que Athena. Mas tudo bem. O importante é que tenho a sensação muito íntima de que, apesar de tudo, serei salvo. Ou não. Esse meu ato de vaidade pode ser a gota d’água no copo cheio de um Deus cansado de servir de capacho para gente arrogante e insensível...


O que terá acontecido com Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?) - I've written a letter to daddy...

Será possível sentir saudades de um tempo não vivido? Não sei se é possível, mas é apenas assim que eu consigo expressar o que sinto quando assisto um bom filme em preto e branco. Desde jovem, eu era apaixonado por imagens em preto e branco. O cinza é uma cor que desde muito cedo me agrada. Mas partindo para o que interessa, fiz todo esse comentário para iniciar meus elogios (que não são poucos) ao filme O que terá acontecido com Baby Jane? (What Ever Happened to Baby Jane?). Dirigido por Robert Aldrich, o filme foi levado a público pela primeira vez em 1962, e trouxe de volta às telas estrelas de cinema já há muito tempo reconhecidas no meio: as atrizes Bette Davis e Joan Clawford.


O filme conta a história de Jane Hudson, outrora conhecida como Baby Jane, uma menina que ganhou destaque nos palcos. No entanto, após a velhice ter chegado, ela vive enclausurada, sem fama e nenhuma glória, em uma mansão junto com sua irmã Blanche Hudson. Blanche foi, quando criança, uma menina muito desprezada pelos pais, mas que conquistou muita fama na juventude, ao contrário de sua irmã Jane, que não conseguiu manter o sucesso que atingiu quando criança. Após um acidente de carro (fato esse muito relevante para toda a história), Blanche perde os movimentos das pernas, e se vê aos cuidados de sua irmã Jane. Agora, Jane é apenas um reflexo distorcido da grande estrela que foi quando criança, e isso é um fato que trás grandes consequências à sanidade de Jane.

O diretor, Robert Aldrich
O destaque é, logicamente, de Bette Davis como Baby Jane. É incrível como a personagem se desenvolveu tanto em um filme que não chega a 2 horas de duração. Jane é, para todos os efeitos, uma criança que não cresceu, e quando digo criança, esqueça as concepções angelicais que a nossa sociedade dita sobre o que é ser criança. Jane é impulsiva, cruel, capaz de sentir ódio, culpa e amor em um curto espaço de tempo. Célebre ficou para mim a cena em que ela coloca uma ratazana no jantar de Blanche, demonstrando bem o espírito infantil que Jane possui. Mas no decorrer da história, paramos de achar graça desse jeito de Jane, e passamos a temê-la. Jane fica sinistra, e o momento que abre definitivamente o lado mais sombrio de Jane é quando ela canta I've written a letter to daddy com o acompanhamento musical de Edwin Flagg (Victor Buono). Essa música foi o sucesso de Baby Jane quando criança, mas ganha ares sinistros e assustadores quando interpretado por Jane depois de velha.
Joan Crawford não fica para trás em sua atuação ao interpretar Blanche Hudson. Na verdade, Joan só não se destaque porque Blanche é uma personagem que deve representar a sanidade dentro do filme, e por isso, não é quem mais fica sob os holofotes. No entanto, não posso deixar de dizer que Joan foi muito além do que seu personagem exigia de si. A cena em que ela fica desesperada, andando em círculos dentro de seu quarto com sua cadeira de rodas, foi um momento tão sublime que fica impossível não se identificar com o desespero de Blanche, que se vê cada vez mais prisioneira dos maus tratos psicológicos e, consequentemente, físicos que sua irmã é capaz de fazer. Mas para além disso, Joan consegue deixar no ar a dúvida: será capaz alguém ser tão bonzinho assim com alguém que só lhe causa sofrimento? Essa dúvida me deixou intrigado durante o filme inteiro, e só o desfecho (que foi o desfecho mais surpreendente que já vi em minha vida) é que foi capaz de sanar minha dúvida. E não, não era a bondade pura e simples que oferecia a base ao tratamento que Blanche dava à sua irmã.


E ao contrário da maioria das resenhas que li, nas quais o destaque de ator coadjuvante foi dado à Victor Buono, eu prefiro elogiar a atuação de Maidie Norman como a empregada Elvira. Seu personagem foi fundamental no início da história (já em 1963), pois é a ela que Blanche confere suas palavras de pena e solidariedade a Jane. E além disso, é Elvira que faz o papel do público ao também não entender como Blanche pode suportar conviver com a irmã Jane.

Blanche (Joan Clawford) e Elvira (Maidie Norman)
O que terá acontecido com Baby Jane? é um filme que vale a pena assistir, pois demonstra uma fase muito promissora dos filmes americanos. Mesmo não seguindo a forma como os filmes de terror são feitos atualmente, o filme dirigido por Robert Aldrich consegue nos assustar muito. Não é um terror que nos pega de surpresa, mas um suspense que nos instiga a continuar assistindo o filme, mesmo que nossos corações batam mais rápidos, tanto por pena de Blanche quanto por medo de Jane. Uma história ótima para quem é fã de um terror psicológico.
Por fim, deixo a dica a quem se interessar pelo filme a assisti-lo até o final, pois é um desfecho muito revelador e que marca bem a que ponto a loucura de Jane (agora como Baby Jane definitivamente) chegou. Um belo retrato de quem se recusa a crescer.




Obs: Adorei pesquisar sobre esse filme, pois além de conhecer as atrizes Bette Davis e Joan Clawford, tive conhecimento do desgosto que uma tinha sobre a outra. Sentimento esse que, na minha opinião, ajudou muito no realismo com que a relação das irmãs Jane e Blanche foi retratado na tela.

Azul é a cor mais quente (La Vie d'Adéle) – “[...] mas tenho muito carinho por você, e sempre terei”

O cinema francês é incrível! Não consigo me expressar de outra maneira. Desde que entrei nessa “vibe” de assistir filmes “cults” (ou seja, filmes que fogem da regra imposta pelos filmes hollywodianos, nos quais os efeitos visuais e a adrenalina são mais importantes do que os diálogos), tenho me impressionado bastante com a delicadeza e profundidade com que a França consegue contar suas histórias ao público. Para mim, é como estar abrindo meus olhos a um novo mundo, depois de estar a um longo tempo insatisfeito, mas sem saber o porquê.
Enfim, a resenha de hoje é sobre um filme que se encaixa como uma luva nessas minhas impressões iniciais. Trata-se do filme Azul é a cor mais quente (La Vie d'Adéle), filme de 2012 dirigido por Abdellatif Kechiche e inspirado livremente pela HQ de Julie Maroh, Le Bleu est une Couleur Chaude. A história conta a vida de Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma garota de 15 anos que se vê apaixonada por Emma (Léa Seydoux), uma mulher um pouco mais velha, dona de belos cabelos azuis e cujo oficial principal é a pintura e o desenho.


O interessante é que apesar desse ser o resumo do filme, essa história é antes sobre a descoberta de Adèle (e de certa forma, de Emma também) a respeito de si mesma. Tanto que não é por acaso que Jean Paul Sartre (filósofo que eu estimo muito) é citado em certas passagens do filme através de seu ensinamento mais célebre: a existência precede a essência. E isso fica claro porque Adèle literalmente se descobre homossexual através da paixão singela, porém intensa, por Emma.
A construção das personagens não poderia ocorrer de forma mais sublime. Adèle é a típica adolescente com conflitos da adolescência, e embora esse seja um clichê, o filme se utiliza muito bem disso para dar forma a Adèle. No que começa com um simples conflito sobre “que faculdade fazer” se transforma num conflito muito mais intenso sobre a busca de “quem eu sou’. E nessa busca, Adèle precisou fazer escolhas não tão fáceis, como por exemplo, suas relações de amizades. Numa as cenas que eu mais me revoltei, aqueles que se diziam amigas de Adèle foram as primeiras a julgarem e se desfazerem dela. Um ensinamento muito real sobre quem são nossos amigos realmente, que em minha opinião, são aqueles capazes de aceitar nossas mudanças.
A personagem Emma não fica para trás. Apresentada como a garota mente aberta e pé no chão, ela representa o contraponto de Adèle ao oferecer um personagem com quem o público adulto posso se identificar também. E de fato, Emma faz jus ao título “azul é a cor mais quente”, pois foi ela quem trouxe intensidade à vida monótona de Adèle. Além disso, acho que cabe dizer aqui que eu mesmo me apaixonei por Emma. Ela conseguiu me conquistar. Eis meu destino: cada vez que me apaixono por mulheres, são por lésbicas... Como diz a mãe de Adèle em determinado momento do filme, azul é uma cor que caiu muito bem em Emma.


Na humilde opinião de quem apenas aprecia, mas não entende as variáveis técnicas de um filme, eu diria que a história de Adèle conseguiu um dos seus objetivos principais, que eu acredito que seja o de mostrar uma relação afetiva lésbica de forma bastante delicada e abarcando toda a complexidade psicológica e social que são inerentes à vida de nós, homossexuais.
O diretor, Abdellatif Kechiche 
O filme conquistou em 2013 o prêmio Palmas de Ouro, no Festival de Cannes, mas sua curta história não é isenta de problemas e críticas. Léa Seydoux deu um comentário bastante crítico a respeito da forma como Abdellatif Kechiche dirigiu o filme, principalmente no que diz respeito às cenas de sexo (“Me senti uma prostituta”, disse Léa Seydoux). De fato, para quem como eu foi pego de surpresa em relação às cenas de sexo, tais momentos do filme causam bastante surpresa, ainda mais quando percebemos que essas cenas demoram a acabar. E por isso, imagino que gravar tais cenas deve ter sido bastante desconfortável às atrizes. Acho inquestionável que foram exatamente essas cenas que fecharam com chave de ouro a impressão que temos de como Adéle se jogou de cabeça em sua relação com Emma, e se eu for olhar apenas para o valor artístico, eu não tiraria tais cenas. Mas consigo compreender também o possível desconforto de Léa Seydoux.

Fora isso, percebi o filme como uma verdadeira lição de filosofia existencialista e de filosofia prática. Minha primeira impressão eu justifico devido à descoberta de si mesmo que ocorreu com Adèle, ou melhor, de sua definição. A minha segunda impressão é devido ao final do filme, que me lembrou uma frase que levo comigo até hoje: a vida não é feita de finais felizes. 


domingo, 10 de agosto de 2014

Reflexões de um maluco que não pode pedir carona

A pior coisa que se pode fazer a alguém é perguntar a ele(a) "quem é você" (lógico que o interesse é ir além do RG e CPF). O fato de nos desconhecermos me parece ser, na verdade, uma dificuldade em achar padrões: conhecemos nossas confusões, e por isso mesmo, nos confundimos; sabemos que somos múltiplos, e nessa multiplicidade nos perdemos na pergunta que só quer saber de uma certa unificação.
Por isso, as vezes penso que independente do quanto os outros nos conheçam, eles sempre saberão mais da gente do que nós mesmos. Não por que eles detém uma verdade que nós não temos acesso, ou porque somos tão "burros" que nem de nós mesmo sabemos. Mas sim, porque independente do quanto nós mesmos nos deixamos confusos, isso não interfere na nossa sobrevivência (num sentido mais amplo, por favor). No entanto, precisamos identificar padrões onde o caos é o padrão maior, e nosso ambiente (físico e social) é geralmente assim: um caos. Não podemos nos dar ao luxo de refletir muito sobre o que o outro é. Precisamos ser rápidos, astutos, pois só assim conseguiremos definir possíveis formas de interação com os outros.
No final, conseguimos estabelecer um padrão, uma unicidade em alguém que, obviamente, é muito mais do que um mero padrão coerente, lógico e bem definido. Isso é bom até, não é ruim. O problema é quando queremos ir contra aquilo que disseram que "somos", pois não temos uma alternativa melhor. Ou até temos, mas são várias, e os outros querem apenas uma alternativa. E isso é irritante!
Uns enlouquecem. Outros criam um personagem mais desejável (afinal, já que terei que ser um só, que seja o melhor). Mas a maioria se conforma (ou se resigna), e numa simples conversa (como a que tive hoje numa carona para a faculdade) respondemos a pergunta "quem é você" com a resposta decorada "sou isso, faço isso", por não sabermos o que dizer/responder. E isso basta! Já é mais do que suficiente para o outro saber com quem está lidando. Para ele está tudo ótimo! Para nós é que o problema se inicia...
E esse problema é que nós, até hoje, não sabemos com quem lidamos todos os dias, da hora que acordamos até a hora em que dormimos. E repito: isso realmente irrita. É quase uma demonstração sádica da natureza que diz "não importa quão inteligente você seja, humano; você nunca saberá tudo". E que ironia essa: o nosso limite final não é o universo, a biosfera, os outros, etc. Somos nós. Como diz alguém que conheço mas não lembro agora, "cara, como assim?"
Acredito que seja por isso que acho cansativo conhecer novas pessoas, pois uma coisa é se resignar a um personagem imposto por aqueles que "conhecem a gente tão bem". Outra coisa é perpetuar isso, dar continuidade a esse aparente padrão e unicidade que um dia disseram que nós somos.
Ok. Acho que vou parar de pegar carona. Isso tem me dado uma ressaca existencial danada!

“O Palhaço” (2011) – basta o cair das cortinas para as máscaras também caírem

Após muito tempo, decidi retornar à escrita de textos diários do meu blog. Não tenho desculpa alguma. Apenas fiquei sem saco para digitar, digitar e digitar... Mas como são poucos os espaços em que eu exponho minhas opiniões sinceras, logo tive uma séria crise de abstinência e precisei retornar à minha droga: a escrita. E retornarei à ativa com a resenha de um filme que me tocou muito. Trata-se do filme “O Palhaço”.
Sob a direção de Selton Melo, que também protagoniza o filme com o seu personagem Benjamin/Palhaço Pangaré, “O Palhaço” retrata a vida dos artistas do circo Esperança. Entre eles, destacam-se o Valdemar/Palhaço Puro Sangue (Paulo José), dono do circo; a dançarina e cuspidora de fogo Lola (Giselle Mota); os irmãos Lorotta (Álamo Facó e Hossen Minussi), músicos instrumentistas do circo e Dona Zaira (Teuda Bara). A trama gira em torno de Benjamin, um palhaço que, quando está fora dos palcos, abandona os sorrisos e as piadas para trazer no rosto um semblante triste pensativo. Mas na verdade, o que ocorre é que Benjamin está passando por uma crise de identidade, onde não mais se reconhece como Pangaré, o palhaço.
Assim como já li em outras resenhas, eu também não posso deixar de parabenizar a atuação de Paulo José, que nos presenteia com um personagem tão singelo que, num simples olhar, demonstra ser o personagem mais complexo da história. E isso é algo que me encantou não só na atuação desse ator, mas também em todo o filme. Sua complexidade não se encontra nas falas “difíceis”, ou na trilha sonora impecável, ou ainda no figurino. “O Palhaço” encanta mesmo é pela sua humildade. Essa é a palavra que definiria melhor o filme. Sua complexidade nos é passada através da humildade, da simplicidade.
Acredito que filmes nos dão mensagens muito pessoais, e por isso, cada interpretação será sempre única. E no meu caso, não pude deixar de me identificar com o personagem central. Desde Shakespeare, nos ensinam que a vida é um palco, um lugar onde seremos sempre vistos, e portanto, nossa atuação deve ser impecável. Mas e quando as cortinas caem, o que sobra? Ainda somos os mesmos? Nossas máscaras lembram nossos rostos reais? O palhaço Pangaré nos ensina que o mais comum é que palco e bastidores sejam dois ambientes extremamente diferentes quando nós mesmos não temos a menor noção de quem é o personagem e quem é o ator, a pessoa real. E talvez aí resida o ensinamento final do filme: enquanto não nos conhecermos, nossa atuação no picadeiro sempre arrancará o riso dos outros, mas para nós não fará sentido nenhum as palmas da platéia. Tal como quando a prostituta Tonha (Fabiana Karla) diz a Benjamin que ele “é engraçado”, e Benjamin, com um olhar perdido, apenas se cala. Afinal, a magia do palco ainda deve continuar.

Filme recomendadíssimo. Mas não espere que um filme sobre palhaços te fará rir apenas. Talvez ele te faça refletir mais sobre a vida, e quem sabe, te fazer pensar em sair do picadeiro.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

"Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações. ", de Marcos R. Silva e Lucas R.P. Paulino

 A leitura de hoje será sobre o artigo “Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações”. Escrito em 2011 na Revista Natureza Humana, é de autoria de Marcos Rodrigues da Silva e Lucas Roberto Pedrão Paulino. Marcos Rodrigues da Silva possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo e atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina. Lucas Roberto Pedrão Paulino, por sua vez, é psicólogo pela Universidade Estadual de Londrina, especialista e mestre em Filosofia pela mesma universidade e, atualmente, doutorando em Psicologia pela Universidade de São Paulo.
Para demonstrar os argumentos, o artigo utiliza um texto escrito pelo próprio Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), intitulado “A critique of psychoanalytic concepts and theories”, no qual Skinner faz suas críticas às teorias psicanalíticas. A crítica de Skinner recai sobre os aparatos mentais (consciente, inconsciente, id, ego, superego, etc.) da teoria psicanalítica. De acordo com ele, “[...] tais aparatos [...] não são delimitados com precisão dentro da própria teoria psicanalítica e, por isso, geram inúmeros problemas. Freud teria concebido seu objeto disposto em algum lugar da mente, não necessariamente físico, mas que, ainda assim, poderia ser descrito e explicado em termos físicos” (SILVA e PAULINO, 2011, p. 147).
Antes de fazer as considerações, os autores delimitam o que é o Behaviorismo Radical, local de onde Skinner se coloca para criticar as teorias psicanalíticas. Dessa forma, Entende-se Behaviorismo Radical como a filosofia que embasa a Ciência do Comportamento. O Behaviorismo Radical é um dos muitos behaviorismos existentes. Apesar de ser o que é mais praticado na comunidade científica atualmente, não é a única forma de recorrer ao comportamento como forma de explicar a vida humana. Além disso, os behaviorismos não são teorias unificadas, que concordam entre si.
Ele (o Behaviorismo Radical) difere dos outros behaviorismos – por exemplo, o behaviorismo watsoniano, cujo padrão explicativo é estímulo-resposta (S-R); os behaviorismos hullniano e tolmaniano, cujo padrão explicativo é estímulo-mediador-resposta (S-M-R) – pela demonstração do modelo operante do comportamento. Neste, o comportamento, entendido como um processo (Skinner, 1953, p. 15) que envolve a interação entre um estímulo/contexto, uma resposta e uma consequência (definindo o padrão S-R-C); é explicado pela descrição de sua regularidade e determinado pelas suas consequências (SILVA e PAULINO, 2011, p. 146).
Uma das preocupações de Skinner com a teoria behaviorista radical foi na delimitação do seu campo de estudo (ex: significado de “comportamento), pois para ele toda a ciência deve delimitar a área sobre a qual irá se debruçar. Desse entendimento, decorre a interpretação skinneriana dos pressupostos freudianos. Para Skinner, Freud não descobriu o inconsciente, o id o ego e o superego, mas o inventou. Ele elaborou um modelo causal com três aspectos principais: evento ambiental, estado mental e sintoma comportamental. E a explicação comportamental advém do estado mental. “Esse tipo de explicação gera os problemas de como observar e manipular o estado mental, e é inadequado para representar a história ambiental, dificultando o estudo do comportamento como uma variável independente e obscurecendo as variáveis ambientais pela sua transformação em eventos internos” (SILVA e PAULINO, 2011, p. 150-151).
Assim, alguns problemas decorrentes dessa forma de explicação comportamental é vista por Skinner nessa teoria. Primeiro, que o comportamento passa a ser uma mera expressão de eventos mentais; segundo, que a probabilidade de um comportamento ocorrer é tratada como algum tipo de modificação interna, como aumento ou diminuição da quantidade de energia libidinosa, instintiva ou de tendências agressivas; terceiro que os comportamentos são frutos da aquisição de eventos internos; quarto, que tratamento do comportamento como dado observável inexiste; e por último, que essa explicação se afasta dos problemas científicos legítimos relacionados ao estudo apropriado do comportamento.
O artigo [de Skinner] conclui dizendo que a teoria psicanalítica não permite a experimentação de seu objeto e, no máximo, deve esperar que as descobertas de ciências como a neurologia venham a satisfazer suas analogias. [...] a crítica do artigo é proveniente de uma crítica maior direcionada às teorias que estabelecem um objeto de estudo fora do domínio da própria teoria ou que não delimitam seu objeto de estudo, tornando-o de difícil acesso ou controle, se é que pode ser acessível ou controlado (SILVA e PAULINO, 2011, p. 151).
O artigo de Silva e Paulino (2011) se conclui com o tópico “Algumas considerações filosóficas”. A tese final levantada pelos autores diante da leitura do artigo de Skinner é de que este não exige de Freud correlação empírica de seus conceitos teóricos. Usando como exemplo a Física, que usa muitas vezes como forma explicativa entidades que não necessariamente tem correlações empíricas, Skinner defende que o importante é que um conceito científico mantenha relações com outros conceitos já consagrados dentro da própria abordagem teórica. Como síntese final, entendemos que a teoria freudiana (bem como as demais teorias cognitivas/mentalistas) não demonstra essas relações internas entre os seus demais construtos teóricos.


REFERÊNCIA

SILVA, Marcos Rodrigues da; PAULINO, Lucas Roberto Pedrão. Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações. Natureza Humana, vol.13, n.2, pp. 144-155, 2011. 

“Eu Não Faço A Menor Ideia Do Que Eu Tô Fazendo Com A Minha Vida” – uma lição de existencialismo cool

Assisti essa semana o filme “Eu Não Faço A Menor Ideia Do Que Eu Tô Fazendo Com A Minha Vida”. Direção de Matheus Souza, o filme conta a história de Clara, personagem interpretada por Clarice Falcão, uma garota que aos seus plenos vinte anos de idade se encontra perdida, sem saber o que está fazendo com própria vida. Pressionada pelos pais (interpretados por Nelson Freitas e Bianca Byington) a seguir a carreira de Medicina, profissão essa exercida por todos da família, Clara logo se sente insatisfeita com essa “escolha”. Passa então a matar as aulas e a frequentar um espaço destinado a jogos de boliche. Lá, Clara conhece Guilherme (Rodrigo Pandolfo), um rapaz que a ajuda muito nesse momento de crise.


Uma das impressões finais que tive do filme (a menos relevante na verdade) é que o filme, apesar de ser categorizado no gênero “Comédia”, não tem a comédia em si como seu foco. Na verdade, há poucos momentos cômicos. No filme, e a grande parte deles não são momentos cômicos forçados, mas que demonstram a ironia da vida e de situações cotidianas. Um dos momentos que ri muito, por exemplo, é quando o pai de Clara manda ela ficar de castigo em seu quarto sem televisão, e ela (como boa filha que é) fica de castigo conectada na internet. É um momento cômico por que demonstra essa falta de entendimento entre jovens e adultos, onde o pai já não entende que deixar o filho trancado no quarto e de castigo está longe de ser um castigo. Mas, como disse, essa é a minha impressão menos relevante.


Como estudante fanático por temas da Psicologia, vi nesse filme uma fonte riquíssima de conteúdos para serem trabalhados numa aula de Orientação Profissional. Digo isso não apenas por conta da temática geral, que lida com a escolha profissional (apesar de que, como direi mais a frente, não é exatamente esse o ensinamento que o filme nos traz). Dou essa sugestão também pela atualidade como o assunto foi tratado. A cultura pop, atual, os anseios jovens, a forma como vivemos hoje é abordada de forma tão rica que traz uma visão mais complexa de algo que parece fácil de ser discutido, que é a escolha profissional. Eu, como jovem-adulto-ainda-adolescente-e-com-várias-crises-juvenis me senti muito identificado com a personagem. Em momentos em que todos nos exigem escolhas rápidas, é fácil nos encontrarmos despreparados e chegarmos a um ponto onde notamos que não sabemos mais para onde estamos indo. Esse é um assunto muito bem ilustrado na parte em que Clara, apesar de sentir a inquietude de não saber para onde está indo, diz nunca ter parado para pensar em sua vida.


No entanto, o filme (como já disse) vai além da mera escolha profissional. O filme toca um ponto doloroso, que fazemos questão de manter escondido, que o fato que é o não saber nada sobre nós mesmos. Não mais nos auto-conhecemos, não sabemos nada sobre nós, somos completamente alienados sobre o nosso eu. Na passagem em que Clara faz um vídeo para concorrer a uma vaga no Big Brother Brasil, Clara ressalta que o seu defeito é não ter personalidade, o que a torna flexível a ser qualquer coisa. Mas ela não é exatamente flexível. A prova disso é a sua insatisfação em cursar Medicina. Algo que tenho dificuldade em dizer que é só fruto da nossa sociedade atual, mas que me parece possível ser real, é a rapidez e o excesso de informação. Temos que conhecer o mundo, mas e nós, onde ficamos?! Clara sente isso, e apesar de não pensar profundamente sobre, toma certas decisões, como por exemplo ter o mínimo de informação possível, pois sente medo que no dia em que ela se descubra, sua cabeça já esteja lotada. Nota: essa é também uma parte em que morri de rir (metaforicamente falando).


Minha crítica ao filme é sobre o único fato que não me permitiu uma identificação completa. Simplesmente não há personagens negros ou pardos na narrativa. Eles existem apenas durante o momento em que Clara está produzindo um documentário pessoal. Aliás, o filme conta a história de uma autentica integrante da classe média alta carioca, e por essa razão, não expõe algumas verdades vivenciadas por jovens da classe mais baixa, como por exemplo, o fato de que a escolha profissional é uma questão de sobrevivência. Senti realmente falta disso, de uma interação maior com a realidade pobre.
Por fim, ressalto a mensagem mais importante do filme, e que toca pontos que talvez passem despercebidos a quem está assistindo. Na cena que considerei mais emocionante, e que ocorreu nos momentos finais do filme, Clara expõe ao seu pai a falta que sente de ter um pai presente, que saiba mais sobre ela e “a leve pra passear no Jardim Botânico”. Essa cena é sublime justamente por que quebra uma tese formada no decorrer do filme, que é a ideia de que jovens (e só os jovens) tem problemas existenciais que atingem de forma contundente a profissão ou a escolha dela. Quando Clara termina sua “catarse”, o pai dela diz a frase “Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida”. Ou seja, adultos tem sim vários momentos de crise, e muitos deles acabam atingindo justamente quem eles mais amam. Foi um momento que quebrou meu coração, e notei que ainda sou humano (só não sei se isso é uma notícia boa...).

Um filme bom, calmo, tranquilo, com ótimo roteiro e atores muito competentes. Aos fãs da Clarice Falcão, é possível notar com mais força o lado atriz dela. E aos que não são tão fãs, um momento muito bom para pensar na nossa existência, pois como o próprio filme nos deixa implícito, é raro termos momentos assim, para simplesmente pensar...

Almoço em família

Domingo. Manhã fria até as oito e meia da manhã, mas quente a partir desse horário. Nada mais comum naquela pacata cidadezinha, esquecida por todos no meio do nada, e provavelmente, até do IBGE. Mas ainda assim, uma cidade orgulhosa de sua cultura, mesmo que invejosa por não fazer parte do rol das cidades mais lembradas do país.
A família do Senhor F. era uma representante fiel do modelo familiar daquela cidade. Ele, o Senhor F., um oficial da polícia militar aposentado, com ideias claras sobre o papel da polícia na sociedade (para ficar claro, um papel igual a dos mocinhos justiceiros. Sua esposa, a Senhora F., uma mulher de idade, concordante com a ideia de seu esposo, e profundamente espantada e irritada com a sociedade que “se perdeu com o tempo”. A única filha do casal, Senhora S., é uma mulher sem grandes ideias políticas, mas facilmente persuadida. Seu esposo, o Senhor S., um homem bom e generoso, mas que deseja uma sociedade mais dura com o caos que se instaura no mundo (seu desejo secreto é ser um justiceiro, mas a sorte lhe deu apenas um serviço público num escritório fechado). O casal tem três filhos; dois deles meros observadores de tudo sem entender nada; o mais velho, a imagem estranha que tem em toda a família, um ser desprezível.
Domingos são sagrados (mesmo que não rotineiros) para o encontro dessa família. O Senhor F. senta-se na ponta da mesa, com sua esposa à direita e seu genro à esquerda, demonstrando a hierarquia bem definida do pai de família. Macarronada, carne assada, arroz, mandioca. Tudo delicioso. Satisfeita com a mesa que está em sua frente, eis que a Senhora F. inicia seu momento filosofal enquanto morde um pedaço de sopa paraguaia.
- Essa Dilma vai acabar com o país mesmo – disse a Senhora F.
- Por que mãe? – perguntou a Senhora S.
- Vai transformar esse país uma Cuba! E o pior que não ta longe de acontecer não. Com essa modinha de direitos humanos, o tanto de bandido que ta sendo livre.
- Ah mãe, é o que eu falo: não consigo ter pena de bandido! Não consigo mesmo! – disse a Senhora S., dando uma olhada rápida ao seu filho mais velho.
- Agora a moda é essa mesmo, Dona F. Defender bandidinho e falar mal da polícia! – falou o Senhor S. enquanto mastigava um pedaço de carne.
- Mas tenho fé que isso vai acabar. Não tão sabendo da nova não?
- O que mãe?
- Tão tentando tomar o governo. Vão trazer uma nova ditadura! – disse Senhora F. com um brilho nos olhos.
- E isso é bom mãe? – perguntou a Senhora S. com um medo visível.
- Claro que é! – disse o Senhor F., que como de costume, só demonstra sua opinião em momentos cruciais. Esse negócio de bandido livre vai acabar. Vão voltar a respeitar a polícia.
- Mas sempre falam que é uma coisa tão ruim... disse Senhora S.
- É, tem umas coisas ruins mesmo. Por exemplo, vai acabar esse negócio de liberdade de imprensa, onde os jornais falam o que quiser. Essa libertinagem de hoje também vai acabar.
- Mas falam também que mataram muita gente nessa época...
- Mataram por que mereciam – disse o Senhor S. Todo mundo fala que a Dilma foi presa, mas ela também fez coisa errada. Só foi preso e morreu quem era comunista, mais ninguém.
- Verdade, só esse pessoalzinho que queria transformar o Brasil em Cuba – disse a Senhora F.
- Nossa. Se for ter esse golpe que a mãe falou, eu vou apoiar então!
- Apóia mesmo! – disse Senhora F. Se tiver um militar que concorra a presidência, eu voto nele.
Todos os adultos da mesa, em coro, disseram “eu também”. O filho mais velho, o ser desprezível que também escutava atentamente , pensou várias coisas, mas manteve-se calado o tempo todo. Seu silencio foi notado, mas não como algo especial, pois todos da família sabiam que aquele ser sempre ficava calado diante de pessoas de bem como eles. As vezes soltava um leve sorriso debochado, as vezes um semblante assustado e em outras vezes, um som muito parecido com um mugido de vaca (hummm...). Na certa ia passar a tarde toda no seu notebook digitando sabe-se lá o que para postar no seu blog inútil. Que assim seja, esse guri não sabe nada de política mesmo!

domingo, 9 de fevereiro de 2014

É até compreensível...

Rachel Sheherazade foi, nas últimas semanas, a pop star das redes sociais. Entre o amor e o ódio, Rachel sempre foi alvo de muitas polêmicas em seus discursos, que ela mesma faz questão de caracterizar como um discurso de direita. Também se define como uma jornalista cristã, cidadã de bem e defensora dos bons costumes.
Seu mais recente discurso, alvo de muitas críticas, é de longe o mais polêmico comentário que Rachel já fez na televisão, fato claro até mesmo para quem não acompanha assiduamente o Jornal do SBT. Para entender o contexto de tais palavras, é preciso antes se situar na história do adolescente preso no poste por três jovens auto-intitulados de “os justiceiros”. Tais fatos ocorreram na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde um adolescente acusado de roubo foi espancado, levou uma facada na orelha, teve suas roupas arrancadas e foi preso em um poste com uma corrente usada para prender bicicletas e motos. Num estado de euforia, pode-se dizer (sem medo de errar) que grande parte da população brasileira que teve conhecimento dessa história, apoiou totalmente os atos da “Liga da Justiça brasileira”.
Diante disso, tivemos a mais sublime frase de Rachel Sheherazade: “No país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O Estado é omisso, a polícia é desmoralizada, a Justiça é falha. O que resta ao cidadão de bem que, ainda por cima, foi desarmado? Se defender, é claro”. Foi como jogar a dose extra de fermento no bolo: de um lado, defensores dos “justiceiros” ganharam ânimo diante das palavras de alguém que, por fazer parte de um círculo letrado e com grandes possibilidades financeiras, “sabe do que está falando”; do outro lado, pessoas inconformadas com a onda crescente de violência ficaram perplexas diante de tais palavras que só em seus piores sonhos elas acreditaram que escutariam um dia.
Mas qual é o erro de Rachel Sheherazade? É ou não é de fato compreensível que cidadãos, envoltos numa onda de medo, ajam com um ódio brutal diante daqueles que ameaçam (mesmo que simbolicamente) sua segurança? Sim, isso é totalmente compreensível, e é justamente nisso que Rachel quer tecer sua defesa, pontuando que ela, em momento algum, diz aceitar a violência. Sinceramente, até acredito que Rachel não queira que a violência se espalhe, mas sei também que seu comentário é tecido num molde claramente racista, algo que provavelmente Rachel desconhece e nega com toda a sua força. No entanto está lá, no mais íntimo de suas entranhas, o racismo que defende astros como Justin Bieber, mas oferece pouco auxílio a adolescentes negros. Mas ora, racismo é algo presente em todos nós. Numa cultura como a nossa, é certamente difícil (mas não impossível) não ceder ao machismo, ao racismo e à homofobia. Então não, esse ainda não é o erro primordial de Rachel Sheherazade.
Rachel também tece sua defesa em torno da questão da liberdade de expressão. Aqui reside um problema fundamental, que passa longe do entendimento de Rachel (algo que eu acredito que ela o faz de forma consciente, proposital). Nossa constituição garante a todos a liberdade de expressão como um direito básico do cidadão brasileiro. Dentro dessa perspectiva, a liberdade de crença, de orientação sexual, de ideias e de comportamentos são direitos que devem ser garantidos desde que eles não coloquem em cheque a segurança e a integridade de terceiros. Em linhas gerais, é isso. Ponto. Mas definitivamente, não é essa a liberdade de expressão defendida por Rachel.
Quando Rachel diz que estão impedindo ela de se expressar livremente, duas coisas podem ser subentendidas: primeiro, que quando ela se expressa livremente, ela espera que suas palavras não sejam rebatidas; segundo, ela desconhece (ou finge desconhecer) o peso de suas palavras na população não letrada que acompanha seu programa de TV.
No primeiro ponto, temos um paradoxo interessante. As pessoas que, por utilizarem da liberdade de expressão, contestam as ideias de Rachel são acusadas por tentarem calar ela, de colocar um obstáculo em suas palavras. No entanto, uma coisa muito interessante e que não é pensada por aqueles que usam a liberdade de expressão como um mecanismo opressão, é que essa arma da democracia não impede que suas ideias sejam contestadas. Elas impedem que ninguém seja impedido de falar. Assim, qualquer um pode jogar ao vento idiotices e comentários de ódio, mas precisam estar cientes que tais palavras serão contestadas, serão desenvolvidas, e por fim, serão possivelmente reformuladas (isso se supormos que o indivíduo em questão saiba debater civilizadamente). Porém, Rachel vê essas contestações como uma afronta à sua liberdade, algo que, ao meu ver, é um equívoco grande.
O segundo ponto diz respeito ao impacto de suas palavras nas massas. Li certa vez, num blog que acompanho, um conto em que o personagem cita a seguinte frase “não quero saber a opinião do jornalista. Eu quero a notícia. Quem dá a opinião sou eu”. Isso não saiu da minha cabeça desde então, e caiu como uma luva quando li a defesa de Rachel Sheherazade. Nota-se que Rachel não consegue entender que a televisão (e hoje, as redes sociais também) tem um poder gigante na formação da opinião dos cidadãos. Dessa forma, não é preciso dizer explicitamente que concorda com os atos da população, se você diz que é algo compreensível. Uma jornalista na posição de Rachel devia ter conhecimento disso, e saber que, apesar de ser um ato compreensível, é completamente inaceitável a forma como o adolescente do Rio de Janeiro foi tratado.
Hoje, Rachel diz vangloriosa que ela representa a voz do povo brasileiro, do cidadão de bem. Nada mais assustador do que isso, um povo que grita em uma única voz, sem o mínimo de desvio. Aliás, há sim algo mais assustador: um povo que se utiliza da liberdade de expressão para limitar a liberdade alheia, tudo isso “compreendido” (aka aceito) pela jornalista branca, letrada e empregada na segunda maior rede de televisão brasileira. Isso sim me assusta.

Nessas questões, temos que entender que a ética não se resolve apenas no âmbito racional, mas que os afetos também têm voz ativa nesses assuntos. Por isso, esse ato de extrema barbárie protagonizada pelos justiceiros e pelo adolescente preso no poste, visto com um olhar humano e repleto de afetos, nunca será totalmente compreendido e minimamente aceito. E se tal entendimento não resolver essas questões, temos uma colinha, a Declaração dos Direitos Humanos, que de forma clara, define direitos de todos (inclusive os seus, e não apenas dos bandidos, como você erroneamente acredita). Rachel infelizmente não pensou criticamente sobre o assunto, e num ato de extremo retardo mental, não recorreu à colinha. E é por essas e outras que as palavras de Rachel Sheherazade podem até ser entendidas e compreendidas, mas (espero eu) jamais serão aceitas. 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Reflexões sobre o céu

O que é o céu, senão um todo inalcançável, mas muito admirado? Uma concretude sem ser concretude? Uma abstração (talvez a única) que conseguimos ver com nossos olhos? Um "qualquer coisa" que jamais conseguimos tocar com as mãos? Não sei. Para mim, o céu é um longo nada que, por ser tão "nada", é capaz de nos mostrar tudo. Dizem que até o Sol cabe nele...


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

“Teorias do Comportamento e Subjetividade na Psicologia”, de José Antônio Damásio Abib

O livro que será apresentado foi escrito em 1997 por José Antônio Damásio Abib, e tem por objetivo analisar como a questão dos eventos privados (pensamentos, sensações, sentimentos, emoções, etc.) são apresentados, descritos e explicados por várias teorias. Tal objetivo é importante para Abib poder dar seu segundo passo, que é investigar essa questão à luz da teoria operacional de Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Abib é graduado em Psicologia pela Universidade de Brasília. Possui mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em Epistemologia da Psicologia pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca. É atualmente professor do Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências da Universidade Federal de São Carlos (SP) e professor orientador do Programa de Mestrado e Doutorado em Filosofia na Área de Concentração em Epistemologia da Psicologia e da Psicanálise também na Universidade Federal de São Carlos (SP). Suas linhas de pesquisa são (1) Epistemologia e História da Psicologia, (2) Pós-modernismo e Psicologia e (3) Ética e Psicologia.


Para fim didáticos, dividirei o resumo desse texto em seis partes. Isso ocorrerá por que o livro traz um desenvolvimento bastante abrangente sobre várias questões cruciais da Filosofia da Ciência e das próprias teorias que se propõem descrever e/ou explicar o comportamento e a subjetividade. Portanto, ressalto que essa divisão foi uma escolha minha, e que o livro não apresenta tais questões em divisões idênticas. Esclarecido isso, podemos iniciar a leitura desse texto com a seguinte pergunta: como a subjetividade é vista pela Análise do Comportamento?

Parte 1 – O Modelo Reflexo de explicação do comportamento
O texto se inicia dizendo que a ciência se debruça sobre eventos que são repetíveis. Portanto, a ciência não se debruçaria sobre aquilo que é episódico. “[...] os fenômenos não se resumem nos exemplos particulares de sua expressão. Se fosse assim, conceitos gerais seriam impossíveis e, a fortiori, também a ciência” (ABIB, 1997, p. 25). No que tange à psicologia, busca-se encontrar elementos comuns naquilo que é aparentemente episódico (o comportamento). O objetivo torna-se, então, conceituar, predizer e explicar o comportamento.
Um dos modelos desenvolvidos para explicar o comportamento é o Modelo Reflexo. “Define-se brevemente o conceito de reflexo como uma relação entre um estímulo e uma resposta cuja operação fundamental consiste na apresentação de um estímulo que, sob certas condições, provoca ou elicia uma resposta” (ABIB, 1997, p. 26). Skinner aponta, no entanto, que Estímulos e Respostas não são propriedades em si, mas sim, eventos. São únicos entre si, mas há propriedades em si que podem classificá-los como classes de estímulos e classes de respostas. Dessa forma, definimos Estímulo como a energia, a parte do ambiente, podendo ser externo ou interno a um organismo; e Resposta como o movimento, parte do organismo, que pode ser pública ou privada. Além disso, são as propriedades dos estímulos e das respostas que podem ser manipuladas ou medidas.
Entretanto, esses conceitos de estímulo e resposta são inadequados para definir o conceito de reflexo. Com efeito, o que é uma mesma resposta em duas ocorrências de um certo movimento? Como variam as propriedades desse movimento? São algumas variações importantes ou algumas são mais do que outras e, portanto, devem ser observadas, medidas e controladas? O que determina a eventual importância de certas variações em vez de outras? Em suma, o que é estímulo e resposta? Conclui-se, com Skinner, que esses conceitos não podem ser definidos por suas propriedades. A definição de estímulo, resposta e reflexo deve ser feito em outras bases (ABIB, 1997, p. 27).
Para buscar explicar tais questões, Abib (1997) parte para uma linha de raciocínio que visa explicar os estímulos e as respostas como eventos. Mas o que isso quer dizer, e qual a sua importância?  “O estímulo é a variável independente e pode ser manipulada e medida. A resposta é a variável dependente e pode apenas ser medida” (ABIB, 1997, p. 28). Precisamos ter essas definições em mente antes de partir para as explicações.
Durante uma investigação experimental, podem surgir variáveis relevantes ou irrelevantes. As variáveis irrelevantes não influenciam a relação investigada. Já as variáveis relevantes precisam ser controladas, pois exercem influencia sobre as variáveis dependentes. Numa pesquisa experimental onde só temos hipóteses ainda não comprovadas, todas as variáveis precisam ser controladas, pois não sabemos quais são ou não são relevantes. “[...] o investigador manipula e mede a variável independente, mede a variável dependente, mantém sob controle variáveis relevantes conhecidas permite a variabilidade até certo limite de variáveis irrelevantes e, por prudência, controla outras variáveis, mesmo que não saiba se são ou não relevantes” (ABIB, 1997, p. 29). Assim, na investigação experimental, o pesquisador quer descobrir uma propriedade do estímulo que pode gerar modificações numa propriedade da resposta. Abib (1997) diz, em certo momento do texto, que é melhor conceituar as propriedades do estímulo e da resposta como variáveis definidoras.
Com efeito, o estímulo e a resposta são eventos. É o conceito de evento que tem a função de agrupar, tanto do lado do estímulo como do da resposta, as variáveis relevantes para a definição da relação reflexa, bem como os valores das variáveis relevantes não enfocados diretamente na pesquisa e ainda os valores das variações irrelevantes (ABIB, 1997, p. 30).
O reflexo passa a ser, portanto, a correlação de dois eventos: o evento estímulo e o evento resposta. Uma questão interessante é colocada a partir daqui: com variáveis irrelevantes e relevantes fora do controle, duas apresentações do mesmo estímulo ou da mesma resposta não produzem estímulos e respostas idênticos. No entanto, a regularidade que existe entre a apresentação de um estímulo e a ocorrência de uma resposta são regularidades suficientes para determinar o que é reflexo.
Diante disso, temos duas possibilidades de interpretação dessas correlações: uma definição de reflexo como correlação de classes e outra definição de reflexo como classes de correlações.
Numa definição de reflexo como correlação de classes, “os elementos que pertencem a determinada classe podem diferir em vários aspectos. Entretanto, devem conter alguns aspectos, características e propriedades comuns, com a função de agrupá-los em certa classe, não em outra” (ABIB, 1997, p. 32). Além disso, o reflexo só pode ser definido como classe quando se descobre uma relação reflexa. Dessa forma, o reflexo passa a ser, além de evento (já que é uma correlação de eventos), uma classe de eventos, pois os eventos que a definem não surgem uma única vez.  A construção de um conceito de reflexo exige a construção de hipóteses universais (portanto, repetíveis e generalizáveis). “Como uma correlação de classes, o conceito de reflexo não se refere a esse, aquele ou alguns reflexos, mas sim a todos eles, aos observados e aos que ainda não o foram” (ABIB, 1997, p. 33). Essa definição é, acima de tudo, uma hipótese, cuja refutação ou confirmação só pode ser decidida a partir da metodologia da investigação experimental.
Esquema ilustrativo do reflexo como correlação de classes. O estímulo e a resposta são conjuntos de eventos (classes de eventos), enquanto o reflexo é a seta dupla, representando assim o que ela seria nesse esquema: uma correlação. 
Já a definição de reflexo como classe de correlações “[...] apresenta o conceito de reflexo como evento único, acontecimento, episódio – em lugar de um conceito geral, um conceito específico [como ocorre, por exemplo, ao se definir reflexo como uma correlação de classes]” (ABIB, 1997, p. 33, grifo nosso). A variável que os agrupa não é descoberta experimentalmente [como é o caso da definição de reflexo como uma correlação de classes]. A variável é apenas descritiva, nomeia e descreve um grupo de reflexos.  “E, nesse sentido, é como classe de correlações (onde é possível atingir reprodutibilidade total) e não como correlação de classes (onde a reprodutibilidade é apenas parcial), que o reflexo parece ser mais apropriado para a descoberta de uma unidade de análise do comportamento” (ABIB, 1997, p. 35). Vale ressaltar ainda que o conceito de reflexo como correlação de classes respeita as linhas naturais de fratura do ambiente, do comportamento e das relações que são estabelecidas entre essas duas partes. Isso não ocorre, no entanto, com o conceito de reflexo como classe de correlações.
Esquema ilustrativo do reflexo como classe de correlações. O estímulo e a resposta são eventos (classes de eventos) que se correlacionam, e o reflexo é o conjunto (classe) dessas correlações que, devido a algumas propriedades, as colocam numa mesma classe.
Mas quer dizer essas linhas naturais de fratura? Para isso, precisamos recorrer às leis do reflexo, que podem ser primárias ou secundárias. As leis primárias (estáticas) do reflexo são (1) a lei do limiar, (2) a lei da latência, (3) a lei da magnitude da resposta, (4) a lei da pós-descarga e (5) a lei da somação temporal. Já as leis secundárias (dinâmicas) do reflexo são (1) a lei da fadiga, (2) a lei da facilitação, (3) a lei da inibição, (4) a lei da fase refratária, (5) a lei do condicionamento e (6) a lei da extinção.
[...] as leis secundárias do reflexo são formuladas com base na quantidade de vezes que a resposta é eliciada – que é produzida várias vezes porque o estímulo que realiza essa função é apresentado várias vezes. Como o estímulo e a resposta são eventos, as instâncias que ocorrem nos instantes sucessivos apresentam aspectos, propriedades e valores diferentes. Se as leis secundárias manifestam-se nessas circunstâncias, então as variáveis que estão fora de controle – cuja relevância ou não é ignorada no início da investigação – são de fato irrelevantes, não são definidoras. Seu controle não representa qualquer utilidade, porque se a investigação demonstrar que é possível obter uma regularidade, mesmo quando variáveis fora de controle não são capazes de perturbá-la, então qual é a utilidade de controlá-las? Nesse caso, o controle não é útil, uma vez que não acrescenta nada ao conhecimento das leis da natureza (ABIB, 1997, p. 37).
O argumento maior a favor do reflexo como classes de correlações é o de que a reprodutibilidade total, que põe fora as influências das leis secundárias, não interessa quando ele coloca em cheque as leis da natureza. Dessa forma, por ser a Psicologia uma ciência que estuda o comportamento que ocorre em situações naturais (situações essas que apresentam linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento), ou seja, cuja reprodutibilidade total é praticamente inexistente, o conceito de reflexo como correlação de classes é mais útil do que o conceito de reflexo como classe de correlações.
No entanto, a visão de Skinner diz que “[...] é possível partir de classe de correlações, atingir a correlação de classes, e vice-versa. Os dois casos definem limites ideais e a realidade encontra-se entre esses limites” (ABIB, 1997, p. 39). Para ele, há certos fatos que definem o conceito de reflexo. O primeiro fato é o estabelecimento de classes grosseiras de estímulo e resposta devido ao fato de que descrições rigorosas da relação entre variáveis independentes e dependentes são exaustivas. O segundo é a possibilidade de definir subclasses e controlar relações reflexas. O terceiro fato nos lembra que, com o princípio da indução, uma alteração que ocorre em uma das instâncias é transferida para outra caso tenham variáveis relevantes comuns. E por fim, o quarto fato é que o controle de variáveis irrelevantes é inútil no que diz respeito ao reflexo.
Mas então, qual é a definição de reflexo? “[...] Skinner define: ‘um reflexo, então, é uma correlação de um estímulo e uma resposta em um nível de restrição marcado pela ordenação de alterações na correlação’” (SKINNER, 1972b apud ABIB, 1997, p. 40). Tal definição de reflexo que inclui o princípio da relação não decide entre as duas definições de reflexo e, de acordo com Abib (1997), é apenas uma hipótese científica pautada em definições universais.

Parte 2 – O Modelo Operante de explicação do comportamento
Inicio essa parte do resumo enfatizando que há, de acordo com Abib (1997), dois tipos de reflexo: o operante e o respondente. Enquanto o reflexo respondente diz respeito ao tipo de relação descrita na no tópico anterior, o reflexo operante estabelece uma forma diferente de relação. Abib (1997, p. 42) aponta que “[...] os comportamentos operante e respondente são diferentes, por que o operante produz o estímulo e o respondente prepara o organismo para recebê-lo” (ABIB, 1997, p. 42). Tal definição é importante ser guardada, pois ela estabelece uma diferença fundamental no tipo de explicação que se faz do comportamento.
Skinner destaca, de acordo com Abib (1997), a questão da espontaneidade do reflexo operante, que não mantém uma relação invariável com os estímulos, ao contrário do reflexo respondente. “Contudo, afirmar que o operante é espontâneo não significa dizer que não é determinado. Ambos são deterministas. Só que, no caso do operante, a determinação é mais moderada, é probabilística, enquanto no respondente, ela é radical, absoluta” (ABIB, 1997, p. 43, grifo nosso). Dessa forma, a própria denominação conceito de estímulo se modifica nos dois casos. No reflexo respondente, o estímulo antecedente é chamado de eliciador, pois a relação que mantém com a resposta é invariável. Já no reflexo operante, o estímulo antecedente é chamado de discriminativo, pois mantém uma relação probabilística com a resposta.
[...] se o estímulo que precede o comportamento é discriminativo, então não é possível manipular variáveis do estímulo, como intensidade, duração e o número de vezes que é apresentado e o intervalo temporal entre apresentações sucessivas, consequentemente, não é também possível descobrir e formular leis experimentais. E essa interdição coloca, necessariamente, a questão de saber quais são as variáveis a serem manipuladas na investigação do operante que permitam a descoberta e a formulação de suas leis dinâmicas, ou quais são suas linhas naturais de fratura. Em seguida, após a descoberta dessas variáveis, compreender a determinação probabilística do operante por meio do estímulo discriminativo (ABIB, 1997, p. 44).
Ou seja, é preciso saber o porquê da resposta ocorrer, quais são os fatores (para além do discriminativo) que causa essa ocorrência. Abib (1997) salienta que Skinner mantém a nomenclatura de “reflexo”, tanto para operantes como para respondentes, para demonstrar a questão da determinação do comportamento.
Há determinadas variáveis no reflexo que precisam ser demonstradas ou revistas para poder entender uma importante ideia de Skinner. Assim, as variáveis do reflexo são:
1.      Variáveis primeiras: (R) são as variáveis dependentes do evento resposta, e diz respeito à magnitude e à latência;
2.      Variáveis segundas: (S) são as variáveis independentes do evento estímulo, e diz respeito à intensidade e duração.
3.      Variáveis terceiras: (A) são outras variáveis do evento estímulo, como número de estímulos apresentados, número de emparelhamentos ou desemparelhamentos e o valor dos intervalos.
Skinner resumiu as relações entre esses conjuntos de variáveis dependentes e independentes com a seguinte equação: R = f (S, A). Nessa equação, a resposta reflexa (R) é uma função (f) de variáveis segundas do evento estímulo (S) e de variáveis terceiras (A), também do evento estímulo.
Equação elaborada por Skinner para definir a relação entre variáveis.
Tal equação se adéqua de maneira perfeita na explicação do reflexo respondente. Mas e o operante? “[...] se o estímulo discriminativo não determina invariavelmente o operante, não é possível investigar as variáveis segundas do evento estímulo, tampouco seus efeitos sobre as variáveis primeiras sobre o evento resposta. [...] não é possível descobrir as leis primeiras do operante” (ABIB, 1997, p. 46).
Dessa forma, o que notamos é que Abib (1997) nos coloca questões importantíssimas que definem não apenas a diferença do operante para o respondente, mas também a impossibilidade de se estudar o operante com base nas leis do respondente. Não ter uma relação invariável entre estímulos e resposta coloca em cheque a equação R = f (S, A), usada para determinar o reflexo. Não saberemos o que determina a resposta se o estímulo não tem uma relação fixa com a resposta. Assim, as leis segundas são irrelevantes, para não dizer que inexistem. Consequentemente, as leis primeiras da resposta também são difíceis de serem analisadas. Por fim, as leis terceiras inexistem, não aparecem, pois suas existências supõem a ocorrência das leis primeiras e segundas. O que seria a incógnita A na equação R = f (S, A)?
É por isso que temos algumas modificações no que diz respeito a como estudar o operante. A primeira modificação é a introdução da variável taxa de respostas, lei primária do operante, que determina sua força e é definida como a frequência em que determinada resposta ocorre dentro de um espaço de tempo. A segunda modificação importante é a inserção da variável contingências de reforço, terceira variável do operante, que se refere às inter-relações estabelecidas entre o estímulo discriminativo, a resposta e as consequências reforçadoras. Portanto, “[...] uma condição importante para que o estímulo resultante exerça efeitos positivos depende do fato de ter sido produzido pela própria resposta que ele fortalece” (ABIB, 1997, p. 48).
O estímulo discriminativo é uma situação ambiental que o organismo discrimina como sendo uma ocasião em que a emissão de determinada resposta produzirá consequências reforçadoras. Abib (1997) salienta que o estímulo discriminativo tem determinantes que se encontram na história passada do organismo. Ou seja, a situação atual só é discriminada como uma situação que traz consequências reforçadoras se ela estiver na história passada do organismo. “[...] um determinante próximo ou remoto inter-relacionado com um determinante presente determinam o comportamento atual” (ABIB, 1997, p. 50). O conceito de história passada é encontra sua fundamentação a partir das seguintes evidências:
1.        A apresentação de parte dos estímulos discriminativos e reforçadores de uma contingência de reforço pode estabelecer a ocasião para a ocorrência de determinada resposta, da mesma maneira como a apresentação total desses estímulos estabeleceu a ocasião para a ocorrência da resposta em uma situação anterior.
2.        Há dois vazios temporais no conceito de operante. Um entre estímulos discriminativos e respostas operantes. Outro entre respostas operantes e estímulos reforçadores.
Portanto, para ficar claro certos pontos apresentados até aqui, precisamos entender que
a relação estímulo-resposta é insuficiente para balizar a definição do conceito de operante. Assim, no operante, a variável primeira ou a variável dependente é a taxa de resposta, não a magnitude ou a latência. E a variável terceira ou independente é a contingência de reforço, não o emparelhamento de estímulos. Além disso, as variáveis segundas do evento estímulo não são relevantes para descobrir e formular relações ordenadas na investigação do operante, já que não há regularidade possível entre a magnitude ou a latência de um operante e o estímulo discriminativo – recorde-se que esse estímulo não determina invariavelmente o operante. Logo, não há leis primárias ou estáticas no operante (ABIB, 1997, p. 52).
A partir disso, Abib (1997) nos coloca a seguinte questão: se não há leis primárias do operante, também não há leis secundárias (dinâmicas). E se não há leis secundárias, impossibilitados estamos em descobrir as linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento no caso do operante. Como formular regularidades, portanto? Abib (1997) nos obriga, então, a retomar as discussões sobre classes e eventos: “[...] o estímulo reforçador não pode fortalecer a resposta que o precede, uma vez que ela já ocorreu e não há como, portanto, ser alterada. É a probabilidade futura de ocorrência de respostas da mesma classe que é modificada” (ABIB, 1997, p. 53). E a lei do condicionamento nada mais é do que a “[...] relação entre a apresentação de um estímulo reforçador contingente às respostas da classe e o aumento subsequente na força da classe de respostas” (ABIB, 1997, p. 54). Aqui fica claro que todos esses conceitos são definidos à posteriori, depois que os eventos já ocorreram.
O operante não se fundamenta, portanto, na relação estímulo-resposta. Suas bases são outras, como o estímulo discriminativo, emissão espontânea de respostas, consequências do comportamento e reforço. Ele é mais adequado para a descrição e análise do comportamento por que está mais bem aparelhado do que o modelo reflexo para realizar as funções de reconhecimento da interação do comportamento com o ambiente, bem como para tratar com a determinação probabilística do comportamento. Assim, o operante tem sua explicação apenas no âmbito das probabilidades, e não das certezas típicas do determinismo absoluto.
[...] a definição do conceito de operante é um modelo para a descrição e análise do comportamento, que é uma versão não só do naturalismo (já que não dispensa suas próprias linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento), mas também do interacionismo (ou determinismo recíproco) e do determinismo probabilístico – a contraface de um certo indeterminismo (ABIB, 1997, p. 56).
É por essas razões que Abib (1997) faz questão de salientar que o operante é um modelo de explicação do comportamento mais eficaz do que o modelo do reflexo (aqui já entendido como o modelo respondente).

Parte 3 – Outros modelos de explicação do comportamento
O presente tópico tem por finalidade discutir outros modelos de explicação do comportamento, focando na crítica que Skinner já fez a esses modelos. De acordo com Abib (1997), a teoria científica tem por meta ordenar os dados da pesquisa empírica que, via de regra, aparecem de forma caótica e desordenada. Em relação a uma ciência do comportamento, um pergunta que pode surgir dessa definição de meta da teoria científica é sobre o papel que a estatística possa ter.
Com ela [a estatística], é possível pela média dos dados de um ou vários sujeitos demonstrar que a latência aumenta gradualmente à medida que ocorre o enfraquecimento do operante. Não obstante, para Skinner, a regularidade do fenômeno da aprendizagem deve ser demonstrada pelo comportamento do indivíduo, não por técnicas estatísticas, pois, embora ele investigue regularidades comportamentais, permanece atento às suas singularidades. Se ocorre desordem de dados comportamentais, deve-se evitar camuflá-la estatisticamente. Do contrário, o local de formulação da regularidade é deslocado do comportamento para a estatística (ABIB, 1997, p. 58).
Na teoria do operante, magnitude e latência da resposta são variáveis dependentes inúteis para expressar a ordem e a continuidade de um operante. Em seu lugar, a taxa de respostas é a forma escolhida por Skinner para “expressar a regularidade dos fenômenos comportamentais”. Quando temos a variável dependente “taxa de respostas” que varia de forma ordenada e se generaliza nas mais diversas situações de aprendizagem, a teoria é desnecessária no entendimento de Skinner. “Essa é a primeira crítica de Skinner ao conceito de teoria. Ainda não se trata da crítica à função explicativa da teoria. Antes, trata-se da crítica de sua função ordenadora. Isso procede porque é preciso primeiro ter uma regularidade, um fenômeno para ser explicado, só depois a explicação” (ABIB, 1997, p. 59).
Há na história da Psicologia teorias clássicas de explicação do comportamento, sendo elas as teorias reais-neurofisiológicas, as teorias reais-mentais, as teorias conceituais-neurofisiológicas, as teorias conceituais-mentais e as teorias rigorosamente conceituais.
As teorias conceituais-neurofisiológicas são explicações fisiológicas nas quais, através de metáforas, o sistema nervoso explica o comportamento. O conceito de arco-reflexo é um exemplo de explicações dessas teorias. Para Skinner, o modelo de explicação neurofisiológico (baseado principalmente na transmissão sináptica) não é adequado para uma ciência do comportamento por que seu método de explicação é semelhante ao modelo reflexo. Um modelo que, como sabemos, não é muito útil, salvo situações específicas (comportamento respondente). “[...] os métodos utilizados na investigação da transmissão sináptica são comportamentais, não fisiológicas. Consequentemente, os ‘fatos’ da transmissão sináptica são inferidos, não observados diretamente” (ABIB, 1997, p. 65). Essas explicações neurofisiológicas conceituais não inserem nada de novo na explicação do comportamento. Sua diferença às explicações que recorrem ao conceito de reflexo é meramente ao foco dado: as teorias neurofisiológicas dão enfoque ao sistema nervoso. No entanto, são meramente conceituais por que não acessam diretamente o sistema nervoso. São teorias que inferem sobre o sistema nervoso com base no comportamento observado. São, por fim, teorias redundantes do comportamento.
As teorias reais-neurofisiológicas são explicações baseadas na observação direta do sistema nervoso. “A crítica a teorias reais-neurofisiológicas representa uma defesa da especificidade de fenômenos e conceitos comportamentais” (ABIB, 1997, p. 67). Ou seja, Skinner critica bastante o neurofisiologismo. Ele “[...] não admite a redução absoluta de termos e leis formuladas no nível do comportamento a termos e leis da ciência neurofisiológica” (ABIB, 1997, p. 68). Dessa forma, tais teorias não podem ser usadas para explicar todo o comportamento. São úteis sim, mas geralmente são usadas como uma substituição, e não como um complemento das explicações da ciência do comportamento.
As teorias conceituais-mentais são metáforas utilizadas para explicar o comportamento. Um exemplo: “a metáfora do aparelho psíquico é particularmente enganosa porque é construída por analogia com o que acontece no nível do comportamento e não acrescenta diferenças que sugiram métodos de observação direta dos eventos e fenômenos da psique” (ABIB, 1997, p. 69). O aparelho psíquico freudiano inviabiliza qualquer acesso direto sobre ele. Não é observável. Por consequência, ele é explicado a partir de metáforas. É impossível se referir a ele sem recorrer a metáforas. Sigmund Freud é o principal exemplo de teóricos que se utilizam dessa forma de explicação. Um ponto que vale ser ressaltado é que Skinner concorda com Freud quando este diz que nem todos os eventos mentais podem ser observados, apenas inferidos. Skinner acredita que os eventos privados também não possuem acesso direto. Qual é a sua diferença, portanto, com Freud? Para Skinner,
[...] Freud foi feliz em sua lição sobre a condição inferencial dos eventos subjetivos. Mas acrescenta que não é possível aceitá-los para explicar o comportamento porque o aparelho psíquico freudiano não tem dimensões físicas e isso os coloca numa posição epifenomenal da qual Skinner só se afasta por meio de sua teoria do significado do comportamento verbal (ABIB, 1997, p. 71-72).
As teorias reais-mentais são teorias cujo principal representante é Resultados da pesquisa Wilhelm Wundt (1832 – 1920). As teorias reais-mentais, ou como é citado no texto, psicologia experimental introspectiva sistemática, não recorrem a analogias. Fazem um estudo sistemático sobre sentimentos, pensamentos e volições, considerando-os como causas do comportamento. Skinner encontra, no entanto, dois problemas nessas teorias. O primeiro é que eles são essencialmente inferenciais, seus métodos são sempre direto sobre eventos que não podem ser acessados diretamente. O segundo problema é que seus métodos não produzem acordo entre observadores, não é verificável, confiável e nem funcional.
As teorias rigorosamente conceituais não recorrem a eventos fisiológicos ou mentais. Um exemplo de teórico adepto desse tipo de explicação é Edward C. Tolman (1886 – 1959). “Na verdade, essas teorias representam uma tentativa de expurgar os eventos mentais da explicação do comportamento. E isso é um equívoco, pois fecha a psicologia num silêncio demasiado cético sobre a possibilidade de conhecer eventos mentais e de aproveitá-los na explicação do comportamento” (ABIB, 1997, p. 73-74).
Abib (1997) nos demonstra então como essas teorias se encaixam numa visão  Realista, Instrumentalista e Descritivista da ciência.
[...] a situação cognitiva das teorias reais-neurofisiológicas e reais-mentais aproxima-se mais da interpretação realista do que as teorias conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais, que estão mais próximas do instrumentalismo. Já as teorias rigorosamente conceituais são apropriadamente interpretadas pelo descritivismo  (ABIB, 1997, p. 75).
Dessa forma, é justo dizer que as teorias descritivistas são demasiadamente apoiadas num fisicalismo empírico. Isso ficará claro no próximo tópico desse resumo

Parte 4 – Watson, Tolman e modelos de explicação científica
John B. Watson (1878 - 1958) tinha a intenção de criar uma psicologia objetiva que definisse o comportamento a partir de eventos observáveis. Assim, a teoria de Watson
“trata-se de uma teoria objetiva do comportamento, fortemente reducionista, em que os termos e enunciados teóricos são radicalmente traduzidos nos termos e enunciados empíricos do reflexo. Watson não construiu uma teoria rigorosamente conceitual do comportamento, embora tenham apontado o caminho para fazê-lo” (ABIB, 1997, p. 81).
Para Tolman, o modelo de Watson serviria apenas para “lidar com contrações musculares”. Apesar de Watson estabelecer essa aproximação íntima entre fisiologia e psicologia, Abib (1997) ressalta que Watson nunca definiu estímulo e resposta, fato que Tolman desconhece.
“Segundo Tolman, o ato comportamental apresenta três características gerais. Primeiro, o comportamento é dirigido para objetivos e metas ambientais. Segundo, o organismo envolve-se com atividades e com objetivos do ambiente que são necessários para atingir aqueles objetivos e metas. Finalmente, existe uma prontidão maios nos organismos para selecionar meios, atividades e objetivos do ambiente que sejam mais fáceis e mais rápidos para alcançar objetivos e metas ambientais. O organismo pretende alcançar certos fins quando se comporta e para isso recorre aos meios mais simples” (ABIB, 1997, p. 82).
Dessa forma, o comportamento (molar) é, para Tolman, proposital e cognitivo. Mas o que é propósito? Abib (1997) destaca que é a prontidão do organismo para continuar a buscar soluções para seus problemas. “Há plasticidade porque o organismo modifica incessantemente suas ações na busca de meios mais simples e mais fáceis, e há persistência porque quer, ao fim do cabo, adequá-los à consecução da meta” (ABIB, 1997, p. 84). E cognição? Para Tolman, o comportamento de um organismo se modifica na medida em que ele tem sucesso ao atingir suas metas. O conceito de cognição diz respeito justamente a essas alterações e modificações.
Há semelhanças e diferenças entre as teorias de Watson e Tolman. A semelhança reside no fato de que ambos tentaram definir objetivamente o conceito de comportamento. Já a diferença está no fato de que Tolman recorreu a conceitos mentais para tanto. Cognição e propósito são termos mentalistas, mas para Tolman, não se encontram na mente, mas sim, no comportamento (sendo, ao mesmo tempo, do comportamento). Assim, é importante sabermos que a teoria elaborada por Watson não é rigorosamente conceitual, mas abre espaço para teorias desse tipo. Tolman foi um teórico que “seguiu a deixa” de Watson e elaborou uma teoria rigorosamente conceitual, ou seja, que não recorre a dimensões neurofisiológicas e mentais, apenas na observação. A teoria de Tolman é uma teoria com estrutura formal e empírica, com uma visão cognitiva (apesar de objetiva) do comportamento.
Dois outros autores também tentaram criar uma ciência objetiva do comportamento. São eles:
1.      Rudolf Carnap: (positivismo lógico) ênfase no conceito de disposição, onde determinado organismo tem a disposição para ir ou reagir a determinado estímulo.
2.      William Brigman: defendia, por sua vez, uma definição operacional. Ou seja, o conceito era o sinônimo correspondente de um conjunto de operações
Por fisicalismo, entende-se que é uma linha de raciocínio na qual os fenômenos são operações físicas, mesmo que eles definam conceitos físicos ou mentais. Carnap, Brigman e Tolman, de acordo com Abib (1997), são exemplos claros dessa linha de raciocínio. “[...] com o objetivo de construir uma teoria do comportamento que incluísse termos mentais, definidos objetivamente, Tolman se vale do fisicalismo metodológico” (ABIB, 1997, p. 90). Mas esse fisicalismo é, para Abib (1997), reducionista. Esse reducionismo ocorre porque Tolman cria uma teoria onde o termo definidor (definiens) se constitui na extensão/domínio e na intensão/significado do termo a ser definido (definiendum). Trata-se de uma definição descritiva analítica.
Há, na teoria de Tolman, um ponto que Abib (1997) acha interessante: Tolman defende que os eventos comportamentais emergem dos eventos fisiológicos (uma visão emergencialista, portanto). “Filosoficamente, essa posição de Tolman parece inconsistente, pois reducionismo e emergencialismo são doutrinas filosóficas aparentemente conflitivas. Se a orientação do pensador é reducionista, então não pode ser emergencialista, e vice-versa. Tolman tenta escapar dessas implicações” (ABIB, 1997, p. 92).
No entanto, é possível entender isso se recorrermos à ideia de reducionismo moderado. Uma redução é moderada quando é descritiva, mas não analítica. O termo definidor, nesse caso, se estende apenas na extensão do definido, e não em seu significado. Já a doutrina do emergencialismo “[...] pode ser apresentada na terminologia do reducionismo. Um fenômeno Y é emergente em relação a um fenômeno X se e somente se Y não pode ser reduzido a X” (ABIB, 1997, p. 94). Val ressaltar que, enquanto que no emergencialismo radical a redução de fenômenos é impossível, o emergencialismo moderado defende que o estágio atual das teorias científicas não apóia nenhuma versão do reducionismo. Dessa forma, o reducionismo moderado não exclui o emergencialismo moderado (e vice-versa). Tal relação de coexistência não é compartilhado no reducionismo radical e do emergencialismo radical, onde ambos se excluem mutuamente. Isso explica o fato da teoria de Tolman ser reducionista e emergencialista.
“Tolman também reformula-se e admite que os termos mentais de sua teoria são teóricos. Argumenta que seus termos disposicionais, suas definições operacionais, suas variáveis intervenientes são construtos hipotéticos” (ABIB, 1997, p. 98). Ao reformular sua teoria dessa forma, Tolman deixa de ser um teórico rigorosamente conceitual, aproximando-se das teorias conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais. Os termos mentais agora são reduzidos moderadamente aos termos comportamentais, da mesma forma que ocorre com os termos neurofisiológicos.
Após essas considerações, Abib (1997) faz uma diferenciação entre dois modelos de explicação (o causal e o teleológico) para situar a teoria de Tolman e demonstrar suas fraquezas. Uma explicação é causal quando há umas condições que são cumpridas, sendo elas:
1.      Relação temporal: A é causa de B se A precede B. Além disso, entre A e B não ocorrem outros eventos, e se ocorrem, deve-se provar que B é consequência de A.
2.      Distância espacial: A e B devem ser espacialmente contíguos.  
3.      Assimetria entre eventos: A é causa de B, mas B nunca será causa de A.
4.      Necessidade da causa: A é necessário e suficiente para a ocorrência de B.
A explicação teleológica, por sua vez, insere uma importante diferença que é notada inclusive na resposta que ela dá às perguntas dirigidas a ela. Isso diz respeito ao uso gramatical do termo “para” em vez de “porque”. Além disso, o acontecimento a ser explicado é posterior (na explicação causal, a causa precede o efeito). O exemplo a seguir explicita essa diferença:
[...] é noite e uma pessoa dirige-se a um restaurante. Do ponto de vista da explicação teleológica, várias razões podem ser apresentadas para essa ação: a pessoa vai ao restaurante para jantar, para realizar um assalto, para esconder-se da polícia, para beber um drinque com um amigo, para apreciar uma pela mulher e assim por diante. Do ponto de vista da explicação causal, é possível referir-se aos desejos crenças da pessoa. Por exemplo, no caso da solidão, a pessoa vai ao restaurante porque não a suporta mais e deseja ardentemente encontrar uma maneira de livrar-se dela. Acredita que um modo de fazê-lo é ver e ouvir pessoas, mesmo estranhas, e um restaurante, bem ou mal, propicia essa oportunidade. Portanto, o explanans pode ser reformulado na forma de uma explicação causal, se não fizer referência ao objeto desejado que frequentemente é referido pelo termo ‘para’ (ABIB, 1997, p. 102).
Assim, Abib (1997) ressalta as particularidades da explicação teleológica para diferenciá-la definitivamente da explicação causal. A explicação teleológica se refere sempre aos fins ou aos estados terminais do evento a ser explicado. É retrospectiva, portanto: necessita do evento completo para que este seja explicado. A previsão é impossível nessa explicação, visto que, como já dito, a explicação ocorre após a ocorrência do evento, e não antes.
A teoria de Tolman insere-se no modelo de explicação causal. Mas em seu primeiro momento, sua teoria foi circular e redundante. Isso foi modificado quando Tolman estabeleceu a segunda versão de seu modelo cognitivo.
Em sua segunda versão, a teoria comportamental de Tolman rompe com a circularidade e redundância da explicação do comportamento porque, nesse caso, os termos mentais de sua teoria referem-se [...] a dimensões neurofisiológicas e mentais - [...] uma predição altamente provável não significa certeza absoluta, nem inevitabilidade (ABIB, 1997, p. 108).
A segunda versão da teoria de Tolman é simultaneamente uma interpretação instrumentalista (usa de metáforas mentais e fisiológicas) e realista (pois pode se referir a dimensões reais neurofisiológicas e mentais). Numa interpretação instrumentalista, “[...] a estrutura formal da teoria representa apenas um dispositivo para explicar e predizer os fenômenos investigados pela teoria. [...] Não há qualquer defesa de que os enunciados da teoria refiram-se à natureza última da estrutura do real” (ABIB, 1997, p. 109). Já numa interpretação realista, a “[...] tese de que seus enunciados referem-se à natureza última da estrutura do real” (ABIB, 1997, p. 109).

Parte 5 – Pressupostos da Teoria Operante
Skinner, assim como Tolman, também reformulou a sua teoria, criando uma segunda versão. Nessa versão, Skinner reconhece que as variáveis intervenientes são dispensáveis. Isso é visível na sua definição de motivação, que estaria entre a operação e o comportamento, ou seja, um conceito hipotético. Além disso, a teoria operante é próxima a uma teoria rigorosamente conceitual do comportamento.
Não há referência [...] a nenhuma propriedade além daquelas que se observam no ambiente, no comportamento e nas relações que se estabelecem entre eles. Os estados intermediários são variáveis intervenientes que se relacionam, pois determinado impulso pode interagir com outro, com uma emoção ou com o condicionamento. Sendo assim, a força de um operante pode ser determinada por uma constelação de variáveis intervenientes relacionadas. Isso significa que essa teoria apresenta estrutura formal cujos enunciados teóricos relacionam-se qualitativamente (ABIB, 1997, p. 111).
As teorias de Skinner e Watson são semelhantes por que ambas não possuem uma estrutura formal, apenas empírica. Mas são diferentes por que o modelo de Watson é o reflexo, e de Skinner o operante, além do fato de que Skinner oferece possibilidades de conhecimento dos eventos privados. Abib (1997, p. 115) salienta que Skinner se afasta do instrumentalismo e do realismo ao se propor investigar eventos privados.
A teoria operante é elementar e fundamental, ou seja, é baseada em termos e enunciados empíricos, observacionais. Quando várias relações são observadas e seus resultados são idênticos, infere-se que todas as relações são idênticas. É o princípio de indução, a base da filosofia indutivista da ciência. Vale ressaltar que nessa concepção, observar é, simultaneamente, interpretar. “A observação é uma experiência privada. É por isso que a passagem da observação para enunciados observacionais não representa uma justaposição perfeita entre o que ocorre na observação e o que o enunciado diz” (ABIB, 1997, p. 118). Tal experiência observacional privada é, depois, formulada em um enunciado público capaz de também ressaltar dados públicos. É possível, no entanto, falsificar dados observacionais. O exemplo de Abib (1997) demonstra que apenas testes, investigações, comparações e experimentos são capazes de dar veracidade ao dado observacional.
A passagem de enunciados observacionais para enunciados universais traz à tona o problema da indução. O princípio da indução representa uma inferência indutiva legítima. Mas não há nenhuma garantia lógica de que o próximo A observado seja B. Se é afirmado que todos os A observados, sob várias condições, são, sem exceção, B, e infere-se que todos os A são B, isso não garante que o próximo A a ser observado seja, necessariamente, B. Na verdade, se o próximo A for B, não haverá qualquer contradição lógica em afirmar que todos os A observados são B, e que nem todos os A são B. Por exemplo, se todos os cisnes são observados até agora são brancos e o próximo cisne observado é negro, não há nenhuma contradição lógica em afirmar que todos os cisnes observados são brancos, mas que nem tosos os cisnes são brancos (ABIB, 1997, p. 120).
A teoria operante “[...] é uma teoria científica no sentido da filosofia indutivista ingênua da ciência, porque seus termos e enunciados observacionais fornecem os fundamentos para a formulação de enunciados universais” (ABIB, 1997, p. 122) A teoria operante também está, no entanto, em consonância com a teoria indutivista sofisticada da ciência, pois seus termos estão impregnados de teorias. Ex: estímulo discriminativo, contingência de reforço, etc. A causalidade da teoria é uma causalidade moderada, pois os eventos são determinados não apenas por seus antecedentes, mas também, por seus consequentes. Como uma consequência afeta um evento que já ocorreu? Skinner recorre ao conceito de classes, ou seja, onde são os eventos similares ao evento primeiro que são alterados.
O comportamento, na teoria operante, não é 100% previsível. Ele é apenas provável, baseado em probabilidades. Ele altera o ambiente, modifica-o, sem deixar, contudo, de também ser modificado por ele. É por isso que
não há defesa lógica possível para a tese de que essa teoria comporta o conceito de sujeito passivo ou de um sujeito cuja ação absolutamente determinada e que deixa implícito que o conceito de sujeito deve ser relegado para estruturas exclusivamente históricas, sociais e ambientais (ABIB, 1997, p. 126).
Temos, finalmente, condições de pensar nos eventos privados. Abib (1997) ressalta que o conhecimento dos eventos privados esbarra no conhecimento do outro e no auto-conhecimento. Mas tudo isso com uma consideração importante: a o negar a ideia cartesiana que divide corpo e mente, Skinner é defensor da ideia de que os eventos privados “[...] são subjetivos não porque são mentais, [...] refere-se apenas à privacidade desses eventos” (ABIB, 1997, p. 128). Sua diferença reside em seu acesso.
O problema da subjetividade esbarra também no ponto observacional. Como se sabe, as teorias observacionais não são infalíveis, mas um acordo entre observadores pode ser feito. Mas em relação aos eventos privados, cujo acesso é só para uma pessoa, tal relação é difícil. É por isso que Skinner (tal qual Freud) acredita que todo o conhecimento sobre eventos privados é inferencial. Tal inferência pode ser baseada em três tipos de evidências (o exemplo usado é a dor de dente):
1.      A observação dos eventos públicos que acompanham os eventos privados (danificação do dente);
2.      As respostas colaterais que também acompanham esses eventos (respostas colaterais como gemidos, expressões faciais, levar a mão na bochecha);
3.      As metáforas utilizadas para descrever esses eventos (a pessoa diz que é uma “pontada”, uma “agulhada”)
As respostas metafóricas para eventos privados são, geralmente descritas através de indução, transferência ou analogias por/com eventos públicos. No entanto, Skinner não se satisfaz com esse método que, de acordo com ele, tem um poder de explicação do comportamento muito enfraquecido. Skinner acredita que só o método experimental pode oferecer uma observação mais fidedigna dos eventos privados, mas esse método, apesar de eficaz, é inviável, pois não é possível formular leis experimentais entre as sensações (neurofisiológicas, sensoriais) e o ato de sentir (um comportamento). Assim, Skinner diz que “[...] não é possível conhecer os eventos privados por que não há como elaborar leis sobre esses eventos com o método experimental”        (ABIB, 1997, p. 134).
Dessa forma, Abib (1997) parte para a verificação do comportamento verbal para averiguar se ele oferece melhores condições de análise dos eventos privados.  Um ponto importante é saber que há diferenças entre comportamentos governados por regra e comportamentos modelados por contingências.
Para Skinner, a experiência está nas contingências e não nas regras. E como as regras não contemplam em sua plenitude a complexidade formal, nem os motivos ou as emoções do comportamento modelado por contingências, empobrecem o significado da experiência. Não traduzem enfim toda a experiência da pessoa que aprende por exposição real às contingências (ABIB, 1997, p. 136).
Skinner é, portanto, cético em relação à possibilidade de conhecimento dos eventos privados. E muitos críticos da teoria usam desse ceticismo para caracterizar a teoria operante como limitada. Abib (1997) defende, no entanto, que o entendimento sobre o que é linguagem, comportamento verbal e significado podem contornar esse impasse.

Parte 6 – Linguagem, comportamento verbal, cultura e subjetividade
Analisar os eventos privados a partir da linguagem é uma resposta positiva de Skinner para a pergunta “como investigar os eventos privados?”. Mas antes de demonstrar o conceito e os termos envolvidos no comportamento verbal, Abib (1997) faz o contraponto com as teorias da linguagem, que podem ser de dimensão:
1.      Sintática: é uma teoria mais estruturalista da linguagem;
2.      Semântica: são teorias representacionais do significado;
3.      Pragmática: aplicação da linguagem por seus usuários.
Para Skinner (1957 apud ABIB, 1997, p. 140), “‘o comportamento verbal refere-se ao comportamento dos indivíduos [...] [enquanto que a] ‘linguagem’ refere-se às práticas de uma comunidade linguistica e não ao comportamento de qualquer um de seus membros”. O comportamento verbal mantém uma relação não direta com o ambiente, pois necessita de uma mediação, ao contrário do comportamento não verbal. Ele é enfim, social, pois necessita dessa variável social para produzir consequencias no ambiente. Além disso, o comportamento verbal se refere à situações momentâneas nas quais determinada resposta verbal tem maior ou menor probabilidade de ocorrência.
O comportamento verbal tem alguns tipos específicos:
·         Ecóico: a resposta verbal é similar ao estímulo;
·         Textual: a resposta verbal se relaciona a um estímulo escrito;
·         Mando: uma resposta verbal (ordem) que é reforçada por consequências ambientais;
·         Tato: resposta verbal que se relaciona com objetos e eventos (descrição);
·         Intraverbal: resposta verbal que faz referência a algo que não pode ser mostrado.
Abib (1997) ressalta que essa visão de Skinner é uma visão contextualista-pragmatista da linguagem. “[...] se o fenômeno é dependente do contexto, então o contexto está integrado ao fenômeno e a relação entre eles é interna, indissociável e intrínseca” (ABIB, 1997, p. 142). As regras não governam acontecimentos do mundo lá fora. Elas governam as respostas dos homens que redizem ou tentam explicar algo.
E o significado? Qual é o significado desse conceito para Skinner? Na teoria operante, é preciso dizer antes de mais nada que o significado se dá na (e apenas na) relação entre situação, comportamento e consequências (tríplice contingência). Além disso, o significado é história, mergulhado na história pessoal do indivíduo. É o comportamento verbal que oferece a possibilidade de compreensão do significado que as pessoas dão a uma situação (que pode ser eventos privados).
[...] as descrições que uma pessoa faz de um acontecimento, de um episódio ou período de sua história passada com respeito à situação atual refletem as transformações que esse acontecimento, episódio ou período sofreram pelos acontecimentos também passados mas que lhes sucederam (ABIB, 1997, p. 148).
Abib (1997) ressalta que é nesses eventos que o pesquisador pode conhecer os eventos privados. Não é uma descrição, mas sim, uma interpretação com base na interpretação do próprio analisado sobre seus eventos privados.
Temos agora a noção de que Skinner tem duas respostas sobre o conhecimento de eventos privados: a negativa e a positiva. A resposta negativa diz que é impossível formular leis para os eventos privados com base em leis experimentais. É, portanto, uma incapacidade do método, e não uma consequência da natureza “estranha” do fenômeno. A resposta positiva, por sua vez, demonstra o abandono de Skinner em tentar conhecer diretamente os eventos privados, partindo para métodos inferenciais e indiretos.
Se é verdade [...] que Skinner abandona o método experimental como via de acesso aos eventos subjetivos, seria de se esperar que com a teoria do comportamento verbal, com a teoria funcional do significado e com a retomada de seu método limitado mas legítimo de conhecimento da subjetividade ele também recuperasse as metáforas. Mas não (ABIB, 1997, p. 152).
Skinner acredita em duas coisas: (1) metáforas é assunto para as comunidades literárias e (2) a comunidade científica lida com descrições literais, rigorosas e fiéis dos eventos. E é nesse ponto que Abib (1997) faz uma crítica a Skinner, pois ele lembra que a teoria operante é uma metáfora da teoria da seleção natural. Ou seja, também é uma teoria metafórica, igual às demais que são alvos da crítica skinneriana. Por exemplo, sabemos que Skinner criticou as teorias conceituais-neurofisiológicas e conceituais-mentais pelo uso de metáforas. Mas a teoria operante também é imersa em várias metáforas, o que torna ela própria alvo das críticas de seu fundador. Dessa forma, Abib (1997, p.157) diz que “se o pensamento científico é efetivamente metafórico, então o problema não reside na criação e no emprego de metáforas na ciência, mas sim nas dimensões que lhes são atribuídas pela imaginação científica”.
 Dessa forma, se conclui as colocações principais de Abib (1997) sobre esse tema. A leitura é bastante pesada, e além disso, dá a sensação de que o assunto não se esgotou, que há ainda mais coisas a serem descobertas sobre o posicionamento do Behaviorismo Radical sobre a questão da subjetividade. No entanto, tudo o que temos é que, se não podemos acessar nenhum evento privado diretamente, qualquer estudo sobre ele deve residir sobre o comportamento verbal dos indivíduos.

REFERÊNCIA
ABIB, José Antônio Damásio. Teorias do Comportamento e Subjetividade na Psicologia. São Carlos: EDUFSCar, 1997.